Dois anos e 3 meses se passaram. Meus dedos passeiam pelo teclado, ao mesmo tempo em que me faltam palavras me sobram emoções. O coração bate forte, a borboleta está inquieta no meu estômago, meus olhos se enchem de lágrimas. É hora de deixar o Camboja.
Durante esse tempo, pude fazer o que eu mais amo: conhecer pessoas, trocar experiências e viajar. Ah, e como eu pude viajar: Camboja, Tailândia, Austrália, Vietnã, Laos, China, Indonésia, Espanha, Dubai e uma ida surpresa ao Brasil. Recebi visitas de familiares, amigos, amigos de amigos. Fiz novos amigos, criei laços de família com
cambojanos e outros expatriados.
Morei num hostel, me mudei 4 vezes, trabalhei em bar, restaurante, hotéis, fui modelo, voluntária, professora de inglês e colunista. Fui para o hospital umas 4 ou 5 vezes, por conta de infecções alimentares, me relacionei com estrangeiros, com brasileiros, tive um gato, um cachorro, uma bicicleta e uma moto. Aprendi a cozinhar, me entreguei ao ioga, me interessei pelo budismo, virei semi-vegetariana e não tenho mais nojo de barata. Sapos e lagartixas são bem-vindos.
Aprendi que não sou ninguém para julgar quem come insetos ou tampouco fazer brincadeiras ou cara de nojo para tal. O Camboja perdeu ¼ de sua população (2 milhões de habitantes, sendo de instruídos e intelectuais a maioria dizimada) durante o Khmer Rouge, que durou 3 anos, no qual o povo sobreviveu se alimentando de insetos. Famílias foram separadas, crianças cresceram órfãs e, diante a tanta pobreza, o espírito de união prevalece e o sorriso continua estampado no rosto. Aprendi a reclamar menos e dar mais valor às coisas. Recomendo assistir ao filme First They Killed My Father, produzido pela Angelina Jolie, caso tenha interesse em saber mais sobre o país e sua história.
Ao mesmo tempo em que ganhei, perdi. Perdi os aniversários, os casamentos, o crescimento dos meus sobrinhos, o adeus à minha gata, minha companheira por 15 anos, o colo e o conforto, mas também ganhei. Ganhei uma nova visão, um novo comportamento, uma nova postura, uma nova dimensão da vida. Ganhei forças. Ganhei uma proximidade com a minha mãe que jamais tive quando morávamos juntas. Ganhei uma nova amiga, ou melhor, ganhei uma melhor amiga. Ah, como ela segurou minha barra. E esse para mim foi meu maior presente.
Ao colocar na balança tudo o que eu passei, sem dúvidas eu vejo um saldo positivo bem maior do que o negativo. Muitas coisas deram certo. Poucas deram errado. As que deram certo foram comemoradas, as que deram errado serviram para reflexão e questionamentos em busca de crescimento e simplesmente entendi que não eram para ser. Todo dia eu aprendi algo com o Camboja. Aprendi que não mudamos por causa dos outros e sim por nós mesmos. Evoluí.
Acredito que a vida é intensa para quem é intenso. Não iria ser diferente comigo. Mas tudo tem seu tempo para acontecer. Tudo tem seu ciclo, seu começo meio e fim. Nada acontece por acaso. Parece que foi ontem quando decidi me aventurar. Pensei comigo mesma: vou ficar fora uns 6 meses, quem sabe 1 ano. A vida nos leva para caminhos que jamais imaginamos. A vida é uma caixinha de surpresa, às vezes com coisas boa, outras vezes com coisas ruins. E o que seria da nossa vida sem um balanço? Como iríamos aprender a passar pelas dificuldades vivendo apenas o lado bom? Qual seria o prazer da vida se vivêssemos apenas o lado ruim? Aprendi que ficando bem com meu interno, meu externo vira reflexo. E isso depende apenas de mim, dos meus esforços e das minhas atitudes.
Encerro esse meu clico de bem comigo mesma. Leve, realizada, sorridente e orgulhosa de tudo que conquistei e realizei. Antes achava que as pessoas exageravam quando me falavam que eu era corajosa, mas hoje, ao olhar para trás, eu concordo. Sou f*$#% pra car^%^$!!! E tenho muito orgulho da minha trajetória. Tem gente que ainda acha que eu joguei fora parte da minha vida. Mas sei que eu apenas cumpri uma parte dela, afinal, a vida é feita de ciclos. Curtos, médios ou longos. Vivemos em fases, em ciclos. E meu ciclo por aqui se encerra.
Aprendi a valorizar meu pais, minha cultura, e não somente destacar e enfatizar os problemas. Enxerguei que todos os países têm suas vantagens e desvantagens e que posso ser feliz e infeliz em qualquer lugar do mundo, independente dos problemas que o país tenha.
Estou voltando para o Brasil e feliz. Mas, antes, uma temporada na Índia para encerrar esse ciclo do jeito que merece ser encerrado, com muita gratidão e preparando o corpo e a mente para os novos desafios que eu sei que virão. Mês que vem conto como foi minha experiência no berço do ioga e entrego meu último texto como colunista no BPM, outro presente que ganhei, graças ao Camboja.
Obrigada, Camboja, eu só tenho a agradecer. Aokun Tcharam.
6 Comments
Que texto legal de ler! Eu estava aqui exatamente pensando em escrever, no meu livrinho de pensamentos, sobre o minha trajetória dos últimos 10 anos quando me deparei com o seu texto. Eu também moro do outro lado do mundo, agora em “carreira solo” e sei o quanto é preciso coragem para enfrentar os intempérios da vida. Parabéns pela coragem e boa sorte na volta ao Brasil. 😉
Oi Ana!
Obrigada pelo carinho e boa sorte para nos 🙂
Ro,
Muito obrigada pelos textos maravilhosos sobre esse país fantástico. Durante esse seu tempo no Cambodia, você ajudou muita gente a “viajar” e “experimentar” um pouquinha dessa terra tão especial através do que nos escrevia! Eu sou uma dessas pessoas! Sinto por não ter te conhecido durante minha passagem por aí, mas tenho certeza que qualquer dia desses a gente se esbarra em alguma esquina desse mundão!
Bom retorno e abraço apertado!
Oi Lorrane!
Fico feliz que consegui passar um pouquinho do que é o Camboja! E uma pena mesmo não termos conseguido nos encontrar. Fica para uma próxima em algum lugar desse mundão 😉
Beijos e obrigada!
Pingback: Encerrando meu ciclo no Camboja – Vem comigo! Por Roberta Jorge
nossa foi uma aventura hein? mds,acompanho seus textos des do primeiro, e com eles me apaixonei pelo sudeste asiático, com eles fui atrás de aprender uma língua asiática (no caso o chinês que falo “intermediário”), e com vc creceu meu interesse de morar em um lugar por ai,mesmo com seus textos não sei o que esperar.Não é que odeie meu país e precise sair daqui, é só uma coisa pela qual tenho que passar,sou paulista moro na zona sul (favela mesmo sou das bandas do capão redondo) e me sinto perdido aqui, sou muito quieto e isso por algum motivo incomoda muito as pessoas mas o pior mesmo é o fato de ter um cabelo comprido e um dia ser “confundido” com um gay e quase apanhar por isso (tive que sair correndo pra não apanhar),cresci na condição de ser suspeito para a polícia por ser favelado e ser suspeito pros bandidos da região por nunca falar com eles, e no meio de tanta violência,e outros problemas acho que devia dar chance a outro lugar,sei que todos os lugares ter problemas,mais um lugar quieto,sem muitas luzes e glamour,onde as pessoas pelomenos tentam se respeitar para mim é um sonho.Só tenho que te agradecer por tudo,te desejo muita paz e luz em seu caminho!!!