Dicas para as longas noites de inverno na Inglaterra.
Deixamos o ensolarado México e nos mudamos para Londres em janeiro, no auge do inverno europeu, com seus dias curtos e noites longas. E foi o escuro que mais me chamou a atenção quando vim procurar casa e escola para os meus filhos, dois meses antes, pois ainda estávamos no outono e o sol nos deixava antes das quatro da tarde para iluminar outros cantos. Então, me dei conta de que seriam pelo menos quatro meses do ano assim.
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Pouco sol, depressão e vitamina D
A fama que Londres tem de ser uma cidade cinzenta não é à toa. Nos meses de dezembro e janeiro, há menos de duas horas de sol por dia, em média. Em novembro e fevereiro, menos de três. Em outubro e março, ainda não chega a quatro. E lá se foi metade do ano. Além disso, o outono e o inverno são as estações mais chuvosas do ano. É comum dias seguidos com aquela chuvinha fina, sem parar, que não dá chances para o sol aparecer.
Por isso, quem já morou ou até visitou países no período de inverno prolongado e com pouco sol, percebe o clima melancólico nas ruas e no rosto das pessoas. É a “depressão sazonal”, característica de países como o norte da Europa, que assusta e merece cuidados de quem mora aqui. Um deles, por exemplo, é a suplementação diária de vitamina D, que toda a família recebe a orientação para tomar, pois a exposição ao sol é a principal fonte de produção deste nutriente tão importante para nosso corpo. A carência de vitamina D pode gerar problemas nos ossos (como osteoporose), cardiológicos, e está associada a diversos tipos de câncer e à depressão.
Um conselho precioso
Mais que o frio e a chuva, minha maior preocupação com o inverno, em Londres, era, justamente, a ausência de sol por tanto tempo. Dividi minha apreensão com uma amiga irlandesa e ela me deu um conselho que serviu como um mantra para minha primeira temporada de inverno, aqui.
“As noites longas nos fazem dormir melhor, ler mais e curtir a família. Acenda velas pela casa, ou a lareira (se você tiver uma), tome banhos de banheira e aproveite o aconchego da casa aquecida”, foi o que ela me disse, com a emoção de quem estava longe de casa. E concluiu fazendo uma analogia à hibernação dos animais: “Quando chegar o verão com seus dias longos, a vida fora de casa será intensa e você vai precisar da energia que acumulou durante o inverno. As crianças brincarão eufóricas até tarde da noite e vocês vão acordar mais cedo, pois às quatro da manhã o sol já vai nascer. Então, aproveite as longas noites do inverno para descansar”.
Uau. Fiquei encantada diante da lição preciosa que recebi e me senti privilegiada pela oportunidade de encarar o desconhecido sob uma nova perspectiva, livre de pré-conceitos ou julgamentos negativos.
Noites longas, sopas e chaleiras elétricas
De coração aberto para essa nova filosofia de vida, decidimos investir na nossa casa, que seria o refúgio para quando chegássemos da rua, correndo do frio. Apesar de velha, como a maioria das casas em Londres, com um pouco de decoração e jardinagem a deixaríamos mais aconchegante.
Para começar, priorizamos a localização e escolhemos uma casa bem perto da escola, assim o percurso diário no escuro e no frio seria rápido. E foi uma escolha super acertada. Sair da escola no escuro já não é legal. Com frio, então, é cruel, mesmo com todos os apetrechos necessários: casacos impermeáveis, cachecol, gorro, luvas e roupa térmica embaixo do uniforme.
O nosso jantar, que aqui é a principal refeição do dia, ganhou uma nova versão. O escuro desde o meio da tarde faz com que a rotina de lição de casa, leitura e banho seja feita mais cedo, então sobrava tempo para um jantar tranquilo e cheio de conversa. As crianças passaram a perceber e adorar a sensação do corpo se aquecendo com a comida e viraram fãs de sopa, acompanhada do pão, que saía direto do forno para completar o ritual.
O pão quentinho, para elas, tinha o mesmo papel que uma taça de vinho para mim: aquele acompanhamento que acalenta a alma no fim do dia frio de inverno. Ou o chá, que passei a tomar várias vezes ao dia, com a facilidade da chaleira elétrica, que me dei de presente logo no meu primeiro mês, aqui. Aprendi com a vizinha, que apareceu um dia para perguntar se eu tinha água, pois ela estava sem. Conferi para ter certeza que sim e ofereci ajuda, pensando na minha maior necessidade: um banho. É óbvio que a vizinha inglesa, toda formal, nunca tomaria banho na minha casa! Ela agradeceu e falou “Muito obrigada, eu só quero mesmo encher a minha chaleira”, e voltou com seu item de primeiríssima necessidade na mão. Mais inglesa, impossível: fica sem banho, mas não fica sem chá!
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Programação fora e dentro de casa
Como disse uma amiga que também mora em Londres, “não dá para ficar debaixo das cobertas tomando chocolate quente o dia todo”. Mesmo com frio, escuro e chuva, as pessoas mantêm a rotina fora de casa. É claro que priorizamos a programação em locais fechados, e ficar um domingo inteiro em casa não gera culpa alguma.
Então, seguindo os conselhos da minha amiga irlandesa, passávamos várias tardes do fim de semana em casa, vendo filmes e comendo pipoca, jogando xadrez e outros jogos de mesa. Deixei algumas mantas perto dos sofás e também material de desenho e artes na sala, para que a televisão não fosse a opção mais fácil para as crianças. Porém, sempre escolhíamos um dia do fim de semana para passear. Museus, cinemas e teatros são excelentes opções, mas também arriscávamos alguns passeios mais ousados para o frio, como ir a um festival de luzes de inverno no outro lado da cidade, sempre no escuro.
Outra mudança foi em relação ao esporte. Eu adoro correr na rua, mas não consegui encarar o frio e o escuro matinal que os londrinos ignoram. Troquei as ruas pela academia, nos meses de inverno, mas eles estavam lá, com suas roupas fluorescentes para o escuro e uma proteção térmica na pele que eu, definitivamente, ainda não tenho!
Lições do primeiro inverno escuro em Londres
Não quero parecer “Pollyanna” e ser excessivamente otimista com algo que realmente incomoda. O inverno é duro, escuro e longo. Mas, já que agora faz parte das nossas vidas, fica mais leve passar por ele com o olhar que ganhei, cheio de sabedoria irlandesa.
O resultado de tanto tempo no escuro é que eu dormia bem mais de oito horas por dia com um sono pesado, voltei a ter um ritmo de leitura que não tinha há anos, a qualidade do tempo em família mudou de patamar e as crianças ficaram até mais artísticas. Aproveitamos cada minuto que o sol nos dava o ar da graça! Nos encapotávamos com todo o kit de frio e saíamos para os parques imediatamente. Assim, passamos nosso primeiro inverno: sem traumas, colecionando sensações e lembranças deliciosas.
Agora, já vi a primavera florescer lindamente, curti os dias longos e intensos de verão e já é outono, de novo. Caminhamos com o barulho dos passos sob as folhas secas do chão, o sol já se enfraqueceu e logo vamos deixar o aquecedor da casa ligado o tempo todo… e estaremos mais fortes para o nosso próximo inverno!
10 Comments
Paula
Como sempre o seu artigo está ótimo
E daqui do Brasil imagino este frio do inverno londrino
Que bom saber que vcs estão bem adaptados e ver que também tem ótimas soluções
O aconchego familiar é cheio de alegrias e um suporte nestes dias gelados
Envio um abraço quente e saudoso
Acompanho daqui sua vida com a família ❤️
Abraço recebido com muito amor! ❤️
Paulinha, sua fofa! Adorei passar esse inverno com vc, viajando nas suas experiências. “Fazer de cada tropeço um passo de dança”, no caso, nem de longe um tropeço mas uma experiência vivenciada com amor.
Que lindo! Adorei fazer você viajar comigo ❤️
Amei seu texto Paula! Está escrevendo muito bem!bj
Amei seu texto Paula! Está escrevendo muito bem!bj
Obrigada tia, fico feliz que tenha gostado ????
Delicioso der se ler …
Adorei a estória desta família urso. Que venha o próximo inverno. Enquanto isso aproveitem os dias de sol que aquecem o coração. Achei o máximo a forma como vocês se adaptam, de um limão, fazem uma limonada ❤️! Com um toque de Pollyana rsrs…
Beijos cheios de amor e saudade
Adorei ser a Família Urso ❤️ Se a gente não faz uma limonada, vai ser sempre limão e perde a oportunidade de conhecer um lado mais gostoso, não é? Olha s Pollyana aí de novo!
Apesar do frio londrino ser um pouco mais rigoroso do que o da costa leste americana onde vivo eu consegui vivenciar esse se dia a dia do inverno. É uma experiência sem comparações para os que vivem nas terras tupiniquins. Mas é isso que a Nanda disse acima, o mais importante é curtir o inverno com inovações, muitos jogos e aproximação da família. Ta aí a receita de uma gostosa limonada!