Do México para Londres: uma mudança desejada, mas difícil.
Depois de dois anos na Cidade do México, fomos transferidos para a cidade que eu sonhava em morar: Londres! Mas me deu um frio na barriga vir morar na Europa com marido e três filhos, pois eu sabia que a nossa vida seria muito mais dura. A mordomia de ter ajuda em casa acabaria; e as amizades, feitas de maneira tão fácil em um país latino, não aconteceriam do mesmo jeito, em Londres.
E foram tantos sentimentos misturados que demorei sete meses para escrever o meu primeiro artigo sobre a mudança, pois eu precisava digerir tudo o que estava acontecendo. Afinal, aquele meu sonho de morar aqui estava sendo uma experiência extremamente difícil.
“Quando um homem se cansa de Londres, ele está cansado da vida; porque há em Londres tudo que a vida pode trazer.” (Samuel Johnson)
Há dez anos, passei férias em Londres e saí falando que adoraria morar aqui, um dia, com uma visão da cidade de quem ainda não tem filhos. Como diz a minha mãe, “Cuidado com o que você deseja!” Eu sou 100% da área de humanas: me formei em Comunicação, trabalho com línguas e adoro arte, literatura e história. Não sei se existe uma cidade que ofereça mais isso do que Londres (Samuel Johnson parecia concordar comigo) e as pessoas que me conhecem falam que Londres é a minha cara. E é mesmo.
Amo a diversidade cultural que há, aqui, os tantos idiomas que escutamos nas ruas e a programação cultural com tudo o que sempre sonhei perto de mim. Agora, uma pausa sobre as maravilhas da cidade para a vida real: a chegada da minha família em um país frio como a Inglaterra, em todos os sentidos.
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Dificuldades com a casa londrina
Para começar, eu moro numa casa bem londrina – charmosa, mas velha (como a maioria das residências na cidade) – e não entendia nada sobre o seu funcionamento. Sempre morei em apartamento e tinha porteiro, zelador e até equipe de manutenção a postos se a água quente terminasse ou o alarme de incêndio disparasse. Aqui, num país onde a maioria das pessoas mora em casa e carrega a cultura do “faça você mesmo”, todo mundo sabe se virar, nesses casos. Eu era a estranha no ninho. E logo na nossa primeira noite, em pleno inverno, o aquecedor pifou, deixando a casa e a água geladas. Mãos à obra! Manual é para isso, não é?
Foram inúmeras as manhãs que eu perdi resolvendo algo novo que a casa velha nos trazia de surpresa. E ainda tive que aguentar ironias do proprietário e de técnicos de equipamentos no melhor estilo do humor negro britânico, de que eu era a incompetente em não saber resolver os pepinos da casa. Agora, além de bem mais descolada, mesmo em pouco tempo, também já estou mais forte para aguentar e rebater os “experts”, com conhecimento de causa.
O trabalho doméstico
A outra grande diferença no estilo de vida aqui é a responsabilidade do trabalho doméstico, pois qualquer mão de obra é muito cara e é um luxo ter alguém para te ajudar em casa. As diaristas (cleaners) ganham em torno de 10 a 12 pounds por hora. Faça as contas e você vai querer se candidatar ao cargo. Nós temos uma pessoa que nos ajuda algumas vezes na semana e faz o trabalho mais pesado de limpeza e lavanderia. Passar a roupa é outro luxo, aqui: só é justificável para aqueles que trabalham com terno e camisas. E a gente se acostuma até a dormir com a roupa de cama amassada.
O resultado é que envolvemos as crianças em pequenas ajudas, como arrumar as próprias camas e retirar a mesa. Mas eu sou a responsável, entre outras coisas, pelo maior desafio diário na rotina da família: o jantar! Eu adoro cozinhar, mas era cozinheira de fim de semana: fazia um risotinho aqui, uma massa ali, uma salada, um bolo para as crianças na sexta-feira. Ter a obrigação de pensar e executar um cardápio saudável e completo para a família, todos os dias, é outra história.
E o pior é que a culinária brasileira – que meus filhos amam e pedem sempre – tem o costume de oferecer vários pratos, em várias panelas: arroz, feijão, bife, um purê ou uma farofa, uma saladinha e por aí vai. Só penso nos pratos únicos e simples, como um ratatouille ou um suflê de legumes e pronto. Nutritivos e receitas de uma panela só. Mas estou tentando fazer deste limão uma limonada e já fiz até curso com uma chef, que veio em casa me ensinar receitas mais fáceis e personalizadas.
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Os amigos
Esta talvez seja a diferença de maior impacto emocional na nossa mudança. No México, tínhamos uma programação intensa com os amigos, com churrasco, festinhas de crianças, jantar cada dia na casa de um, encontros no clube e viagens em turma. Animado e cheio de calor humano, no nosso melhor jeito latino de ser. Em Londres, somos só nós cinco o tempo todo. Não tem mais um prédio cheio de vizinhos e amigos que enchem o fim de semana de programas. De vez em quando tem uma festinha infantil, onde os pais mal se conhecem, pois deixam as crianças e vão buscá-las depois.
No dia em que o nosso cachorro morreu, apareci para buscar as crianças na escola com os olhos inchados de tanto chorar. Fiquei sem graça e quis justificar o inchaço para uma mãe que tenho proximidade (que é diferente de amizade). Ela me olhou e me deu um sorriso amarelo. E ela não foi mal-educada! O sorriso estranho foi a forma que ela encontrou de mostrar empatia, mas não querendo se envolver, no seu jeito europeu de ser. No Brasil ou no México, eu seria ouvida, ganharia um abraço apertado e a mãe até choraria comigo! Enfim, são as diferenças culturais que tem a sua beleza e tantos aprendizados para cada um de nós.
Um balanço da mudança
A parte mais positiva do cenário que contei, num texto que foi quase um desabafo, é a vida em família. Está sendo maravilhoso passar as noites e os fins de semana só entre nós. As conversas estão mais profundas, as brincadeiras mais demoradas, temos mais tempo e oportunidades para educarmos as crianças e estamos criando uma conexão tão forte como família que lá na frente será, acredito, o que mais ficará na memória sobre a nossa estadia na Europa.
As crianças amam os meus jantares e falam para os outros com orgulho sobre algo novo que eu fiz ou que já me consideram expert. Eu já ouvi “a minha mãe faz o melhor feijão do mundo”, o que é um baita elogio na terra da feijoada. Talvez seja porque o esforço para amenizar as dificuldades de adaptação fale mais alto do que a preguiça em cozinhar todos os dias.
E a programação cultural? Eu me encanto a cada peça de teatro que temos a oportunidade de levá-los. Já vimos, emocionados, algumas adaptações de livros famosos que os acompanham desde bem pequenos. Eu e meu marido, que somos fãs de museus, já temos 3 pequenos companheiros que nos pedem para visitá-los, dizendo: “Faz tempo que não vamos!” Então, concluo que posso deixar de lado, por um tempo, a minha saudade do calor latino e me jogar no que de melhor a vida em Londres tem para nos oferecer!
14 Comments
Maravilhoso!
Muito orgulho dessa mamãe tão dedicada que é!
Amo vcs e amei curtir de perto um pouco da vida Londrina!
Bjos, Pitu!
Gostei muito do seu jeito leve e honesto de falar da sua vinda pra Londres . Moro em Londres há 10 anos e passei igualzinho pelo mesmo processo de adaptação. Amo esse lugar de coração, eu e minha família fomos muito bem recebidos aqui e considero Londres minha segunda casa. Boa sorte a você e a sua família .
Obrigada Katia, muito bom ouvir relatos positivos sobre a vida em Londres como o seu!
❤️
Oi Ana!
Morava em Bh tbm e estou no Grupo BradUks. Por isso li seu artigo.
Adorei!!!! Esse texto representa a mim e tenho certeza que muitas outras mulheres.
Parabens e obrigada por compartilhar a sua historia.
Bj
Patricia
Nossa história, Patricia!
Parabéns Paula ????vc fez um relato que emociona pela sua coragem
Temos muita admiração por vc e ficamos orgulhosos desta neta querida nosso abraço com muito amor
❤️
Belo relato! Vc sabe fazer um texto claro e preciso sobre qualquer assunto! Apesar de também ser um expatriado mas morando nos EUA, senti exatamente o que vc escreveu. É uma experiência magnífica (morar fora) que todos deveriam passar por essa experiência em vez de ficarem confirmados onde nasceram. É uma experiência fantástica além do amadurecimento que isso nos traz e principalmente para os nossos filhos. A diversidade dos costumes, da língua e a visão por outro ângulo da vida faz-nos sentir realizados!
É isso aí, não é nada fácil, mas vale a pena!
Coração apertado em ler seu artigo, vontade de ter muito dinheiro comprar uma casa ao lado, fazer um churrasco bem divertido numa mesa bem grande kkkk!!!
Ana, Deus escreve nossa história… e apenas ele nos dirá o pq de td qdo a história chegar ao fim … admiro a coragem e determinação de vcs !!!
Bjs e saudades …
A admiração é recíproca, Sheiloca! Aceito o churrasco bem divertido numa mesa grande em dezembro!! Muita saudade de vcs!
Oi Ana Paula. Mais uma vez parabéns pelo texto. Muito interessante ver como você superou todos desafios!
Obrigada Mary, fico feliz que você tenha gostado do texto.