Como é ser mulher na Arábia Saudita.
Nesse mês de Março quero falar sobre como é para mim ser mulher na Arábia Saudita.
Ser mulher, expatriada e brasileira na Arábia Saudita, para ser mais exata.
Para início de conversa, só o fato de ser mulher por aqui já é um pequeno desafio. Criada com uma noção totalmente diferente do conceito de ser mulher em uma sociedade muçulmana, o início da fase Arábia nunca é fácil. Para mim foi tranquilo, mas isso não significa ser fácil.
Muitas mulheres sofrem um verdadeiro dilema e uma guerra interior pois precisam balancear os seus próprios valores e visões de vida com os valores dessa sociedade a qual vão se inserir temporariamente. Isso não significa “se vender” ou “sofrer uma lavagem cerebral”, mas abrir a mente para uma nova cultura e ver que mesmo dentro dela, é possível manter suas convicções, mas de uma forma mais moderada e com respeito. Pois nem todas as verdades são absolutas.
Ser mulher na Arábia Saudita exige ter muita coragem, pois nem sempre você vai ser levada à sério. Eu aqui aprendi a me impor muito mais do que quando tinha toda a liberdade do mundo no Brasil, o que considero muito benéfico para o meu desenvolvimento como ser. A gente aprende a “ler” as pessoas, quando estão te levando a sério ou não, quando estão te julgando por ser de outra cultura.
Por aqui, ser mulher, jovem e bem educada pode criar situações desconfortáveis. É muito difícil saber quando se pode ser empático e simpático com alguma pessoa, principalmente com homens. Sabe quando você aprende desde pequena a dar bom dia para o porteiro, a sorrir e agradecer à quem lhe presta algum serviço? Pois na sociedade muçulmana isso nem sempre é uma boa ideia vindo de uma mulher. E me dói certas vezes, ter de ser grossa, pois a simples educação foi entendida de forma equivocada.
Só que eu me nego a aderir ao pensamento de que quem me serve está ali para isso, como um robô e não como uma pessoa. Eu me nego a deixar meu lado humano de lado por conta de tabus de uma certa religião. Mesmo isso sendo “normal” por aqui. E eu vejo a grande maioria das mulheres agindo assim. Como se fossem princesas com o mundo pronto para lhes servir. Eu continuo sendo simpática e conversando com o pessoal da limpeza, com os motoristas. Sempre lendo as reações e vendo com quem eu posso e com quem eu devo evitar contato.
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Abrir mão de coisas é o nosso cotidiano. A gente abre mão da vida que tinha antes para acompanhar o marido, abre mão da carreira, abre mão da liberdade, abre mão da vaidade: porque usar abaya não é, de primeiro momento, uma maravilha que faz a gente se sentir linda para gente e para os outros. Abre mão da independência que é tão gostosa, e depender sempre de alguém para te levar aos lugares, pois ainda não podemos dirigir.
Da mesma forma, ser maleável e ser mente aberta acabam sendo um requisito.
Ser mulher estrangeira nem sempre é significado de ser acolhida pelas mulheres locais. As sauditas, em um primeiro momento não vão ser amizades fáceis de fazer. Na minha experiência eu sinto que elas precisam pegar confiança antes para então abrir oportunidade de começar um contato e uma amizade. Ainda mais se você não é muçulmana, sinto sempre um ar de desconfiança em um primeiro momento. Um ar algumas vezes até cheio de julgamentos. Porém quando essa barreira é quebrada, elas se mostram amáveis e bacanas.
É muito nítido por aqui uma divisão entre as nacionalidades, como se o seu país de origem te desse uma etiqueta de status social. Ser brasileira é estar no meio dessa divisão. Eu sinto aqui que a gente não fede nem cheira. Não está por cima nem por baixo. Viemos de um país bonito, com praias e natureza. E me desculpe quem bate na tecla de que Brasil é sinonimo de prostituição no exterior, mas tem outras nacionalidades muito mais marcadas por esse estigma por aqui. Brasil é o país do futebol, do Neymar e o do Ronaldinho. Essas são as referências que me passam. Ou, erroneamente, um país latino em que todos sabem dançar salsa.
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Por outro lado, ser mulher na Arábia me garante certos privilégios. Sim, você pode não acreditar, mas a gente tem tratamento especial em muitos lugares. Entradas reservadas somente para elas, espaços somente para mulheres onde se tem privacidade. Ser mulher nos garante passar na frente em algumas filas e situações. E, isso vai chocar muita gente, ser mulher é sim ser tratada com muito respeito por aqui. Sim coleguinhas, eu me sinto muito respeitada por ser mulher por aqui. Nunca ouvi uma gracinha na rua, passando por obras. Mas também porque como disse antes, aprendi a me impor e impor respeito.
É obrigação do muçulmano tratar bem as mulheres. Nunca precisei lembrar ninguém disso.
A televisão e meios de notícias só propagam as coisas trágicas, onde mulheres são maltratadas e desrespeitadas. Mas saiba que essas situações acontecem da mesma forma com que acontecem no Brasil ou em qualquer lugar do mundo. Só que a impressão que o resto do mundo tem é que somente por ser Arábia, todas as mulheres sofrem, sem exceção, que todas são abusadas e desrespeitadas, o que não é verdade!
Ser mulher, nesse momento, é ver o sucesso das outras mulheres por aqui. Foram muitas vitórias conquistadas pelas sauditas. O direito de poder votar e se candidatar, dirigir, viajar sozinha, bem como ser vista não só como dona de casa, mas como uma peça importante para o desenvolvimento da sociedade e da economia, foram lutas alcançadas pelas mulheres sauditas nos últimos anos. E nessas horas eu entendo a importância de cada uma dessas vitórias terem sido conquistadas por elas mesmas, e não impostas por pessoas de fora e de outras culturas.
Então ser mulher na Arábia para mim é viver segurando uma balança e ver os pratos pendendo cada pouco para um lado. Por vezes é ruim, por vezes é tranquilo.
A gente tem toda a liberdade do mundo para aceitar novos desafios. As experiências de cada um nunca vão ser as mesmas. Eu, Gabi, vivo por aqui numa boa, se não, numa ótima. Pois a leitura que faço das coisas que acontecem me levam para esse resultado, bem como as atitudes que tomo.
Para deixar os críticos de plantão um pouco satisfeitos, ser mulher por aqui não é a melhor coisa do mundo. Mas, no meu caso, é temporário (não sei por quanto tempo ainda, talvez até me cansar), é adaptável. Então dá para viver mais um tempo segurando essa balança.
6 Comments
Eu adoro suas postagens, sério! Você é linda e escreve super bem. Espero que você continue falando sobre a situação da mulher na Arábia, pois eu adoro países islâmicos e tenho super vontade de morar em um. Queria também se fosse possível você comentar sobre o racismo aí, pois eu me leio como uma pessoa negra. Quando eu afirmo me ler é que quando saliento que sou negra às pessoas falam que sou parda!
Oi Fernanda! Obrigada por comentar.
Sim, tem racismo por aqui. Sinceramente eu não noto muito, mas conversando com meu marido ele comentou que já viu muita coisa.
E ele me disse que nem fazem questão de esconder o racismo, pois ainda é algo cultural e “normal”.
Da mesma forma que eu noto o descaso com os trabalhadores braçais, os da limpeza, que muitos não veem como pessoas, mas como maquinas…
Infelizmente sim, aqui tbm tem racismo, de pretos e brancos.
Oi Gabriela tudo bom? Eu me casei com um muçulmano à 2 anos e no final deste ano vamos para a Arábia Saudita visitar a familia dele. Eu estou um pouco preocupada mas seu texto conseguiu me deixar um pouco mais tranquila. Acho que por ser um país com tantas regras diferentes do país em que vivemos (Portugal), essa viagem me deixou um pouquinho preocupada (principalmente porque vou com minha filha que terá um pouco mais de 1 ano). Adorei o texto.
Oi Beatriz, que bom que pude ajudar de alguma forma 🙂
Pode vir tranquila sim pra cá, acredito que será bem recebida pela família dele… Algumas mulheres muçulmanas são um pouquinho resistentes no início, mas depois que pegam confiança são uns doces.
Venha! Tem muita coisa bonita pra ver e comidas gostosas.
Eles adoram crianças, então fique mais tranquila ainda!
Olá Gabriela,
Sou carioca, e meu marido acaba de ser convocado para trabalhar na Aramco. Assinou contrato e o pacote de benefícios parece bem legais! Temos um filhinha de 3 anos e 9 meses. Inicialmente ele irá no final de Novembro e nós iremos em seguida.Nossa! São tantas dúvidas…..tenho bichos de estimação, dos quais sou muito apegada, preciso de arranjar um jeito de levar pelo menos 2 deles, um gato e um cachorro.Não sei quais roupas levar, do tipo, mulher pode usar calça jeans?pode usar calça Leggin?tipo de blusa, sempre manga cumprida ou meia manga? roupa de banho feminina, como devo compra-las, nossa família gosta muito de praia…..inicialmente ficarei muito chocada com tudo, mas sou uma pessoa de boa adaptação e humildade, preciso só de tempo.Gostaria se possivel do contato de algumas pessoas Brasileiras em Dhahran que possam me ajudar alguns manejos da cidade.Sou Católica praticante e gostaria de saber se há alguma igreja ou comunidade cristã por la. Enfim, mil dúvidas, me desculpe até pela enchurrada de perguntas, mas tento uma criança, gostaria de me cercar do máximo de informação possível.
Desde já, muito obrigada!
Aline.
Oi Aline,
Pode vir sem medo, ainda mais se vcs forem morar dentro da Aramco, é como se fosse uma cidade americana normal. Tem tudo la dentro e a vida é como se fosse de ocidental.
Escrevi sobre trazer os animais de estimação recentemente. Procure também os artigos sobre as dúvidas, pode ter coisa que te ajude lá.
Pode trazer roupas de calor e de frio. No inverno chega a fazer uns 5 graus. Dentro do compound se usa roupa normal, e fora vc só coloca a abaya por cima, então não importa muito o que você vai vestir.
Pode usar biquini e a aramco tem praia privada.
Tudo que você precisa você encontra na Aramco.
Me adicione no instagram @gabilirio, por lá posso pegar seu contato e passar pra comunidade brasileira daqui.
https://brasileiraspelomundo.com/comunidade-brasileira-na-arabia-saudita-4902120470