Como é ser mulher no Japão.
Que o machismo está presente em todo lugar do mundo, já sabemos. Mas, infelizmente, no ano passado, o Japão caiu para o 114º lugar no ranking de Igualdade de Gênero do Fórum Econômico Mundial, dentre 144 países. Segundo o instituto que realizou a pesquisa, isso se dá por causa das diferenças gritantes entre homens e mulheres dentro dos setores econômico e da saúde. Já falei sobre machismo no Japão aqui, mas, hoje, vivendo há mais tempo em terras nipônicas, temo que tenho muito mais a acrescentar.
Há 25 anos, a primeira lei japonesa de igualdade de gênero no trabalho entrou em voga. E o que isso mudou? Quase nada. Na fábrica onde eu estava trabalhando, por exemplo, as mulheres com posição de liderança são pouquíssimas, proporcionalmente. Mais de uma vez tive a minha fala ignorada ou diminuída. Uma das vezes, inclusive, dei uma sugestão de planilha para facilitar os pedidos de peças dentro da linha de produção. Não só fui ignorada, como cerca de duas semanas depois tive a minha própria ideia apresentada a mim, pela boca do meu chefe. Sim, apresentando a planilha como dele e, claro, sem me dar crédito algum. Sequer um parabéns, obrigado… nada!
Nessa fábrica, homens e mulheres recebem o mesmo salário para exercer a mesma função, mas para o padrão japonês, o salário é bem baixo. E, infelizmente, não é exclusivo de lá: recentemente estive folheando cadernos de empregos e a diferença chega a ser gritante. Enquanto há vagas com a especificação “ambiente predominantemente feminino”, com salário próximo a 950 yenes por hora, sendo possível que homens se candidatem à vaga, há outras de “ambiente predominantemente masculino”, sendo altamente improvável que se permita a candidatura de mulheres, por 1500 yenes a hora.
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Mas, tristemente, não há muito a quem atribuir a culpa. A própria sociedade ainda impõe barreiras para o sucesso profissional das mulheres, como dito nesta reportagem. Mais da metade das trabalhadoras japonesas só exercem a função por meio período, sendo essas as vagas mais restritas com relação a crescimento dentro das empresas, número de horas trabalhadas, etc. Isso se dá também pela crença cultural da sociedade japonesa de que a mulher deve cuidar da casa e dos filhos – e por isso, se trabalhar, só deve ser por meio período para conseguir conciliar as responsabilidades –, enquanto o homem trabalha fora e sustenta a casa.
Segundo a matéria, apesar de existirem ministros que defendem que as mulheres ocupem pelo menos 30% de contratações para postos públicos, parte da responsabilidade sobre a sociedade machista também é do governo: os homens podem incluir suas esposas como dependentes na declaração de imposto de renda, desde que o salário delas não ultrapasse um milhão e três mil yenes (R$ 20.210,00 na cotação atual) ao ano, ou seja, se elas trabalhem em empregos de meio período. Além disso, há outros ministros que defendem que as mulheres façam parte dos cargos públicos, mas com carga horária reduzida, caso necessário. Não é preciso dizer que se as mulheres não fossem pressionadas pela jornada dupla e tivessem as funções de casa divididas, conseguiriam tranquilamente exercer a função a que foram contratadas.
Contudo, é claro, ser mulher no Japão não é de todo mal. Para quem pensa em abdicar da carreira para dar total atenção à maternidade, por exemplo, o governo japonês dá todo o apoio necessário. A mãe recebe benefícios desde o pré-natal ao parto, e caso contribua com o seguro nacional de saúde, tem até retorno financeiro. Durante a infância da criança até os 15 anos, a mãe recebe do governo um auxílio em dinheiro para cada filho, depositado trimestralmente. Para as mamães solo ou viúvas, ou para mães de crianças portadoras de deficiência, há ainda outros subsídios que o governo proporciona.
Talvez seja impressão minha, mas acredito que por causa da grande diferença salarial, as mulheres japonesas são as que mais buscam uma formação de ensino médio (que não é obrigatório aqui), técnico ou universitário. Explico: como para exercerem uma mesma função, elas ganham menos, os esforços se tornam ainda maiores para conseguirem ser independentes.
Felizmente, o país não está retrocedendo sem uma pontinha de esperança: em 2016, Yuriko Koike, a primeira mulher eleita governadora de Tóquio, tomou posse aos 65 anos de idade e, em minha opinião, não poderia ser mais inspiradora. Fluente em inglês e árabe, com formação em sociologia, começou a conquistar seu espaço na televisão, entrevistando líderes mundiais (e foi, também, a primeira apresentadora feminina do “World Business Satelite”). Junto com o atual primeiro-ministro Abe, está entre as favoritas para assumir esta função – a mais importante dentro da política japonesa. As mulheres japonesas certamente têm em quem se inspirar!
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Acredito que a solução para o problema da desigualdade de gênero, do Japão e do mundo, está não só na mudança de atitude, mas na mudança de mentalidade. É preciso que a mulher reconheça o seu valor e sua independência e lute por ele; e que os homens reconheçam seus privilégios e colaborem com uma sociedade mais justa e igualitária.
E nós, inspiradas por Yurikos, Malalas ou Chimamandas, vamos lutando, dia após dia, contra o machismo presente no mundo. É verdade que precisamos nos esforçar muito mais para conseguir menos; precisamos o tempo todo afirmar e reafirmar o nosso valor. Mas, felizmente, nós mulheres somos fortes e damos conta do recado. A mudança é por nossa conta. Luto é verbo! Avante!
Um feliz mês da mulher!
4 Comments
Que post mais lindo e completo! Amei *-*
Obrigada 🙂
Parabéns Ju
Belo texto!
Obrigada!!