Há algumas semanas, uma amiga transsexual postou no Facebook uma matéria sobre dez países que gays devem evitar visitar e no post, ela se mostrava descontente com isso, pois ela gostaria muito de conhecer alguns desses países. Abri a matéria sem ter dúvida nenhuma que o Egito estaria entre eles. Bingo! Era o primeiro, mas ao ler eu fiquei muito incomodada com o que dizia lá. Justiça seja feita, não é de se esperar que nenhum país majoritariamente muçulmano seja dos mais amigáveis aos viajantes LGBT, mas também, não é da forma que foi colocado. Fiquei tão incomodada com a situação que não me saiu da cabeça, uns dias depois envie para ela uma mensagem explicando o meu ponto de vista sobre, e decidi que definitivamente era hora de falar sobre o homossexualidade no Egito aqui no Brasileiras pelo Mundo.
Coincidentemente, nos mesmos dias, um acontecimento em relação a isso tomou conta dos noticiários, das redes sociais e das conversas egípcias, trazendo o assunto à tona com tudo no Egito. Mas vamos por partes, vou chegar lá.
Uma breve pesquisa no Google e encontramos várias listas desse tipo que o Egito está. Mas em nenhuma eu encontrei informações tão equivocadas quanto na que minha amiga postou. O texto dizia: “Gays são constantemente presos nesta nação africana e podem ser condenados – pela legislação vigente –a até 17 anos de prisão, o que pode incluir trabalhos forçados. Ficou conhecido internacionalmente caso em que gays foram presos em barco só por se reunirem. O julgamento não teve defesa, regra comum em terras egípcias”.
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Primeiramente precisamos deixar claro que homossexualidade não é crime no Egito, embora o texto tenha dado a entender que sim. Nos casos que acontece alguma prisão de LGBTs é por enquadramento em leis como: crime de atentado ao pudor e a moral, incitação ao vício, desprezo a religião, prostituição, promoção de orgias e devassidão. Esses itens sim são crimes no Egito e não valem apenas para homossexuais. Aqui, se eu der um beijo na bochecha do meu esposo em público e alguém se sentir constrangido, posso ir para a cadeia também. Assim como se eu postar qualquer ofensa a religião, um anúncio de prostituição ou estiver combinando orgias em um grupo de Facebook. Homossexual ou não, você estará sujeito a essas leis do país, a questão é que elas são bem subjetivas e não quer dizer que sempre que fizer alguma dessas coisas, alguém vai se incomodar o suficiente e te denunciar, se sim, estará com problemas.
Quanto a parte dos trabalhos forçados é aquele momento que não sei nem o que comentar sobre. Gente, isso não existe nas cadeias egípcias. O que existe é um sistema de trabalho similar aos que existem no Brasil, mas mediante ao desejo do detento e remunerado.
O caso citado dos homossexuais presos no barco realmente aconteceu há alguns anos atrás, e assim como esse, tiveram outros de repercussão. Um vídeo foi divulgado nas redes sociais com o título de “primeiro casamento gay do Egito”. E mostrava vários homens reunidos em um barco enquanto um colocava um anel no outro, o que foi entendido como uma aliança. Como o vídeo se tornou viral, houve uma grande comoção popular e os envolvidos foram presos. O que alegaram foi que era aniversário de um deles, e um dos amigos sabia que o aniversariante queria muito um anel e o presenteou com um e tudo não passou de uma brincadeira e gozação entre amigos. Não esperavam que iria viralizar nem polemizar a questão. Não só tiveram direito a defesa (deixando claro que não é regra comum em terras egípcias que ninguém não tenha), como foram absolvidos.
Como foram absolvidos? Aí entramos em um outro assunto extremamente delicado no Egito. No país é comum a prática de “exame anal” para identificar a virgindade do homem em questão. É feita não só nesses casos, mas também no momento do alistamento no exército. A pratica e técnicas são bem controversas. Fato é que quem não é aprovado no tal exame de alistamento no exército, recebe um “papel vermelho” de dispensa. E todos no país sabem o que ele significa pois só é dado nesses casos. A pessoa se torna estigmatizada o resto da vida em qualquer situação que precise apresentar os documentos. Eficaz ou não, o exame serviu para absolver os rapazes do barco comprovando a “virgindade e não homossexualidade” deles.
A questão é que no país dos faraós, onde a homossexualidade foi representada e contada por diversos registros históricos do período, prevalece hoje a crença muçulmana, e a maior parte da população é declaradamente a favor de tais práticas. Segundo pesquisa da Pew Research Center, 95% da população acredita que a prática do homossexualidade não deve ser aceita. Entretanto, os números elevados em contraposição aos recentes episódios demonstram o quanto as opiniões no país sobre o assunto estão sob pressão do senso comum. Não é que os gays existam em baixa proporção, é que eles são extremamente reprimidos e nas últimas semanas encontraram uma válvula de escape.
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Aconteceu no Cairo um show de rock de uma banda libanesa chamada Mashrou´Leila, na qual o vocalista é assumidamente homossexual. O evento atraiu majoritariamente o público gay que se identifica com o vocalista e em meio a tantos deles, situação que provavelmente nunca vivenciaram, se sentiram seguros e acabaram por serem mais ousados do que normalmente são, hastearam várias bandeiras da causa e se permitiram bem mais do que a sociedade egípcia está disposta a aceitar. O episódio gerou uma onda de “moralismo” no país e por semanas é o assunto mais comentado. Como era de se esperar, os comentários não foram nada a favor e tanto clamor da população exigiu uma atitude enérgica dos governantes: mais de trinta participantes da festa foram presos, principalmente sob a denúncia de desprezo à religião.
Na contramão disso, conheço alguns gays no país que se assumem e vivem dentro do que se pode considerar normalidade. Sofrem preconceito, mas em momento algum se sentem ameaçados em sua liberdade ou integridade física; eles existem e têm espaço. Embora sem dúvidas não seja uma vida fácil, nem o que se deseja para eles eu os admiro pela coragem de serem quem são.
Mas se homossexualidade não é crime, por que essa “caça às bruxas”? Bem, o que se pode perceber é que as autoridades são enérgicas em casos de clamor popular ou em casos pontuais que chegam a beirar o abuso de poder. Como a lei é bem subjetiva, pode ser aplicada quando simplesmente querem prejudicar alguém. Não sei ao certo se foi o caso, mas há um tempo atrás uma transexual gaúcha foi presa no país sob acusação de prostituição, embora ela alegasse que estava no país a turismo. Após intervenção do Itamaraty, ela foi solta.
Trabalhando com turismo no país, o que tenho a dizer para quem pretende visitá-lo e é homossexual ou transgênero é que não deixe de ir, mas não deixem de se resguardar. Contrate uma boa empresa que possa te orientar e se responsabilizar pela sua estadia no país. Como já disse antes, no Egito é muito importante estar em boas mãos. Nunca tivemos experiências negativas com nenhum dos nossos clientes, e a maioria dos hotéis disponibilizam cama de casal para eles, desde que sejam ambos estrangeiros. Se a situação envolver um local complica um pouco. Mais uma vez, gostaria de lembrar que o mesmo vale para casais heterossexuais. Para se hospedar em um mesmo quarto que um egípcio de sexo oposto é necessário ter contrato de casamento como já contei no meu blog. E se estiverem sozinhos em apartamentos ou coisa do tipo e forem denunciados, correm sim o risco de serem presos.
Se eu diria que essa é uma nação homofóbica? Eu diria que está mais para hipócrita. Conheço pessoas que já assumiram ter tido relações homossexuais para mim, por me considerar uma pessoa aberta, mas que quando o assunto vem à tona em público são os primeiros a empunhar a bandeira do falso moralismo e dizer que é um absurdo. A pressão social é tão grande que eles julgam a si próprios.
11 Comments
Muito bom o texto Michelle! Adorei saber mais sobre esse tema no Egito. Também escrevi a pouco tempo sobre a situação na Alemanha. Uma pergunta: Como você acha que anda a percepção das pessoas, apesar dessas pesquisas (que como você escreveu, acabam sofrendo influência da grande repressão)? Afinal, como sabemos, há não muito tempo atrás tantos outros países do ocidente também tinham uma percepção totalmente negativa e hoje em dia são muito mais liberais. Claro que toda mudança precisa de muito tempo e ocorre de maneira quase imperceptível, mas você acha que as pessoas no Egito estão, mesmo que lentamente, abrindo o pensamento nesse quesito? Obrigada pelo texto 🙂
Muito obrigada, Nathalia!
Então, acho que no Egito o caminho ainda é muito longo. A religião tem uma influência muito forte e até mesmo quem é homossexual se culpa por isso. Primeiro, é preciso quebrar tabus religiosos, como simplesmente autorizar o casamento de mulheres egípcias com não muçulmanos, pois é proibido por influências religiosas. Recentemente a Tunísia o fez e causou uma onda de conservadorismo no Egito. Apesar de não aplicarem a lei islâmica – sharia, o Egito está muito longe de ser um estado laico, mas até mesmo por vontade (ou sentimento de culpa) da população. Se dizer ateu no Egito, pode causar inclusive alegação de insanidade judicialmente. Embora desde a revolução exista um onda de ateísmo no país.
Antes de quebrar essa barreira, acredito que muitas outras serão quebradas antes, da própria liberdade religiosa. Sempre existem os precursores, dispostos a dar a cara para bater, e eles estão começando a aparecer em todas essas áreas, mas por enquanto a duras penas.
Ótimo texto, Michelle =) Ajudando-nos a quebrar noções errôneas sobre o pais. No entanto, gostaria de ressaltar que o termo correto, hoje, é homossexualidade, e não homossexualismo. Se fizesse a correção, ficaria grato.
=D
Homossexualismo, moça? Sério? Espero que só tenha sido um erro conceitual de alguém que, por não ser homossexual nem estar muito por dentro das lutas e conquistas da comunidade LGBT, ainda não está sabendo que o abjeto termo “homossexualismo” caiu em desuso desde 2007, por carregar conotação preconceituosa – mesmo que ainda figure nos dicionários.
Sim, espero que seja isso, e não preconceito de sua parte para com os homossexuais; detestaria imaginar que o fato de você ser casada com um egípcio fez com que você guinasse para o lado da discriminação.
Boa tarde, Augusto!
Agradeço a informação, realmente não tinha conhecimento em relação a isso. Obrigada por nos ensinar e ajudar a melhorar. O termo já foi corrigido no texto.
Tudo bem Michelle, retornei do Egito faz em torno de uma semana, me apaixonei pelo país, mas reconheço que o tema sexualidade é muito complicado em se tocar por lá, visitei algumas cidades e sempre perguntei aos locais sobre assuntos relacionados à religião, sexualidade, e eles se sentem muito constrangidos em abordar o tema. Me senti incrivelmente bem recebido, talvez porque eles não sabiam de minha opção, creio que se soubessem não teria feito inúmeros amigos como fiz. Seu blog é divino, parabéns.
Neste momento estou a turismo no Egito e tenho a certeza que a quantidade de gays aqui é relativamente igual no Brasil. Não estou vendo nenhum gay ser chicoteado nas encostas das pirâmides. Gente, por Deus, tem viado no mundo tudo é sempre terá. Eu enquanto gay, estou me dando bem aqui. Egito é um país lindo. Beijo em todos
Conclusão? País Fanático, de doentes mentais e hipocritas. Tô fora de visitar um país desde com meu esposo! Prefiro Japão Tóquio. Ali tem até parada gay. E Israel Tel Aviv tambem tem parada gáy. Imagina? Ter que ficar me policiando no Egito? Não poder dormir na mesma cama que o meu esposo? Porque a gente escolheriamos passar por criminosos fugitivos só pra ver pirâmides? Me poupe! País miserável. Não é a toa que a bíblia separa os ebreus dos egípcios.
Penso o mesmo. Não deixaria um centavo nesse pais.
Boa tarde!
Estou pensando em passar uns 10 dias em algum resort em Sharm el Sheik com meu marido.
Somos um casal discreto, mas obviamente gostaríamos de ficar em uma boa cama de casal, como estamos acostumados em nossa casa.
Como funciona? Deveríamos tirar a aliança?
Já li tanta coisa positiva e também muita coisa negativa!
Olá Diogo,
A Michelle Bastos parou de colaborar conosco e, infelizmente, não temos outra colunista morando no país.
Obrigada,
Edição BPM