Encantos da África do Sul.
Acredito firmemente que os africanos têm algo singular a oferecer à cultura mundial – Mandela, 1975.
E nós, brasileiros, também acreditamos.
O Brasil fechou o ano de 2017 levando mais de 67 mil turistas para a África do Sul. Um crescimento de 70% frente ao ano anterior e no ano passado teve um crescimento de 10%, de acordo com o gerente de relacionamento da América do Sul, Marcelo Marques, chegando a totalizar 70.000 visitantes.
De acordo com ele, o Brasil e a África do Sul têm uma conexão muito forte. Identificam-se muito pela luta por liberdade, resistência, transformação e resiliência.
O ponto de chegada dos brasileiros é geralmente Joanesburgo.
Embora algumas revistas no Brasil estejam divulgando como uma parada cool, com bairros descolados e históricos, conheci, durante minha permanência de 40 dias no país, diversas pessoas que lá moraram, desaconselhando fortemente a estadia por lá. Ouvi um relato de um pesquisador brasileiro que fora assaltado duas vezes no mesmo dia. Um local, hoje gerente de hotel no Kruger, me contou que quando lá morou dormia com a arma debaixo do travesseiro .
Por sorte ou por instinto, fiquei apenas poucas horas na cidade, tempo suficiente para conhecer o Mandela Square, e logo pegamos a estrada para Cape Town.
Cape Town é uma bela cidade e em muitos momentos nem parece que estamos na África. No shopping center escuta-se muito português e parece um pouco com Miami, só que bem mais colorida, divertida e musical.
A beleza curiosa da música africana é que ela anima, mesmo quando nos conta uma história triste. Você pode ser pobre, pode ter apenas uma casa desmantelada, pode ter perdido o emprego, mas essa canção lhe dá a esperança.
A música africana é sempre sobre as aspirações do povo africano – Mandela .
Leia também: Vistos para a África do Sul
Geralmente a próxima parada dos brasileiros é o Parque Nacional Kruger. Uma experiência à parte. Uma Disneylândia viva que garante diversão, contentamento e adrenalina para todas as idades, seja nas primeiras horas do dia ou ao anoitecer.
Um investimento que vale muito a pena!
Mas poucas pessoas falam do acesso ao parque, ou seja, as incríveis rotas para chegar até lá, seja de Joanesburgo ou saindo de Cape Town, de carro.
A rota panorâmica, por exemplo, oferece várias cachoeiras pelo caminho. Um grandioso cânion, os potholes (formações geológicas) e o mais novo elevador panorâmico Graskop, inaugurado em dezembro de 2017 e ainda pouco divulgado.
A cidade de Graskop, na minha opinião, ainda não está preparada para receber muitos turistas.
Qualquer artigo que você encontrar sobre o local irá te dizer para comer panquecas e nada mais.
É difícil encontrar um bom hotel por lá; porém, existem algumas guest houses (comum no país, até mais usual que Airbnb), e são encantadoras, não só pelo visual; pois geralmente são anexos de ótimas casas, mas principalmente pelo ótimo custo benefício.
Fiquei numa chamada LUSH e adorei a decoração estilosa, o sossego e a simpatia da proprietária.
Inacreditável, mesmo, é a estrada Chapman’s Peak, pertinho de Cape Town, colada ao mar, ao céu e ao paraíso. Considerada uma das estradas mais belas do mundo.
Mas o mais impactante foi conhecer ali pertinho outro país, quase que um mundo à parte, Lesotho, Kingdom in the sky.
O reino do Lesotho está localizado à África Meridional, com um território de 30.355 km², um pouco maior que o Estado de Alagoas, e não tem saída para o mar, sendo o único país do mundo situado em toda a sua extensão acima dos 1.000 metros. No inverno pode nevar e as belas cachoeiras podem congelar.
E para conhecer as cachoeiras resolvemos pedir permissão à locadora do carro (e pagar por uma licença que ninguém se interessou em ver na fronteira).
Leia também: Como é morar no interior da África do Sul
Tivemos que comprar um novo chip, mas o GPS não funcionou, o que resultou em dar muitas voltas no pequeno país e não achar nenhuma cachoeira, apenas muitas pessoas, crianças, bodes, casas redondas e calor, muito calor físico e humano.
Somente em 1996 a independência foi obtida e o governo é uma monarquia constitucional.
O rei atual é dono de uma cervejaria e tem várias mulheres.
Aliás, as mulheres que por lá vi eram quase todas bem arrumadas e sorridentes, mesmo andando pelas estradas num calor de mais de 40 graus.
Fiquei pensando naquelas pesquisas que relacionam felicidade a simplicidade, que garantem que as melhores coisas da vida não são coisas.
As pessoas por lá vivem em casas redondas, feitas de pedras úmidas, argamassa de areia e terra misturada com esterco, cobertas de palhas. Geralmente, o banheiro fica numa casinha ao lado.
Acho que até o ex-presidente do Uruguai, Mujica, e seu estilo minimalista iria repensar o conceito de pobreza, quando diz:
Não sou pobre, sou sóbrio de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade. E a rainha da arrumação, Marie Kondo, completa:
A melhor maneira de descobrir do que você realmente precisa é se livrar daquilo que você não precisa. Sim, é possível viver sem Brastemp.
Também tive a oportunidade de conhecer outra comunidade que vive nas casas redondas, em Coffee Bay, na costa selvagem da província do Cabo Oriental, a 250 km de Durban.
Para chegar até lá é uma pequena aventura, com estradas muito bonitas e com muitos animais pela pista. Uma das regiões mais pobres e menos desenvolvidas povoada basicamente pelo povo Xhosa. Foi nessa região que Mandela nasceu. O povoado ainda mantém antigas tradições, como se ainda estivessem no século 19. Eles pintam o rosto, falam uma língua própria e seguem costumes e rituais, incluindo ritos de passagem.
A partir do nascimento, uma pessoa Xhosa passa por estágios de graduação que reconhecem o seu crescimento e atribui-lhe um lugar reconhecido na comunidade. Cada estágio é marcado por um ritual específico, mas antes passam um tempo com os anciões da comunidade para se preparar para a próxima fase.
E foi aqui, passando por essa comunidade, que pude exercer a mais nobre lição da moderna rainha da arrumação, a senhora Kondo. Desapeguei de uma calça recém-comprada no Brasil que não me pertencia afetivamente e uma enorme emoção tomou conta de mim.
Voar, viajar, amar…não são apenas palavras que rimam…são experiências e aprendizados que as estradas fornecem.
E para sempre vou levar Lesotho comigo. Um reino onde se vive abaixo da linha de pobreza (menos de U$ 1,25 por dia), cuja expectativa de vida não chega aos 50. A taxa de mortalidade infantil é de 67 óbitos a cada mil nascidos e apresenta um dos mais altos índices de portadores de HIV no mundo. (Fonte: site Brasil Escola), mas onde a educação é obrigatória e a taxa de alfabetização é de 90,7%!
As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor – Rubem Alves.
Inacreditável, tanta pobreza e tanta educação! Tanta simplicidade e tanta felicidade! Lesotho tem muito a nos ensinar.
Em 2006 , o príncipe Harry fundou em Lesotho o projeto Sentebale, que ajuda adolescentes com AIDS porque, de acordo com ele, queria fazer algo construtivo e deixar minha mãe orgulhosa. Desde que o projeto foi criado, mais de 21 mil adolescentes já fizeram o teste de HIV. Harry ficou amigo de um rapaz de lá e o convidou para o seu casamento.
Um dia, disse Zeca Camargo no livro Isso aqui é seu, a volta ao mundo por patrimônios da humanidade:
Aprendi que nada pode ser mais bonito e gratificante que deixar de lado as certezas da nossa identidade e abraçar um conceito ainda maior: o ser humano.
E viva as muitas Áfricas!