E por falar em saudade…
Antes de expatriar, quando eu falava em saudades, era completamente diferente. Era saudades de quem eu não via faz tempo ou de quem não veria mais (ao menos nesse plano). Saudades da infância, de algum lugar. Às vezes dava saudade de comer alguma coisa, e sempre resolvia isso rapidinho.
Hoje, essas saudades também existem ainda, mas de maneira bem diferente.
Sinto falta – muita! – da minha família. Mas não é exatamente uma falta típica: tenho saudades de sentarmos nós, irmãos e melhores amigos, comendo uma pizza bem paulistana, dando risada sem parar. Caetano, meu sobrinho, mal nasceu e já é dono das minhas saudades. A vida tem dessas coisas, vai entender!
Saudades do cheiro do violão do meu pai, e de ouvi-lo fazendo piadinhas mesmo quando o clima está sério. Saudades da madrasta que topa todos os meus planos mirabolantes para quase matar a família do coração aparecendo no Brasil de surpresa. Saudades do padrasto, tão carinhoso, sendo sempre o médico de todo mundo. Saudades da cantoria que é quando junta meu pai, minha irmã, meu cunhado e o resto da família, não tão afinada quanto eles, mas com muita vontade de cantar.
Saudades das noites de Natal, tão importantes para a família toda, mesmo que nenhum de nós seja católico. Sim, é só pela bagunça. Por todo mundo falar ao mesmo tempo, e ninguém se entender, mas ainda assim não parar de conversar. Pela insistência de todo mundo em comer canja de galinha em pleno verão brasileiro, mas “tradição é tradição”. Saudades de fazer uma cena toda vez que os presentes da árvore são entre casais. “Je t’aime”, nós dizemos. E das gargalhadas escandalosas. E dos vizinhos pacientes.
Saudades da minha avó, pessoa mais fácil do mundo de presentear: tem coruja, ela ama. E do meu avô, que debaixo da capa de sério tem uma pessoa que simplesmente não resiste às piadas repetidas, que minha avó, surda, repete como inéditas depois.
Saudade dos – muitos! – primos, que debandaram todos da capital paulista, e por isso fica sempre complicado para nos vermos em outra época do ano. O Natal é a nossa garantia!
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A falta que faz o cheiro de várias comidas diferentes quando entramos na casa do meu tio. A cozinha, comandada militarmente pela minha tia, fica com acesso restrito, mas é completamente válido porque é de lá que saem as suas peripécias, é lá a sua oficina. Saudades da minha outra avó, que tem toda a postura de leonina durona, mas que por dentro é uma flor delicada que me mima e me enche de carinhos. Os primos, estes mais tecnológicos, sempre animando a casa com as gracinhas.
Será preciso dedicar um parágrafo à ela: as saudades da minha mãe tomam conta de mim! Saudades de quando eu, ogra, deito o corpo em cima do dela e ela reclama que está machucando, mas não ousa se mexer porque adora um chamego. Saudades do celular vibrando sem parar quando estava na rua até tarde com mensagens típicas: “Oi, tá bem? Esqueceu que tem mãe?” Não esqueci! E como poderia? Sinto falta até do pé gelado dela encostando no meu durante o inverno! Morro de saudades das nossas conversas que engrenam madrugada adentro. Da preocupação (quase que) exagerada, acompanhada de um: “Você vai ter filhos um dia e vai me entender”.
Mas essa falta não pára na família, não. Eu não sei explicar muito bem, mas as saudades que sinto do Brasil são completamente diferentes do que eu achei que seriam. Não são só as comidas, deliciosas, ou as pessoas que as preparam – apesar destas saudades estarem sempre presentes! Também não se trata apenas das saudades de escutar um idioma que domino, afinal o japonês é uma língua muito complicada. É uma falta de estar. Uma falta de viver o Brasil. Do calor humano, da solidariedade, da simpatia, das gargalhadas. Ah, dos abraços! Os japoneses não têm esse hábito e eu acredito piamente que é esse um dos motivos para a sociedade japonesa ser mais triste. O nosso abraço, apertado, coração com coração, é só nosso.
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Hoje, acredito que a minha sensação de não-pertencimento que vivo aqui, também esteja presente no Brasil – deve ser mal de expatriado. Não que seja um problema, já que não sou uma pessoa de criar raízes, e sim asas. Mas mesmo assim, essa falta ainda se faz ouvir. Fica ali no fundo, discreta. Às vezes faz chorar um pouquinho. De vez em quando fica mais amena. Atualmente, aprendi a conviver com ela. Dói, mas abre um espaço imenso no peito para que caibam ainda mais coisas. Para que a gente aprenda a amar até as coisas que antes não gostávamos. Para que nos desprendamos de preconceitos e da visão limitada de mundo. Para “descortinarmos”.
O Brasil me traz grande saudade, mas a falta dele me ensina muitas coisas e ainda diz muito sobre mim mesma. Não pretendo ficar para sempre no Japão, mas por enquanto o Brasil será só de passagem. Ainda tenho muito o que aprender.
Brasil, me espera que eu estou chegando!