Dia 25 de janeiro de 2011- Sonhos latentes moviam milhões pelas ruas do Egito. Um só pensamento pulsava na multidão, liberdade. Pulsos cerrados, olhos atentos, corações ávidos por mudanças. Na pele, o arrepio, perigo iminente de morrer lutando por um futuro melhor. Você conhece esse episódio como Primavera Árabe.
Egípcios de todas as idades, classes sociais e posições políticas, todos, uma só mão, clamando pelo fim do regime ditatorial de Hosny Mubarak, e o início de novos tempos prósperos sob a luz da democracia. “O povo egípcio não está pronto para a democracia”, declarou Omar Suleiman, chefe de inteligência do governo, na televisão enquanto em Tahir, muitos perdiam suas vidas. Sangue nos olhos, literalmente. Quantas pessoas perderam a visão nesses dias de luta? Centenas. Essa declaração seria no mínimo um insulto a esse povo.
Nesse fatídico dia, após dias de luta, o povo vence. Foi feita a vontade da maioria. Mas se eram milhões como um só em Tahir, dali em diante foram milhões sós.
Os planos de um futuro democrático e próspero já se faziam presentes na intuição de cada um. “Está feito”, pensavam eles. Mal sabiam que liberdade envolve grandes responsabilidades. Em um primeiro momento, o caos se instaurou, cortes de luz diariamente, falta de segurança nas ruas, não havia polícia, praticamente uma terra sem lei. Mas era temporário, era o preço de uma grande conquista.
O primeiro presidente é eleito pelo povo, Mohammed Morsi. Em poucos meses de mandato, ele desagrada e decepciona profundamente o povo que o elegeu. Propõe instaurar no Egito uma constituição baseada na Sharia, como acontece no Irã, Arábia Saudita e outros países muçulmanos. Além disso, o básico à sobrevivência ainda faltava, o desemprego atingia a maior parte da população. O turismo, maior fonte de renda até então, era quase inexistente. Começam a pipocar defensores da volta de Mubarak. Sentindo-se traídos, contra uma pequena minoria islâmica que apoiava Morsi, fazem uma nova revolução. Parece que a voz do povo só era ouvida em praça pública. Nas urnas, no governo, no plenário, as coisas iam de mal a pior.
Nesse momento, outros países que participaram da Primavera Árabe tinham uma situação ainda mais caótica. Exemplo: Síria e Líbia. O que tornava o temor do povo egípcio ainda maior. Se de início parecia que haviam alcançado o sucesso, eles viram que a transição de um país exigiria muito mais luta do que a de Tahir. Ter ido embora pra casa no dia 25 de janeiro com sensação de vitória foi um equívoco. E a essa altura já se perguntavam quem os poderia salvar.
Nos tempos de glória dessa civilização, sempre existia um faraó que, na personificação do próprio Deus, defendia, lutava e garantia a soberania do seu povo. Esse líder ainda habita o imaginário egípcio, e assim, carentes por um faraó do século XXI, desponta El Sisi. O ministro da defesa, para a alegria de todos, declara que o exército deporia o presidente Morsi e conteria os insurgentes. Mais uma vez a união fez a força, pena que novamente a união durou poucos dias.
O salvador da pátria instantaneamente se torna um herói, a figura mais venerada do país. Os apoiadores de Morsi, revoltados, aterrorizam o país, matando e ferindo indiscriminadamente nas ruas. Diante do medo de se tornar outra síria, ou quem dirá, um novo Afeganistão, a promessa de um Estado laico inebria, e a maioria, quase que cegamente, segue os passos de El Sisi.
Ele propõe uma nova eleição no país, afinal tudo que o povo egípcio provou não querer é uma ditadura. Inicialmente, ele não seria candidato. Mas cedendo ao desejo do povo, ele concorre, e em uma eleição sem surpresa nenhuma, foi eleito com mais de 90% dos votos.
Hoje, as palavras de Omar Suleiman são entendidas como: democracia não é fazer a minha vontade, mas a vontade da maioria, por mais duro que seja não pertencer a ela.
Tahya Masr! Vida longa, Egito!
4 Comments
O egito só piorou então? A sharia é aplicada aí? Parece que só a Tunisia teve um final quase feliz com a primavera arabe.
Oi Kareem, então, logo após a Revolução o país estava sim um caos. Agora, o país está voltando a rotina com novas leis, nova organização, voltando a prosperar digamos. A Sharia não é aplicada e o estado se define como laico, o presidente que foi eleito após Mubarak propunha leis baseadas na Sharia, entretanto como citei no texto, ele também foi deposto pelo povo. Atualmente, o presidente Sisi defende um estado laico e a paz entre as religiões, ok? Se tiver qualquer outra dúvida, sinta-se a vontade para perguntar. Obrigada pela sua participação e interesse.
Ótima colocação.
Nesses quase 2 anos aqui, eu sinto que melhorou, levando em consideração apenas o que vi, não o que aconteceu antes.
De 2014 para cá sinto que muitas pessoas estão mais leves, mais soltas, logo, acho que a Democracia quase levou o Egito a uma ditadura religiosa mesmo.
Oi Rogério, eu também tenho percebido o quanto tem melhorado, além do humor e auto confiança das pessoas, o país estáa mais limpo e organizado, que continue assim.