Um lugar tranquilo, paisagens idílicas, vaquinhas, ar puro. A Suíça é conhecida por seus spas e locais para um bom e merecido descanso. Em todos os sentidos. Recentemente saiu nos jornais uma matéria sobre o “turismo do suicídio”, eutanásia na Suíça, que vem acontecendo aqui há muitos anos.
Não se apavorem. Não há pessoas se jogando de pontes a torto e a direito, nem se matando com overdose de leite de vaca (muito embora se este último fosse possível acho que haveriam casos).
O que acontece é o seguinte: Ainda que a maioria da população seja religiosa, a Suíça preza a neutralidade. Essa neutralidade, muitas vezes se contrapõe a preceitos religiosos entranhados na nossa cultura.
Para dar um exemplo, existe aqui (e em vários outros países da Europa) ,em alguns hospitais , uma portinha onde as pessoas podem deixar os bebês que desejam dar para adoção. O bebê fica sob os cuidados do hospital durante 8 semanas, período este em que a mãe ainda pode mudar de idéia e buscá-lo. Após este período, o bebê é encaminhado à adoção. Já sei, à primeira vista soa horrível. Mas sob outra perspectiva, pode ser muito melhor para o bebê que terá um lugar quentinho para abrigá-lo no frio inverno e com pessoas qualificadas que o cuidem, sem ter que ficar abandonado na rua, como infelizmente acontece no Brasil, por exemplo.
É claro que é um certo choque cultural para nós, mas isso é o mais bacana de vivenciar outra cultura. Botar a caixinha para funcionar e questionar padrões e modos de ser. Bom, pelo menos é assim para mim.
Muito bem, a partir deste exemplo, já se pode ter uma idéia que o suíço é pragmático na hora de resolver as suas questões. Vale sempre lembrar que isso nao é bom, nem ruim. Apenas é.
Aqui na Suíça o suicídio assistido é permitido desde 1942. Bom, já que toquei no ninho de vespas, vamos em frente.
Veja bem, não estou falando de eutanásia pura e simples. Recado aos suicidas de plantão: Se você quer se matar e já está pensando em comprar sua passagem para cá, não é assim tão simples, meu amigo.
Suicidio assistido significa que, se seus motivos forem comprovadamente altruístas perante a lei, ou seja, em caso de pacientes terminais por exemplo, então o suicídio assistido é legal. E há inclusive empresas que auxiliam em todo o processo. O suicídio assistido é filmado e policiais presentes entrevistam os familiares e amigos para assegurar-se de que não há nenhum motivo pessoal por trás da morte. Caso seja comprovado qualquer interesse pessoal na morte, seja ele de fundo econômico, moral etc, é crime punível por lei.
Entendo que para o suíço esta questão nao é um negócio, uma maneira de ganhar dinheiro às custas de pessoas que estão sofrendo e sim, um caminho, uma opção.
A pergunta que fica é: e os suíços religiosos, como convivem com essa situação? Resposta: De um modo geral, sem nenhum problema. Naturalmente que há Suíços que não concordam com esta prática. Aqui, porém, as opções religiosas são pessoais e não do País como um todo. Democracia não significa que todos devam agir e pensar da mesma maneira e sim que há diferenças no modo de pensar e nos caminhos que escolhemos, sejam eles os caminhos que forem e estes devem ser respeitados (desde que, claro, este caminho não inclua a não-reciclagem do lixo porque aí, neste caso, nao há inferno profundo o suficiente para você).
Portanto, gostando ou não desta posição da Suíça como partidária ao suicidio assistido, a verdade é que o país funcionou bem até agora e as pessoas não estão menos felizes e se matando com maior frequência por conta dessa legislação. De acordo com as estatísticas dos índices de suicídio, a Suíça ocupa uma posição intermediária, não figurando nem nas primeiras nem nas últimas posições. A terceira idade é bastante valorizada aqui e há muitos idosos super atléticos inclusive, diga-se de passagem. De bicicleta para cima e para baixo. Uma delicia de ver. Mas isso é assunto para outro texto.
Então será que, eticamente falando, é errado ajudar alguém que está sofrendo e escolhe não viver a morrer? Por quê? E se fôssemos nós quem estivéssemos sofrendo? Quem dita, afinal de contas, o que vai em nossas mentes? De onde surgiram nossas idéias de certo e errado?
Não tenho, nem acho que existam, respostas prontas a estas perguntas, mas acho que valem muito a pena a reflexão.
Para mim, ser brasileira, ser pessoa no mundo é isso. Refletir e aprender. Caminhando sempre.
23 Comments
Aqui em Praga tambẽm existem essas ‘caixas para depositar bebês’. Primeiro veio o choque, depois a compreensão. Tanto nisso quanto nisso tudo que você comentou sobre a Suĩça hoje vejo uma pura e simples manifestação de respeito pela escolha do outro.
Parabéns pelo texto, Fernanda. Você conseguiu colocar um assunto tão pesado num texto bem leve.
Muito obrigada, Gi! Adoro este respeito às singularidades nestas partes do mundo. Aprendemos muito com essas diferenças culturais, nao? Beijo grande
Assisti um filme sobre essa questão. Javier Bardan interpreta um tetraplegico que quer ganhar na justice o direito de súicídio. Como é tetraplégico, não consegue se suicidar e precisa de auxilio para faze-lo. O filme é incrível e a interpretação de Javier, como sempre, impecável. Há uma frase de uma ativista no filme, que diz: Viver é um direito e não um dever. Eu gosto muito dessa visão laica do estado. Cada qual pode ter sua religião e cultura, mas o estado deve estar acima disso. Apesar de ser meio chocante para a nossa cultura, creio que a Suíça está no caminho certo ao permitir o livre arbítrio das pessoas, afinal religião e espiritualidade são questões de foro íntimo entre a pessoa e DEus 🙂
Sim, este filme é muito bacana. O que acho mais interessante no caso do Brasil é que teoricamente o Estado é laico ! Porém questoes de ordem religiosa acabam penetrando no inconsciente de tal maneira que, em muitos casos, nem nos damos conta. Obrigada pelo comentário. Beijos 🙂
Acabei de ler o livro “Como eu era antes de você” da Jojo Moyes, que trata do assunto. É uma decisão complicada, assim como é uma decisão individual, como abortar por exemplo. Jamais faria, por principios e crenças, mas não podemos tirar o direito do outro de fazer a escolha dele de uma forma digna. E acho que vai na mesma linha para o suicidio assistido.
Nao conheço o livro, de modo que nao sei qual o enfoque do mesmo, mas concordo que é uma decisao individual que deve ser respeitada. Muito obrigada pelo comentário, Carla. Beijos
Fernanda, voce, seu texto e a Suica formaram trilogia da excelencia. Adorei os tres. A sua visao do estilo de vida dos Suicos, acuradissima; a sua filosofia de vida, perfeita e a Suica simplesmente lugar lindo de vive e morrer. Parabens!
Juraci Pike, muito obrigada pelo comentário tão gentil. Não sei nem o quê dizer rsrsrs 🙂 Um forte abraço!
belo texto, Fernanda, prum tema delicado, que nos põe diretamente frente às duas circunstancias que nos caracterizam: a autodeterminação e a morte..E não resisto a uma blague: suicídio…só existe para os nascidos aí [suíços+idio]?
hahahaha Boa, Cláudio 🙂 Um forte abraço!
Aqui na Bélgica o direito à eutanásia acaba de ser estendido aos menores de idade e tb é o primeiro país a autorizar a eutanásia a uma pessoa na prisão. É triste pensar que talvez nunca veremos uma lei como essa aprovada no Brasil, um país que nem o aborto ainda não descriminalizou.
Que interessante, Marisa. Eu não sabia desta nova legislação na Bélgica. Concordo com vc. No Brasil, a eutanásia está a anos luz de ser devidamente discutida, que dirá implementada. Obrigada pelo comentário. Um grande abraço!
“A pergunta que fica é: e os suíços religiosos, como convivem com essa situação? Resposta: De um modo geral, sem nenhum problema. Naturalmente que há Suíços que não concordam com esta prática. Aqui, porém, as opções religiosas são pessoais e não do País como um todo. ”
Excelente! Eu gostaria que o Brasil como um todo tivesse essa consciência, mas como estamos vendo, ainda vai demorar… A maioria das pessoas nem discute :/
Sim, Paula. Uma pena assuntos importantes como este, ainda estarem presos à conceitos religiosos quase medievais no Brasil. É preciso mais informaçao e mais vontade de discutir assuntos que nem sempre falam de samba e futebol, creio eu. Enfim…muito obrigada pelo comentário. Um grande abraço!
Oi Fernanda,
Gostei muito do texto, bem diplomático: informando sem defender uma ou outra postura. Está utilizando bem o modo suíço de agir. 🙂
O tema sempre é delicado para quem nao vive de perto nenhum drama ou na própria pele. É difícil dizer que nunca fará (e o ser humano adora dizer isso) quando nao se sente dores todo o tempo, quando nao há cura para o que o aflige ou para ver o sentimento dos entes queridos enquanto precisa lutar com o próprio martírio. Acho importante que o Estado possa dar esse suporte a quem decide o que fazer como terminar com o próprio sofrimento, corpo e mente. Valeu por esclarecer esse ponto aí na Suíça.
Bss
Oi Ina, obrigada pelo comentário e por compartilhar o seu ponto de vista.Também acho que, na própria pele, a situação muda de figura. Acho importante que tentemos nos colocar no lugar do outro, para poder discutir assuntos como este, como vc tão bem o fez. Obrigada pela contribuição. Um beijo! 🙂
Fernanda amada, seu texto é fantastico e colocou de uma forma muito bem articulada a posiçao dos Suiços, Educaçao é muito importante em um pais a fim de que questoes como estas possam ser discutidas e votadas e mais ainda devidamente aplicadas! Infelizmente o Brasil ainda nao consegue nem sequer fazer funcionar o sistema juridico do pais, as leis nao sao respeitadas e criminosos ficam impunes, nao conseguimos nem sequer dar entrada nas pessoas nos hospitals publicos é triste né, e as deixamos morrer, vivendo aqui me assusto com a nossa situaçao como pais! Que melhores dias venham! Mas é isto ai nossa participaçao, contribuiçao é poder atraves de nossas experiencias levar o povo a reflexao, e voce o fez de forma maravilhosa! Parabens! Adorei o texto!!!! Namasté linda! 🙂
Ana, muito obrigada pelo apoio e pelas palavras de carinho. Concordo com vc que a educação é chave em todo esse processo. Infelizmente, o nosso sistema educativo no Brasil preza ( em sua grande maioria) a repetição e a decoreba ao invés de incentivar o pensamento crítico e autônomo. Conceitos religiosos engessados+ falta de senso critico na educação são, ao meu ver, as maiores barreiras do Brasil na atualidade. Temos que seguir questionando e refletindo se algum dia quisermos mudar esta situação. Mais uma vez obrigada pelo comentário. Beijo! 🙂
Na realidade Fernanda, em um local onde se tem educação, ética e respeito por seu semelhante a postura frente a situações tão adversas e importantes não poderiam ser deixadas de lado. Eu sou suspeita´pois tenho uma grande admiração pelo Canadá e Suíça, além da beleza e cultura… a educação faz todo diferencial!!! Agradeça a Deus por ter a oportunidade de passar por países tão especiais( não desmereço o México, pois a sabedoria, a fé, o respeito a Família são inigualáveis!!!!)!!! Parabéns, adorei teu post!!! Beijão!
Sim, Be Silveira, em um bom sistema educativo, ética e respeito são parte integral do processo. Concordo. Acho que para um maior entendimento do que significa ser gente, em um mundo às vezes tão perverso, é necessário conhecimento, dúvida, debate, reflexão. Sem isso, ninguém age ( ou quando age era melhor ter ficado quieto rsrs) e nada muda. Muito obrigada pelo comentário. Beijos 🙂
Oi!
Estive lendo muito sobre a morte assistida. Tanto que recentemente teve um senhor australiano de 104 anos, sem doenças degenerativas ou qualquer outra doença teve a morte assistida. Digamos, tem algums “brechas”..
Estou com uma dúvida: e o corpo? Depois a família volta com o corpo ao país de origem para enterrar? E que tipo de explicação é dada à PF nestes casos? Ou o corpo é cremado na Suíça?
Olá Renata,
A Fernanda Moura infelizmente parou de colaborar conosco.
Obrigada,
Edição BPM