Quando vim para Copenhague, me mudei para o diminuto e centenário apartamento do meu marido, e não havia semana na qual eu não protagonizasse dramas à la Scarlet O’Hara, jurando que nunca mais passaria perrengue nessa vida, tirando as farpas de madeira do chão “rústico” do meu pé, derrubando a porta do minibox de banho instalado precariamente no quarto ou me debatendo para subir as estreitas escadas enquanto carregava as compras da semana ou uma sacola da Ikea cheia de roupas da lavanderia.
Não houve dia em que eu não procurasse apartamento nos classificados, mas aos poucos percebi que, com todos os problemas e com nenhum espaço, nosso apartamento ainda era um achado na cara e inacessível Copenhague. Os anos passaram e hoje, enquanto encaixoto a mudança para o apartamento que acabamos de comprar, olho para este antigo apartamento com pré-saudades de tudo de bom que vivemos aqui e que fez desse lugar o nosso lar; então nada mais adequado do que dedicar o post deste mês a ajudar quem ainda está buscando um cantinho para chamar de seu aqui por Copenhague.
O primeiro passo para quem procura moradia em Copenhague é saber o que esperar, pois sim, todos nós criamos expectativas ao irmos morar em outro lugar, e também trazemos certos padrões de comportamento e pensamento na bagagem, muitos deles, inconscientes.
Se no Brasil a classe média está acostumada a ter um banheiro para o casal e outro para as crianças, e ambos de tamanho compatível com a instalação de um heliporto, aqui em Copenhague não é nem um pouco incomum que nos prédios em bairros mais centrais haja apenas vaso sanitário e uma pia no apartamento, ou um chuveiro instalado em conjunto com a pia, fazendo você treinar suas habilidades de contorcionista ao praticamente tomar banho em cima do vaso. Ainda, em alguns casos, existem chuveiros coletivos no porão dos prédios, coisa que no Brasil a gente só costuma ver em escolas, albergues ou campings. Já os poucos abençoados que possuem um banheiro de verdade acostumaram-se com mais uma novidade: a máquina de lavar entulhada no banheiro, já que área de serviço aqui é exclusividade de quem mora em amplas casas no interior.
Também é mais fácil encontrar a Rainha Margrethe na rua do que um prédio com elevador nos bairros centrais de Copenhague; e garagem, então, só para bicicletas. Estar preparada(o), sabendo que isso é o que Copenhague oferece vai lhe poupar uma série de frustrações – e digo isso baseada na minha experiência de quem passou anos ruminando o fato de que, se eu engordasse mais um grama, não entraria em meu próprio banheiro.
Copenhague é uma cidade muito cara e isto se reflete nos preços dos aluguéis. Um apartamento quarto e sala aqui custa aproximadamente de 4 a 5 mil reais por mês, e se você está pensando em alugar apenas um quarto de alguém, é difícil encontrar opções por menos de 2 mil reais. Nessa faixa de preço, era de se esperar que o proprietário ou agente imobiliário fosse lhe servir champanhe e fazer uma massagem nos pés, grato pelo influxo de dinheiro que você proporcionaria, mas a disputa por moradia é tão intensa que apartamentos são anunciados e alugados em menos de 5 minutos, o que faz com que muitos profissionais da área tratem potenciais clientes com descaso e não se preocupem em fornecer informações precisas. Existe um gigante déficit habitacional aqui, pois o município de Copenhague recebe cerca de mil novos moradores por mês, e mesmo os dinamarqueses têm grandes dificuldades em encontrar moradia. Assim, é importante se programar para chegar BEM antes a uma visita de apartamento, pois é possível e provável que existam outros interessados, e muitas vezes o primeiro a chegar é quem leva as chaves.
Além disso, a grande maioria dos proprietários requer um depósito de 3 meses de aluguel para cobrir possíveis despesas, e pouquíssimos lugares aceitam animais, lembrando que a quebra de cláusulas contratuais como esta dão o direito ao proprietário de expulsá-la(o) do apartamento e, em muitos casos, de reter para si o valor do depósito.
Também é importante saber onde procurar um futuro lar por essas bandas, o que sempre é difícil quando não se conhece a cidade. Copenhague é, na verdade, uma cidade média para os padrões brasileiros, e não tão grande e esparramada como as metrópoles com as quais nos acostumamos. Seus bairros mais famosos – Østerbro, Indre By, Vesterbro, Christianshavn e Nørrebro – são tão desejados quanto inacessíveis financeiramente, e mesmo os bairros mais periféricos como Amager e Nordvest são locais muito procurados, especialmente por estudantes, contando com uma longa lista de espera.
Contudo, existem muitas cidades-subúrbio que oferecem moradias a preços melhores e ainda possuem boa conexão com o centro. Rødovre, Hvidovre, Glostrup e Høje Taastrup são nomes de cidades a incluir na sua busca, assim como Lyngby, Nærum e Hillerød, que ficam a no máximo 50 minutos do centro de Copenhague utilizando transporte público. Outra dica importante é fazer uso de toda a sua rede de contatos: não tenha medo de perguntar aos colegas de trabalho, de academia e de escola de idiomas se eles conhecem alguém que esteja alugando apartamento, e se prepare para mandar diversas cartas de apresentação contando quem você é e quais são seus hábitos.
Além disso, reflita sobre a diferença entre o que você quer e o que você precisa em termos de moradia. Pode parecer bobagem, mas por vezes nos prendemos a certas ideias ou fazemos analogias com a nossa vida no Brasil, e com um padrão muito diferente daquele no qual vivem os dinamarqueses de Copenhague. Aqui não é nada anormal um jovem casal de classe média, com filhos pequenos, morar em um quarto e sala, com as crianças dormindo em um sofá-cama no canto, e não em um quarto decorado com bichinhos de pelúcia e móbiles de personagens Disney – aliás, a maioria dos copenhaguenses de meia-idade cresceu assim, sem ter seu próprio quarto até sair de casa. Também é comum não ter tanque ou espaço para a máquina de lavar roupa, e sim utilizar lavanderias coletivas no porão, para depois pendurar a roupa para secar no quarto ou na sala; aqui, nenhuma visita se escandalizará se vir suas calcinhas no varal portátil. Talvez isso esteja longe do seu ideal, mas milhões de pessoas vivem felizes aqui desta maneira, e tentar uma vida mais compacta e com menos exigências facilitará muito a sua busca por um lar.
Finalmente, vale uma advertência: como o déficit habitacional é abismal, muitas pessoas são vítimas de golpes e até mesmo de violência. Uma amiga dinamarquesa alugou um apartamento e, enquanto arrumava os móveis na casa nova, ouviu o barulho da fechadura e deu de cara com outro “inquilino”; ou seja, o golpista fez várias cópias da chave e alugou o mesmo apartamento para diversas pessoas. Entre meus amigos, raros são aqueles que não se depararam com um anúncio falso, e alguns, após conseguir apartamento, sofreram ameaças constantes dos proprietários por terem questionado o valor absurdo do aluguel nos órgãos competentes. No pior dos casos, mais de uma vez meus amigos que alugavam quartos simplesmente foram jogados para fora do apartamento com todas as suas coisas, sem ter para onde ir, porque o proprietário recebeu uma proposta mais vantajosa e eles não tinham um contrato formal. Também ouvi falar de um estrangeiro que foi acusado injustamente de furto pelo proprietário, que queria apenas se livrar do inquilino para alugar o apartamento a um valor maior para outra pessoa interessada. Assim, é importante ter cuidado redobrado ao buscar um apartamento na cidade, além de uma dose cavalar de paciência, mas espero que estas dicas ajudem vocês a encontrar um novo lar e um novo começo em Copenhague.
De minha parte, sigo encaixotando memórias e momentos, enquanto me preparo para construir tantos outros, agora em novo endereço.
10 Comments
Meu Deus! Que desafio morar em apartamentos tão pequenos assim!!! E com respeito aos carros, Camila, a alternativa é alugar garagem ou pode dormir na rua? Parabéns por mais um ótimo texto!!! Leio todos e repasso! Rs Beijos
Oi Priscila, tudo bem? É realmente desafiador, mas a gente acaba se acostumando 🙂
Quanto aos carros, a maioria do pessoal de Copenhague usa bicicleta ou transporte público, mas quem tem carro acaba estacionando na rua mesmo, pois costuma ser bem seguro.
Fiquei muito feliz com o seu comentário! Beijos!
Ah sim!!! Pensei nisso mesmo. Apesar da segurança nas ruas, existem estacionamentos/garagens pagos que alguns preferem deixar ou isso non ecziste?
Sempre um prazer ler os seus textos!!! Se possível poste mais!!! Rsrs
Melhor frase das melhores (vc falando da moda): “equivalente em estilo de uma cruza entre Frida Kahlo e Tiririca”. Kkkkkkkkk
Beijos do Brasil quentinho!
Oi Priscila 🙂 Eu adoro ler seus comentários e saber que você acompanha os textos aqui.
Bem, a esmagadora maioria das pessoas deixa os carros nas ruas, e é super seguro. O máximo que pode acontecer (e ME aconteceu) é uma bicicleta ou um carro arrancarem o seu espelho ao passarem. Existem estacionamentos pagos, especialmente no centro, mas são bem caros.
Rsrsrsrsrs….sim, meu estilo é bem esse, ou também Vovó Mafalda encontra Carmen Miranda. Beijos
OBS: eu acho que estou comentando pela 3ª vez mas tudo bem….
Olá! Eu leio todos e leio mais de uma vez! O texto sobre a moda é a explosão de cores foi muito engraçado!!!!
Moça do céu! E aí?! A pessoa se deu conta e voltou ou você ficou no prejuízo? Obrigada por sanar minha dúvida!
Mas quando você sai na rua assim, as pessoas olham muito ou como Copenhague tem muita gente de todo jeito é do mundo todo é normal?
Outra dúvida que me veio aqui é o seguinte: salões de beleza aí fazem sucesso ou a maioria se cuida em casa mesmo? Pelo que sei e vejo os homens são mais vaidosos do que as mulheres.
Oi Priscila! Eu adoro os seus comentários, e fico super feliz em responder as suas dúvidas 🙂
Bem, no caso do meu carro, ninguém “se acusou” por assim dizer, então ficamos no prejuízo, mas não foi nada grave.
Aqui em Copenhague ninguém repara em como você se veste “em público”, por assim dizer, então ninguém vai ficar olhando, mas em ocasiões sociais, festas, encontros e amigos e no trabalho, as pessoas me olham um pouco intrigadas: nada desagradável ou rude, mas dá pra perceber que elas acham um pouco esquisito 🙂
Sobre a vaidade, acho que você tem razão. Aqui, em regra (e claro que existem excecões) as mulheres não dedicam muito tempo para a beleza. Não são muitas as que fazem as unhas, os cortes de cabelo costumam ser caros e simples (eu já paguei 600 coroas pra cortar apenas as pontas do meu cabelo), e elas costumam usar pouca maquiagem e poucos produtos de beleza ou para o cabelo (e a maioria desconhece escova progressiva e outros tratamentos). Nem preciso dizer que se depilar aqui também é algo meio exótico, e ainda bem que existem brasileiras trabalhando por aqui, porque uma vez fui me depilar com uma dinamarquesa e saí traumatizada 🙂
Contudo, eu vejo essa “falta de vaidade” das mulheres como um sinal de auto-estima e seguranca: elas gostam de si mesmas do jeito que são, e não há pressão social para você gastar uma fortuna em cremes rejuvenecedores, anti-celulite, etc. Por outro lado , vejo que algumas delas poderiam se sentir mais bonitas ou mais especiais com tratamentos simples de beleza, como lixar a sola do pé e cortar as unhas 🙂 As meninas mais novas são um pouco mais antenadas, mas costumam focar em maquiagem, pois os salões de beleza aqui não oferecem os mesmos tratamentos que no Brasil.
Muito da minha rotina mudou aqui: se antes eu fazia minha unha no salão a cada 15 dias, cortava o cabelo a cada seis semanas, aproveitava pra fazer um tratamento, um peeling, uma limpeza de pele e uma massagem, seguindo pra depilar virilha e fazer a sombrancelha, hoje eu fico semanas sem fazer as unhas, e quando vou fazer, é em casa. Também aprendi a fazer máscaras caseiras pra cuidar do cabelo, que eu corto ou em casa, eu mesma (as pontas), ou quando viajo. Só não abro mão da depilacão, mas quase todo o resto aprendi a fazer eu mesma 🙂
Beijos
Muito bom texto. Excelente visão da realidade. Obrigada por esclarecer tão bem. Simone
Obrigada pelo seu comentário, Simone! Espero que você continue acompanhando nossos textos por aqui 🙂 Beijos
Oiii!!!
Quantas situações! Ainda bem que tem o blog mas seria legal você contar sua vida do lado “DK” num livro! Hahah
Sobre a beleza:
– Elas costumam ser lindas por natureza mas uns cuidadinhos são fundamentais sim, né?! (Um obrigada ao nosso país que nos ensina a vaidade desde sempre kkk) Mas também que bom isso da segurança e aceitação. Porém, tem o outro lado da moeda: e os maridos como costumam reagir? Pra eles é OK ou eles comentam algo como “a minha esposa poderia ser um pouco mais vaidosa”?
– 600 Kr? Uauuuu!!! Que facada!!!!
– Trauma pós depilação dinamarquesa… kkkkk
– Que bom que é muito profissionais brasileiros por aí! Outra dúvida: já que aí é uma outra realidade, o que uma pessoa poderia investir aí que seria promissor, na sua opinião?! Pensei em algo como amolador de alicate. Alguém usa alicate ?
Oi Priscila!
Então….acho que isso depende de marido pra marido…rsrsrs….a maioria dos homens dinamarqueses cresceu com este paradigma, então eles acham normal. Claro, há alguns que preferem mulheres que se cuidam mais, mas as mulheres aqui “vestem as calças”, como a gente diz, e são relações bem diferentes do que estamos acostumados 🙂 Posso te dizer que meu sogro dinamarquês, que é casado com uma brasileira e hoje mora no Brasil, admira muito essa questão do cuidado que a mulher brasileira tem consigo mesma.
Sobre negócios promissores, vejo que negócios que facilitem a vida atribulada dos dinamarqueses seriam promissores: há pouquíssimos serviços com entregas, como lavanderia, ou mesmo manicures a domicílio. Talvez um serviço de sapataria com busca e entrega, sabe? Bem, eu trouxe meus alicates de unha do Brasil, mas nem sei aonde ir para amolar 🙁
Beijos e obrigada por comentar 🙂