Como é o ensino infantil na Finlândia?

Como mestranda em Educação na Universidade de Oulu preciso cumprir 120 créditos para me formar, dos quais 10 são de disciplinas eletivas. Como desejo focar minha tese de mestrado no ensino infantil, me matriculei numa disciplina chamada Early Childhood Education and Care in Finland and in Other Countries (Ensino Infantil na Finlândia e em Outros Países) para ter uma perspectiva de um país nórdico também.  A disciplina oferecia a oportunidade de fazer estágio numa escola ou creche e achei que seria interessante ver, na prática, o que havia estudado na teoria. É importante deixar claro que o relato deste artigo é baseado em minhas leituras de documentos sobre o ensino infantil e num estágio de 50 horas, ou seja, tive apenas um recorte da realidade do ensino infantil em uma escola do país e escrevo a partir do ponto de vista de um observador.

Felizmente, fiz meu estágio numa escola que oferece ensino em inglês, então pude participar mais e entender melhor o que acontecia. Por outro lado, pelo mesmo motivo, já fui avisada que o que observaria lá seria um pouco diferente do que acontece nas escolas finlandesas, mas como todas seguem um mesmo currículo nacional, a essência ainda seria a mesma.

O ensino infantil não é obrigatório no país e fica a critério dos pais matricular, ou não, os filhos em uma escola, que pode ser pública ou particular. As famílias pagam um valor mensal de acordo com sua renda e o restante da mensalidade é pago pelo governo, sendo a creche particular ou pública. O ensino infantil é baseado em brincar até a pré-escola, o que significa que as brincadeiras são muito valorizadas no desenvolvimento da criança e, de acordo com o currículo nacional, apesar de as crianças não brincarem para aprender, elas aprendem pela brincadeira e é muito importante compreender esta questão para entender o ensino infantil no país.

As crianças de 3 a 5 anos passam o dia na escola e intercalam atividades guiadas (artes, brincadeiras, histórias etc.) com tempo para brincar livremente dentro da escola ou no parquinho. As crianças de 6 anos frequentam a pré-escola nas primeiras 4 horas do dia e, em seguida, se os pais optarem pelo ensino em período integral, elas também alternam tempo para brincar livremente com leitura de livros. No período de 4 horas de pré-escola, as crianças têm 3 aulas de cerca de 40 minutos e entre elas sempre tem, aproximadamente, 30 minutos de intervalo para brincar. As aulas são de matemática, alfabetização e finlandês, pois mesmo sendo uma escola onde a língua de ensino é o inglês, por lei, todas as escolas precisam oferecer pelo menos uma aula na língua local. As aulas são ministradas em salas diferentes e por professores diferentes, então as crianças estão sempre mudando de ambiente, apesar de os grupos serem sempre os mesmos. Cada professor é responsável por, no máximo, 9 crianças ao mesmo tempo na pré-escola e, não mais do que 7, nos anos anteriores.

Os professores dos primeiros anos fazem planejamentos mensais, pois crianças muito pequenas podem se desenvolver muito de um mês para o outro e os professores adaptam a rotina de atividades de acordo com este desenvolvimento observado. Já na pré-escola, o planejamento é anual, porém, os professores não têm prazos para cumpri-los, pois o aprendizado é completamente focado nos alunos e suas necessidades: se as crianças demonstrarem um desenvolvimento maior do que o esperado, o planejamento é acelerado, mas o contrário também é verdadeiro, pois o mais importante é a criança aprender, e não cumprir o planejamento dentro de prazos estipulados previamente. Além disso, o currículo nacional determina que crianças aprendem melhor quando estão ativas, interessadas e se envolvem em relações significativas com os professores; por este motivo, os professores também conversam e perguntam para as crianças quais são seus interesses em determinados tópicos para que possam deixar a aula mais interessante e significativa para os pequenos. Assim, eles aprendem mais.

Os pais também têm um papel fundamental. Como o currículo nacional também prevê que uma criança precisa de cooperação entre família e escola para o bem de seu desenvolvimento, pais e professores têm reuniões regulares (cerca de 3 ou 4 vezes ao ano) e, juntos, elaboram um planejamento individual para cada criança, contendo as habilidades que os pais desejam que sejam aprendidas e desenvolvidas na escola. O planejamento é revisto nas reuniões seguintes.

Com tanto tempo passado dentro da escola apenas brincando livremente (as crianças que ficam em período integral podem passar até 9 horas dentro da escola, sendo que na pré-escola, neste período, as crianças não têm mais do que 2 horas de aula) e sem lição de casa, é inevitável nos perguntarmos como o aprendizado acontece. Precisamos desvincular aprendizado de conteúdo e métodos tradicionais a aprendizagem, que é o que o currículo nacional finlandês propõe: em resumo, as crianças aprendem pela brincadeira e relacionamento com as outras crianças e professores à sua volta e é assim que fazem sentido do mundo, desenvolvendo suas habilidades e construindo conhecimento. Vale lembrar que a Finlândia ocupa as primeiras posições em exames como o PISA, que avalia jovens de 15 anos, e o ensino infantil é a primeira etapa da educação formal.

Podemos achar que a Finlândia achou a solução para os problemas de educação e deveria ser copiada em outras partes do mundo, mas não tem como analisar a educação do país fora de seu contexto, ou seja, a solução deu certo no país por conta de todos os seus aspectos sociais, culturais, históricos e econômicos. A mesma fórmula daria certo no Brasil? Acho pouco provável, pois nossa sociedade é muito diferente e o ideal seria achar a solução que funcione dentro do nosso contexto. Quem sabe um dia?