Queimamos os sutiãs. Usamos calça e paletó. Votamos. Nos divorciamos. Casamos outra vez. Trabalhamos. Reivindicamos. Mas e agora? Como é, afinal, ser mulher em pleno 2015 no ocidente?
Sabemos que o Feminismo enquanto movimento tinha como objetivo os direitos iguais entre gêneros e que teve papel fundamental na proteção dos direitos humanos da mulher e de romper com padrões estagnados de uma sociedade patriarcal, onde a mulher não possuía voz ativa.
Também sabemos que, em muitos casos, ainda há caminho(s) a ser(em) desbravado(s) neste sentido, mas toda vez que se fala ou leio pelas redes sociais sobre este assunto, a pergunta que gostaria de plantear primeiro é : o que é ser mulher? Ou seja, como determinamos a diferença de gênero?
Simone de Beauvoir, em 1949, no livro entitulado Le Deuxième Sexe ( O Segundo Sexo) , já dizia que não nascemos mulheres e sim nos tornamos mulheres. Para ela, ser do sexo feminino e ser uma mulher são coisas inteiramente distintas e dependem das nossas escolhas. Claro que, em pleno movimento Existencialista da época quase tudo partia da ideia de escolhas e tal, mas ainda assim acho que esta frase da Beauvoir procede nos dias de hoje. Se ser do sexo feminino e ser mulher não são a mesma coisa, como sabemos que somos mulheres?Alguns podem dizer:
– Ser mulher é quem nasce com cromossomos XX
Refutação: Tome uma pessoa que nasceu em corpo de homem (sexo masculino) e que, aos 20 e poucos anos resolveu, através de cirurgias, mudar de sexo. Esta pessoa é menos mulher ou menos homem por causa disso? Suspeito que não.
– Ser mulher é ter a capacidade de gerar um filho e amá-lo incondicionalmente
Refutação: Lembram das escolhas da Beauvoir? Bom, em pleno 2015 quero pensar (estou me sentindo otimista hoje) que podemos escolher nossa relação com nosso corpo, com o mundo e tudo mais. Também podemos escolher não ser mães, ou ser e não amar incondicionalmente ninguém e, pasmem, tudo isso sem deixar de ser mulher.
– Ser mulher é não se importar com o que pensam e andar com a roupa que quiser, falar o que der na telha e dar para quem quiser
Refutação: Qualquer pessoa pode fazer isso. Não é exclusivo do gênero feminino.
Reparem que qualquer tentativa de resposta a esta pergunta sobre o que é ser mulher, quase sempre acaba sendo o oposto de qualquer ideia de igualdade entre gêneros. Afinal, definir o que é uma mulher já é em si uma maneira de reprimi-la, de fechar um quadrado sobre a ideia de mulher em si.
Algo que me chamou a atenção quando cheguei aqui na Suíça é que há um maior respeito para com a mulher, no sentido de que os homens não vão sair te cantando na rua porque você está de saia curta etc. Para falar a verdade, as pessoas não se olham tanto, não se objetificam tanto, o que acho legal.
Mães de filhos pequenos geralmente não trabalham fora, e este trabalho no lar é bem visto e respeitado pela sociedade em geral. Como mães na era moderna, estamos acostumadas a nos sentirmos culpadas por não estar trabalhando fora ou por estar trabalhando e ter pouco tempo com os filhos devido a correria do dia dia.
Aqui, é inclusive mais vantajoso financeiramente para o casal, se um dos cônjuges ficar em casa com as crianças, já que há um incentivo do governo neste sentido e as taxas aumentam barbaramente quando ambos cônjuges trabalham e têm filhos.
Por outro lado, vemos ainda poucos homens suíços cumprindo esta função, o que demonstra que a sociedade suíça não é tão igualitária como alguns podem imaginar. Foi inclusive o último país da Europa, com exceção de Luxemburgo, a conceder o direito de voto às mulheres em, pasmem, 1971!
Dependendo do seu modo de ser, isso pode ser bom ou ruim. Para as mães que gostam ou precisam trabalhar fora, a situação aqui pode ser um tanto complicada no sentido de organizar os horários, mas não impossível. Ambas escolhas, porém, são amplamente respeitadas. Para mim, confesso, não precisar explicar para todos o por quê de eu não estar trabalhando fora de casa desde que o meu filho nasceu, foi um alivio.
Afinal, somos de uma geração de mulheres que se cobram tudo ao mesmo tempo. Ser mãe, mulher, ter uma carreira de sucesso, cozinhar e estar com o corpinho em dia. Não é a toa que a mulherada anda por aí se plastificando e tomando bolinha para sobreviver a mais um dia. Também não estou dizendo que é uma desculpa para fazer essas coisas.
No fim das contas, quem está criando este estereótipo da mulher maravilha? Será que são os homens e a sempre culpada sociedade patriarcal ou somos nós que, em meio ao desespero de lutar pelos nossos direitos, decidimos provar que não somos o sexo frágil criando uma falsa ideia de perfeição?
Na minha opinião, a pergunta em pleno 2015 não deveria ser mais o que é ser uma mulher e sim de que maneira somos mulheres? Há vários modos de ser mulher e não existem moldes.
Quero, claro, que continuemos a defender o ser humano de abusos, de preconceitos, e que reivindiquemos nossos direitos. Mas hoje em dia, pelo menos para mim, já não cabe mais falar somente sobre os direitos da mulher, pois afinal nem sabemos o que é ser mulher exatamente.
Lutemos, pois, por um mundo mais leve, com mais amor e maior tolerância. Para todos. Mulheres ou não.
5 Comments
Que lindo texto, Fernanda! Cheio de humanismo, ternura e pensamento crítico. Conversei sobre este tema com os meus alunos ontem. Vou indicar o seu post a eles! Uma das coisas que defendi foi o respeito a todo tipo de escolha. O direito da mulher receber o mesmo salário dos homens para exercer a mesma função, por um lado. Por outro, o direito da mulher querer se dedicar exclusivamente ou quase exclusivamente à família , mantendo um emprego mais light ou nem trabalhando fora. Se no passado fomos impedidas de estudar , de ter uma carreira , de expor nossas ideias, hoje, muitas mulheres são criticadas por desejarem administrar a casa , cozinhar e cuidar pessoalmente da educação dos filhos sem delegar tal função a creches e babás. Acredito que o que falta ao mundo é respeito às diferenças e a constante necessidade de criar padrões muito fechados que se tornam sufocantes. Um grande beijo!
Obrigada, querida! E que honra enorme poder dividir meu texto com seus alunos 🙂 Concordo que o que faz falta no mundo é respeito às diferenças. Penso que muitos, ainda que utilizem o termo “diferente”, não compreendem o significado do termo “diferença” de fato, e isso causa muitos problemas, principalmente na hora de respeitar algo que não se entende. Para muitos, é bizarra uma vida que não a própria. Nosso mundo tem muitos espelhos e poucas paredes, e é sempre mais fácil ver a si mesmo refletido que o outro parado na esquina esperando compreensão. Infelizmente. Um beijo grande e obrigada por comentar 🙂
Nossa, 1971! Demorou um tanto aí na Suiça, não foi mesmo? Mas, pelo menos, depois disso, as coisas andaram a passos mais largos, você diria? Quero dizer, apesar de só ter dado o direito ao voto muito depois dos vizinhos, os direitos da mulher na Suiça seguem hoje em dia os mesmos padrões da maior parte da Europa Ocidental?
Fernanda, esse é o melhor texto que já li em defesa da mulher!
Sério, normalmente eu me sinto ofendida pelas próprias mulheres que dizem ser feministas, pelos padrões que elas impõe as outras, como eu, que GOSTAM e OPTAM por serem donas de casa. Acho super importante pedir o respeito dos homens e criarmos homens que respeitem a mulher, mas tb pediria mais respeito das próprias mulheres, que são as que costumam me ofender mais, sinceramente falando.
Aqui na Hungria tb não é comum o assédio nas ruas, o que é muito legal. Acho a sociedade húngara bem equilibrada na questão de igualdade, claro, sempre da pra arrumar aqui e ali, mas está muito a frente em vários aspectos, um deles é o de licença maternidade de 3 anos. A mulher não precisa escolher entre maternidade ou trabalho e por isso é muito incomum ver donas de casa por aqui. Aí vem o outro lado, quando as próprias mulheres não entendem minha opção. Enfim, o ideal seria o respeito a QUALQUER escolha da mulher.
Enfim, adorei!
Parabéns pelo argumento e pelo belo texto!
Como sempre, muito bom, Fernanda! Adoro seus textos! Beijo