Emprego e desemprego na Suíça.
Muitas pessoas perguntam como eu, brasileira, sem passaporte europeu, consegui um emprego na Suíça.
Vim para cá com visto de estudante, para fazer uma pós graduação. Me apaixonei pelo país e teimei que ficaria. A determinação pesou, sem dúvidas, mas a combinação de uma carreira de sucesso no Brasil, muita sorte e desprendimento certamente ajudou. Fiquei.
Hoje a Suíça apresenta um cenário diferente daquele que vivi quando resolvi ficar, em 2007. No final de 2008, a Suíça entrou para o espaço Schengen, acordo que permite a livre circulação de pessoas dentro da Comunidade Europeia.
Acontece que muitos europeus vindos de países mais pobres, seduzidos pelas políticas sociais generosas e salários altos, viram no acordo de Schengen uma oportunidade para usufruir das estabilidades suíças. Arrumaram as malas e vieram para cá. A crescente imigração não agradou a todos, pelo contrário.
Muitos suíços atribuem a abertura das fronteiras ao aumento de furtos, sujeiras nas ruas, balbúrdias e pedintes. Para se imaginar, em 2006, quando cheguei aqui, não existiam pedintes. Nenhum. A Suíça, que hoje é considerada muito limpa, era praticamente desinfetada naquela época. Se eu, brasileira, pude notar a diferença no país de 2006 para 2011, imagine eles. Os suíços observaram esta mudança de maneira nada feliz.
A crise de 2010 também não ajudou, fazendo com que os índices de desemprego suíço atingissem números jamais vistos. Com a crise, mais e mais pessoas dependiam da ajuda do Estado. E é óbvio que quem paga a conta é o contribuinte. Enfim, do ponto de vista prático, o suíço começou a ter uma certa antipatia pelo imigrante não capacitado.
Como consequência, de lá para cá, algumas iniciativas polêmicas sugerindo a restrição do número de estrangeiros na Suíça foram controversamente votadas.
Tudo isso para explicar que nós, brasileiros sem passaporte europeu, temos pouca prioridade nas questões migratórias. Se estivermos em uma disputa de emprego com candidatos com qualificações similares, as prioridades de contratação terão a seguinte ordem: suíço, europeu e cidadãos do resto do mundo. Simples assim.
A situação muda quando temos por trás uma empresa que alegue precisar das nossas experiências profissionais, qualificações e talentos, pois não encontrou nada disponível no mercado local. Daí o fato de os profissionais altamente qualificados quase sempre arrumarem vistos de trabalho. Com o visto de trabalho, vêm as obrigações e as tributações.
Entre os diversos descontos que temos no nosso holerite, encontramos um seguro desemprego, o Chômage na Suíça francesa.
Não sabia da importância do Chômage até que perdi meu emprego na crise de 2010. Meu empregador redesenhou suas operações e demitiu dezoito funcionários, incluindo a mim. Como éramos muitos, funcionários públicos foram até nosso escritório para explicar nossos direitos e obrigações. Durante uma tarde aprendemos, detalhadamente, o que deveríamos e o que não deveríamos fazer.
O programa de auxílio aos desempregados é sério, eficiente e muito responsável. É também absolutamente rígido, para evitar abusos. Claro, aqui também têm espertos, infelizmente.
O seguro desemprego, para o estado de Vaud, funciona assim: quando demitido, o profissional deve se inscrever para o benefício imediatamente. Existe um departamento administrativo e outro, operacional.
Na parte administrativa, define-se o valor e por quantos meses o benefício será pago. A equação é complexa, pois leva em conta a idade do beneficiário, a existência de dependentes, os meses que o beneficiário contribuiu ao seguro, o valor do salário que era recebido pelo contribuinte e se este pediu demissão ou se foi demitido. Consideram inclusive a existência, ou não, de pacotes para demitidos.
De maneira geral o seguro é de 70% do salário de contribuição para contribuintes sem dependentes e 80% para os que têm dependentes, limitados a um teto de, aproximadamente, 9.88o francos suíços por mês, ou 35.700 reais (convertendo-se com o dólar a 3,50). Os períodos de recebimento do benefício variam de 90 a 520 dias úteis.
Do lado operacional, um conselheiro é designado para acompanhar toda a trajetória. Um novo CV (curriculum vitae) é elaborado para o beneficiário; suas redes de contatos profissionais e pessoais são explorados e sua participação em feiras e grupos são incentivadas. As competências são avaliadas para assegurar a rápida empregabilidade do indivíduo. Na falta de uma habilidade crucial, cursos são disponibilizados. O objetivo é claro: aumentar as possibilidades de se encontrar um emprego rapidamente.
Juntos, conselheiro e o beneficiário montam um plano para que o período de desemprego seja o menor possível. A ideia é correr contra o relógio.
O valor do benefício recebido é visto pelo suíço como um salário para um trabalho temporário, o trabalho de procurar um trabalho. E é trabalho para 8 horas por dia. Relatórios têm que ser apresentados mensalmente. As regras têm que ser cumpridas. Abusos são rigidamente penalizados.
Além de cursos qualificativos, existe um banco de dados com ofertas de trabalho. Quando um conselheiro recomenda determinado posto, o beneficiário tem que se apresentar. Isso é bastante comum para postos mais operacionais.
Quando se encontra o trabalho, o benefício é finalmente suspenso e todo mundo fica feliz.
Se o período do benefício terminar sem que seja encontrado um novo posto, cabe ao beneficiário rever sua condição financeira. Ou ele sobrevive com economias ou, na ausência destas, inscreve-se em algum outro programa social. Ele sai das estatísticas como desempregado.
O suíço tem vergonha de ficar desempregado. Sente-se constrangido e deprimido, pois sabe que está recebendo ajuda com os impostos que todos pagam. Eu entendo este auxílio generoso como um seguro, algo que não quero usar mas que é meu, em caso de necessidade.
Fiquei desempregada um bom tempo e posso assegurar que não tem nada de divertido. É muito chato não produzir quando a maioria ao seu redor produz.
Durante o período que procurei emprego tive a sorte de ter uma conselheira com quem construí uma relação de respeito e confiança. Ela sabia que eu, mais que ninguém, queria trabalhar e ajudou como pôde para que eu tivesse todos os recursos disponíveis para conseguir o meu sonhado emprego. E eu consegui.
Viver em um país onde o dinheiro público é administrado corretamente e revertido em benefícios sociais é um privilégio. A seriedade Suíça nos compromete, nos torna devedores.
Ficar desempregada não foi fácil mas foi mais uma lição de cidadania que aprendi neste país que adoro.
4 Comments
Teca.Bom dia.Quero me sentir útil e morar na Suiça.Me ajudaria?Sou Eliseu.Moro no Espirito Santo.48 anos .Casado.Pai.Whatsap 55-28-99900-6080
Olá Eliseu,
Infelizmente não existe regra nem receita pronta para imigração.
Meu conselho para você é procurar o consulado da Suíça no Brasil. Lá certamente eles poderão avaliar seu caso e aconselha-lo de maneira eficiente e realista.
Boa sorte!
Teca
Oi Teca! Depoimento muito interessante e esclarecedor. O Brasil deveria e poderia adotar várias medidas de melhorias adotando uma postura mais honesta, séria e comprometida com tudo que envolve uma vida mais digna para todos. Sabemos que isto não ocorrerá tão breve, infelizmente, mas se cada um começar a agir de maneira realmente mais séria, quem sabe … Tenho uma amiga que mora na Suiça e ela me falou a respeito da seriedade e do planejamento com tudo que os suíços se dispõe a fazer, e é assim que deve ser. Parabéns a você, a minha amiga Danielly e outros brasileiros competentes que estão aí na Suíça levando uma vida mais digna que a nossa no Brasil.
Bom dia Ingried,
Obrigada pelo seu comentário.
É verdade, a cultura de um país nada mais é que a cultura e as ações de seu povo.
Mantenho porém meu otimismo… acho que o brasileiro está questionando mais e aprendendo com todos os escandalos de corrupção e má gestão que estão pipocando na mídia diariamente. Quem sabe lá na frente as pessoas pensarão duas vezes antes de se meter em corrupção e querer tirar vantagens de tudo. Vamos torcer para que saibamos crescer neste momento tão difícil da nossa história. Caso contrário, o que vivemos agora nada valerá…
Meu texto de Agosto fala exatamente sobre Planejamento e organização.
Abraço para você, Teca