Controle emocional dos Noruegueses.
A minha cultura coloca tempero em tudo. Eu estava acostumada a falar e brincar com meus amigos e familiares à vontade, ser boba e dizer coisas engraçadas (como também ouvi-las), e todos ríamos até virar do avesso e pronto, assunto encerrado. Nós exageramos, aumentamos, falamos tudo fora de proporção – os tais ‘exageros de expressão’.
Tudo parece maior e melhor para os brasileiros. Nos expressamos com muita emoção e muitos gestos. Quando estamos com raiva, é raiva. Quando estamos felizes, escuta-se de longe. Quando estamos tristes, desabafamos até com o espelho. Quando a seleção brasileira faz um gol na copa nós gritamos como loucos. O nosso volume é alto por natureza própria, porque nos deixamos ser carregados pelas nossas emoções.
Então, um dia aterrissamos em Oslo, com pouca ou nenhuma base de informação sobre o país ou seu povo. Afinal, para nós, todos os estrangeiros são ‘gringos’ no Brasil. Mas esses ‘gringos’ vêm de algum lugar, cada um com sua cultura e seus costumes. Uma vez no exterior nós temos o costume de ver o comportamento das pessoas através do olhar da nossa própria cultura – o que é absolutamente normal para quem chega de outro país, porém muito prematuro.
Como expressamos nossas emoções pode variar de acordo com o lugar, contexto social e cultural. Os noruegueses e seus vizinhos escandinavos são conhecidos por terem um controle maior de seus sentimentos quando comparados às pessoas de outras partes do mundo.
Os noruegueses, muitas vezes, parecem frios aos olhos dos estrangeiros que estão acostumados a culturas em que as pessoas expressam sentimentos abertamente, interagem socialmente com facilidade e falam bem mais alto do que eles. É fato que o povo da Noruega não é tão aberto quanto o nosso, mas se observarmos com um pouco mais de profundidade, perceberemos que são bastante calorosos, à sua maneira.
O norueguês não fala alto. Tente visualizar sua voz naturalmente sendo levada pelo vento, passando por entre as flores e árvores e, por fim, se misturado com a natureza. Na verdade, o ambiente Ártico faz com que você fale mais suave. O expressar das emoções é mais controlado na Noruega. Eu mesma passei um período controlando a forma como me expressava para não assustá-los. Lembram-se da klemming jente do texto Recuperando a Identidade? Entretanto, às vezes você é surpreendido por noruegueses que parecem ter alma de brasileiro. Não, queridos, essa pessoa não tem “alma de brasileiro”. Essas pessoas são seres humanos como todos os outros que habitam esse planeta.
Eu simplesmente tive dificuldade em compreender a forma como as pessoas são por aqui. A minha cabeça deu nós e mais nós, por vezes formando uma opinião sem ter estudado a fundo a cultura social norueguesa. As coisas são diferentes aqui em cima. E a diferença pode levar à críticas, essas que, na maioria da vezes, são baseadas em como nós (não-noruegueses) achamos que eles (noruegueses) deveriam ser e agir. Todos cometemos esse erro – inclusive eu mesma – nem que seja para aprender a olhar o outro com um olhar mais tolerante e compreensivo com a sua história e principalmente, sua cultura.
Os noruegueses votaram duas vezes contra a adesão à União Europeia em 1994. Eles quiseram seguir o seu próprio caminho. De alguma forma, eles sempre o fizeram a custo de muito trabalho e muita luta.
A Noruega, por décadas, foi construída para ser uma sociedade aberta, transparente, informal, com fortes princípios igualitários e um sistema de bem-estar social regulamentado com base no que os noruegueses gostam de chamar de fellesskap (comunhão). Este é um país onde o ex-primeiro ministro ia de bicicleta para o trabalho, onde as pessoas caminham livremente pela cidade e a polícia trabalha desarmada e onde o juiz de Direito da cidade onde morei (Narvik) podia ser visto frequentemente buscando seu filho no jardim de infância público, também de bicicleta.
Eu acredito que a maioria dos estrangeiros vêm para o país com um conhecimento mínimo sobre a sociedade e a cultura norueguesa. Digo isso porque eu sempre ouvi reclamações, inclusive aquelas que saíram da minha boca. Não sou perfeita. O amadurecimento requer, além da experiência, observação, percepção, muita vontade de aprender e de olhar para fora do seu quadrado. Melhorar a coexistência entre a minha cultura e a deles exigiu um esforço suplementar para adquirir esse equilíbrio no meu cotidiano. Primeiro eu tive que me trabalhar.
Esqueça o que você vê e concentre-se no que você percebe. O que você percebe nas pessoas, no olhar delas, nos gestos e nas atitudes? A ausência de expressão emocional nem sempre significa ausência de sentimentos. Os noruegueses também choram. Choram de dor, de amor, de frustração, de tristeza, de medo, de felicidade, assim como eu, você e o resto do mundo.
Isso ficou bastante nítido pra mim no ano de 2011, quando eu estava presente, em Oslo, no dia do ataque terrorista que levou a vida de dezenas de jovens, filhos, irmãos, meninos e meninas. E vou compartilhar com vocês, na segunda parte desse texto, o que eu percebi dessa cultura que, apesar de não ser a minha, me trouxe grandes ensinamentos e muitas lições de vida.
11 Comments
É bem verdade que muitos brasileiros se espantam com o estilo nórdico de ser. Também já ouvi reclamações a respeito da frieza dinamarquesa, que aprendi a enxergar como um distanciamento reflexivo. Acho que os brasileiros são um tanto precipitados na hora de chamar os outros de amigos – a gente tem essa mania de chamar de ‘amigo’ a pessoa que acabamos de conhecer – e por essas bandas a coisa é mais profunda no tocante a relacionamentos. No Brasil a gente se precipita muito com as relações. Ficar muito próximo de alguém, junto o tempo todo, é prejudicial pra relação, penso eu, e isso em qualquer tipo de relacionamento. Tem muita hipocrisia nas relações no Brasil. Aquele gesto típico de dizer ‘vamos marcar’, ‘eu te ligo’ e outros rapapés de polidez hipócrita funcionam bem pra nossa sociedade e são vistos como um jeito educado de agir, mas na Escandinávia o pessoal é franco e dispensa esses frufrus. O brasileiro não entende que quando um escandinavo diz que não dá para ser amigo de alguém porque ele já tem amigos suficientes, ele está, na verdade, sendo o mais honesto possível, porque pra ele a amizade significa doar tempo e se dedicar aos amigos e realmente não dá para fazer isso com 100 pessoas no mesmo nível. Brasileiros adicionam desconhecidos no Facebook sem ao menos se preocupar em escrever uma mensagem introdutória. Eu acho isso rude. Por aqui, a maioria das pessoas só adiciona no Facebook se tiver contato com a pessoa, se a conhece pessoalmente. Por outro lado tem a questão da chamada frieza nórdica/escandinava, que vejo na verdade como um respeito pelo outro. No Brasil as pessoas tendem às vezes a ser invasivas nas relações. Esse, aliás, é um comportamento comum a muitas nações cujos povos são considerados calorosos, como os espanhóis e italianos, por exemplo. Enfim, podem até me chamar de estranha mas prefiro muito mais o jeito escandinavo de ser, sem muito fricote, sem mil “amigos” no Facebook, sem exaltações emocionais mas com profundidade e significado nas relações pessoais.
Obrigada pelo texto!
Querida Cristiane, muito obrigada pelo seu comentário! O seu testemunho enriquece ainda mais a idéia do texto. É importante olhar outras culturas por outra perspectiva além daquela que a nossa cultura nos oferece, pois assim compreendemos melhor toda a lógica que há por trás dela. Eu adquiri muito do comportamento norueguês que considerei benéfico para meu crescimento pessoal, em especial as vantagens de ser mais direta e franca com as pessoas (e comigo mesma), cultivar relações de qualidade (isso é muito importante) sabendo que cada um de nós precisamos de tempo e espaço para ser e agir dentro de uma relação, seja a do casamento, amizades ou no trabalho…Enfim, são muitos pontos positivos e a lista continua. Mais uma vez muito obrigada!:-D Um beijo grande!
Oi, Wendy,
gostei muito de ler seu testemunho e texto anterior sobre a perda e a recuperação da identidade. De fato, é um aprendizado, abrir os olhos – e o coração – e perceber que há muitas maneiras de ser e existir no mundo. Para mim, esse é o ensinamento mais valioso de morar no exterior.
Sem dúvida, há preferências e gostos pessoais, mas não uma forma de ser melhor do que outra. E, no final, aprendemos que há gente de todo tipo – boa, ruim, calorosa, fria, gentil, rude – em qualquer lugar, de qualquer nacionalidade.
No meu caso, eu sempre fui introspectiva, de modo que não encontrei problemas com o jeito mais reservado e silencioso dos alemães. Contudo, por esse mesmo motivo, sinto falta de um calor e de uma espontaneidade que venham de fora. Ser estrangeira é um trabalho de reencontrar/reforjar nosso lugar no mundo… 🙂
Olá Catia, que lindo testemunho! Muito obrigada pelo seu comentário, ele apenas enriquece ainda mais as idéias que tentamos passar com essa comunidade linda que é o BPM! 🙂 E eu acredito que a soma de nossas experiências, bem trabalhadas, nos torna mais conscientes e com um olhar mais aberto para outras pessoas e para o mundo. Um grande abraço!
Não paro de refletir no que acabei de ler. Obrigada por compartilhar sua perspectiva sobre um povo tão diferente do nosso. Tenho procurado informações e opiniões sobre essa “”””frieza””” presente em muitos europeus. É bom saber que há pessoas com a cabeça não só aberta, mas com o coração aberto para mudar ao longo dos anos.
Parabéns pelas palavras sinceras, lindas e intrigantes!!!
Olá Thamires! Eu me sinto emocionada em ler todas as respostas positivas sobre esse texto e por saber que muitas pessoas possuem a sensibilidade de entender a perspectiva do outro. Gostaria que os meus amigos noruegueses pudessem também ler esse artigo, pois eles me inspiraram a compartilhar esse meu olhar sobre eles. Em qualquer lugar do mundo que você esteja, você encontra e conhece pessoas e nenhuma é igual a outra. E mais importante que o relacionamento que temos com essas pessoas é o relacionamento que temos com nós mesmos, pois a relação que temos com nós mesmos reflete em como nos relacionamos com o outro. <3 Muito obrigada pelas suas palavras! Um abraço grande!
Desde que eu decidi mudar esse país pra viver na Noruega (no final do ano) eu esto lendo muito sobre a cultura, os costumes, a economia e atualidades. Encontrei este site no Facebook,Eu acho os artigos muito útil para a nossa comunidade de brasileiros. Eu gosto de ouvir opinião que cada um de nós faz sobre o mesmo assunto.
Obrigada Wendy por este artigo.
Gostaria de perguntar se você pode fazer um artigo (ou responder por e-mail / ou aqui no blog) sobre a possibilidade de nós brasileiros (Possuo a cidadania italiana) para fazer curso / escola de língua norueguesa na universidade / escola ai (Oslo).
PS: Desculpe a minha escrita, é um longo tempo que eu não escrevo em Português.
Muito obrigada.
Fernanda
Olá Fernanda! Sou eu que agradeço pelo seu comentário e seu positivo feedback!:-) Muito obrigada também pela sugestão! Eu já estou preparando um texto e fazendo pesquisas que preciso para abordar essa pauta, pois recebo frequentemente emails solicitando informações sobre vistos de trabalho e estudo. Então eu considero importante atualizar essas informações para vocês! 🙂 Você está morando no Brasil nesse momento? Abracos!
Oi Wendy, tudo bem ? Gostaria de te perguntar uma coisa não relacionada ao post …. quais lugares você sugeriria pra passar a lua de mel na Noruega ?? Abs 🙂
Hei Isabela, Tudo bem? Obrigada pela pergunta! No inicio desse ano eu recebi uma mensagem de uma querida leitora que me fez essa mesma pergunta. 🙂 Eu enviei um email para ela que inspirou o texto “Vem chegando o verão” Que foi publicado no mês passado, em junho. Você já deu uma olhadinha? No texto há links e videos grifados, clique neles pra abrir uma nova janela com as informações e imagens! 🙂 E se eu fosse escolher uma cidade em especial para passar a Lua de mel por aqui, eu escolheria Bergen ou Stavanger – Fantásticas! Um abraço!
https://brasileiraspelomundo.com/noruega-vem-chegando-o-verao-021633919
Oi. Meu namorado é Norueguês. Primeira coisa que ele questionou q eu falava muito alto. As vezes nos estranhamos aí observo que não passa das diferenças cultutais. Grata pelo texto.