Nesse mês resolvi falar sobre algo diretamente ligado a minha realidade: o estudo e o acesso ao mesmo aqui na Bélgica.
Eu estou cursando o segundo ano na Escola Superior de Serviço Social, o que explica um pouco as enormes referências a períodos de estudos contínuos em muitos dos meus textos e por estar dentro desse mundo que resolvi explicar melhor como funciona, principalmente na parte francófona da Bélgica, pois como disse no meu texto As Duas Bélgicas, a Bélgica é dividida em mais de uma comunidade linguística e isso faz com que procedimentos mudem de uma região para a outra.
Minha ideia é nessa primeira parte explicar um pouco como o ensino superior funciona e suas diferenças em relação ao ensino no Brasil. Depois, na segunda parte explicar quais os procedimentos necessários para conseguir estudar aqui, como funciona o visto de estudante e em quais casos que ele se aplica.
Para começar é bom saber que a Bélgica, assim como muitos países Europeus, é regida pela Convenção de Bolonha. Essa convenção é uma declaração assinada por países da Europa e tem por objetivo estabelecer em comum um espaço Europeu de ensino superior. A ideia é facilitar as equivalências dos diplomas por aqui, criando um sistema meio padrão que funciona por créditos na graduação e mestrado, sendo os créditos não obrigatórios nos doutorados e pós-doutorados. Isso faz com que o primeiro ciclo de ensino, ou seja a graduação, tenha pelo menos três anos, os metrados normalmente dois anos (apesar de se encontrar alguns de um ano ou um ano e meio).
Outra coisa que é bom saber quando falamos de estudos por aqui é a diferença entre os tipos propostos de instituições de ensino. Ao contrário do Brasil, na Bélgica muitos cursos não são considerados universitários e sim só cursos superiores e vão ser ensinados em escolas superiores. A grande diferença vai ser na abordagem da matéria e nas possibilidades existentes depois que você tiver seu diploma.
Eu sou muito crítica a esse tipo de sistema, ele cria uma hierarquia enorme entre profissões e faz uma grande divisão do trabalho pensante e do trabalho de terreno. Já tendo passado por universidades no Brasil (apesar de não ter terminado) e estando numa escola superior do tipo curto aqui eu vejo uma diferença bem grande.
O ensino superior de pleno exercício da parte francófona se organiza dessa forma:
- ENSINO SUPERIOR DO TIPO CURTO – (Escolas Superiores e Escolas Superiores de Artes) – São bacharelados profissionalizantes de 3 anos: O objetivo aqui é formar pessoas mais ligadas ao terreno. O ensino em si é mais focado na prática. Apesar de existirem alguns cursos teóricos, eles aqui que vão estar principalmente ajudando a pessoa a alimentar seus conhecimentos e desenvolver suas capacidades de ação, os debates existem mas são normalmente bem superficiais e o modelo de organização é algo bem parecido com uma escola, muito dever de casa, cursos obrigatórios com presenças exigidas, apostilas de leituras feitas pelos professores e muitas vezes uma rigidez com horários e prazos. Muito estágio obrigatório, laboratórios, ateliês etc.
- ENSINO SUPERIOR DO TIPO LONGO – (Escolas Superiores e Escolas Superiores de Artes) – São bacharelados de transição de 3 anos + um mestrado de 1 ou dois anos: O objetivo aqui é formar pessoas mais ligadas ao terreno, mas que sejam aptos para lidar com situações consideradas pelos belgas como complexas. A carga teórica é maior e a ideia é ter ainda uma certa prática de terreno, mas em muitos casos esse ensino é comparado com o ensino universitário.
- ENSINO UNIVERSITÁRIO ( Universidades) – São bacharelados de transição de 3 anos ou mais + mestrado de um ou dois anos + os doutorados e pós-doutorados: O objetivo aqui é formar “seres pensantes”. A universidade aqui é principalmente ligada a reflexão, ao domínio de conceitos, a capacidade de analisar e resolver problemas complexos. Os cursos são principalmente teóricos, muitas vezes não tendo nenhum tipo de prática na graduação, essa chegando somente nas pós-graduações. O ambiente é normalmente mais relaxado, não existindo tanto controle e se assemelhando um pouco mais ao Brasil. (Claro com muita diferença quando o assunto é infraestrutura etc).
Acho importante então, quando a ideia é fazer a graduação por aqui, de prestar bastante atenção em qual tipo de ensino se enquadra a sua área, conhecer bem o programa da escola que você está pensando frequentar e ver depois quais serão suas possibilidades de atuação. Principalmente se o plano é depois voltar para o Brasil, onde algumas vezes, o currículo disciplinar é bem diferente.
É importante saber também que o ensino de tipo curto não te garante um acesso direto ao mestrado na Bélgica, mas que muitas universidades oferecem o que eles chamam de “cursos de passagem”, que são cursos complementares de um ano, os quais possibilitam o acesso a mestrados de certas áreas próximas da sua formação.
Curiosamente, por conta da convenção de Bolonha você normalmente pode ter acesso direto a mestrados de outros países europeus sem passar por esse “curso de passagem”. (Para ter certeza do acesso é necessário ver caso a caso, pois é uma questão de crédito e currículo).
Ainda existe o ensino superior alternativo, que são as formações de promoção social, estas dão diplomas de bacharelados profissionalizantes parecidos com os das escolas superiores de tipo curto. São formações mais voltadas para as pessoas já inseridas no meio profissional ou que estão à procura de trabalho, por isso os horários são mais adaptados. O grande problema dessas escolas pra brasileiros é que normalmente elas não permitem obter o visto de permanência, só em casos de exceção.
Tendo finalmente em mente qual o ensino que você vai seguir aqui e sabendo a instituição, será necessário se preparar para se inscrever e na minha próxima postagem eu irei explicar melhor o que é preciso para encarar essa parte de burocracia e afins.
27 Comments
Há três dias quero comentar o seu texto… Mas sou meio louca, Bia… Já sabe! Hehe!
Eu adorei as dicas. Acho importante saber informações sobre os cursos oferecidos nos países, como a duração e o que contém. Sabe, Bia, eu gosto desse sistema de ensino, que separa a prática do pensador… Acho que se formam pessoas muito mais conscientes na Europa, pessoas que entendem que precisam trabalhar para que possam crescer. O que vejo no Brasil é um bando de pessoas recém-graduadas e sem experiência que acredita saber tudo… Talvez isso seja problema cultural e não da forma de ensino também… Não sei. O que você acha?
Um beijo!
Tati, desculpa a demora! Eu tinha lido a sua resposta, mas acabei me enrolado aqui!
Então, primeiro eu acho que essa divisão de pratica e de pensar causa um certo abismo e até mesmo uma falta de equilibrio, uns faltam a realidade de terreno e acabam fazendo coisas meio absurdas (e não é só coisa daqui, via acontecer bastante com algumas pessoas da acadêmia brasileira) o outro é uma falta de visão macro e análise mais reflexiva pra galera da ação. Pra mim precisa haver harmonia entre prática e pensamento.
Fora isso o grande problema é que essa divisão aqui na Bélgica francófona vem vindo desde o sistema básico. A Bélgica fica “empurando” alunos que não estão conseguindo acompanhar as aulas pra níveis menos exigentes e no final, essas mesmas pessoas acabam na verdade não chegando mais preparadas pra coisa nenhuma e tento muitas vezes o acesso a curso universitários negados e podendo ir somento pras escolas superiores e promoção social. Chegando lá, muita coisa que deveria ter sido explicada e tida como matéria dada no ensino básico e fundamental tem que ser dada de novo ou reinforçada. Como na minha escola que a galera chega no primeiro ano e tá aprendendo a fazer dissertação ainda! Está tendo no final uma crise bem grande por conta disso… Reformularam o programa da minha escolaq por conta de muitas faltas de bases, principalmente em francês.
Talvez a galera das Universidades (os pendadores) daqui pode até ter essa postura que você falou, com o problema de que no final muitas delas estão ficando desacreditadas porque um diploma já não serve pra mutia coisa (desemprego na Bélgica é de 9% e em Bruxelas de quase 30% pros jovens). E eu tive pouca experiência no mercado de trabalho no Brasil (trabalhar em livraria de shopping não é assim algo que possa considerar grande experiência né?) mas se ouço algum elogio aos brasileiros é que são mais dinâmicos e com mais iniciativa que a galera daqui…
No final, acho que cada país tem sua vantagem e desvantagem, o importante é também aproveitarmos o melhor que cada um pode oferecer! 🙂
(foi mal escrevi um textamento hehehe)
Adorei !!! parabéns pelo texto, ótimas dicas.
Obrigada Emilia!! 🙂
bjks
Bia super bem escrito e estruturado seu texto! Parabens, quanto ao conteúdo, achei interessante o comentário da Tati, e queria acrescentar somente mais outra perspectiva, na Alemanha e aqui na Suica o sistema é bem parecido, e segundo dados econômicos, este tipo de estrutura permite ter profissionais de alta qualificação em suas áreas e funções especificas, e mostra que em países onde este tipo de sistema é aplicado, existe maior flexibilidade no mercado de trabalho assim como uma remuneração mais balanceada, uma vez que mesmo os profissionais de terreno, como você se referiu, são bem remunerados, eu diria que tem mais um foco de fornecer profissionais pra industria, e outros pra parte quaternária da economia onde se encontra R&D e educação, invenção nas universidades e cooperação entre as mesmas, o governo e industria. Aqui o texto discutido no World Ecpnomic fórum em Davos este ano sobre a questionamento sobre estarmos tendo desemprego de jovens excessivamente qualificados com MBA, PHD’s e faltando mao de obra qualificada pra trabalhar na industria e quando digo industria me refiro também a parte de negócios, não tem como todo mundo ser DR, diretor, vice-presidente, manager, líder, etc e tal, precisamos de pessoas pra fazer o serviço de base, que a cada dia se torna mais e mais qualificado e demandando pessoas inteligentes, ágeis, bem informadas, competentes em áreas humanas, culturais, tecnologia, sociais. Por outro lado acho interessante de ver que meus alunos se formam e fazem todos os títulos possíveis, mas querem uma vida balanceada entre trabalho e tempo livre, família, hobbies, estudam demais por acharem que serão mais competitivos pro mercado, mas existe uma dislexia em relação a ideia de carreira em higher management. Muitos querem tambem se tornar entrepreneurs , mas sem trabalhar demais, o que é legitimo, a questão é se é feasible nesta idade e sem experiência. hehehe comecei a fazer discurso né, desculpa hehehe é que o assunto é de meu mais alto interesse como professora universitária, empresaria, e ativa em fóruns internacionais . Adorei sua postura de colocar o assunto e trata-lo de forma tao informativa! namasté 🙂 e PARABENS PELO TEXTO!!!!! 🙂
Nossa Ana, agradeço muito que tive uma bela aula nos comentários!! A minha area é levemente diferente, mas toca bastante o que você disse, afinal me interessa bastante o setor associativo que muitas vezes tem muitas características que você falou, né?
😀
Eu gostei muito do comentário da Tati! (Demorei mas fiz quase outro texto pra responde-la porque me interessa muito o debate hehehe) O que me preocupa aqui é que, pelo menos em Bruxelas, a divisão vem já do ciclo básico e então muito desse modelo acaba diminuindo a mobilidade social: quem tem meio tem mais chances de conseguir se dar bem na escola, faz linguas antigas/matemática no fundamental e vai pra universidade… Quem não tem vai pra escola profissionalizante e com sorte faz a promoção social.
Mas o que você falou me interessou, realmente é preciso pensar esse desafio de formar gente pra todos os níveis e principalmente, com uma boa preparação. É preciso ter cooperações e principalmente trazer a realidade pra sala de aula tendo muito de prática! Mas acho que não podemos esquecer totalmente o pensar nesses casos. Criar pessoas com senso crítico, capacidade de análise e também, muita criatividade! Pra mim o equilíbrio entre os dois é o ideal! (e o mais dificil sempre né?)
Isso de vida balanceada eu também acho muito legal, é algo que eu vi muito mais aqui na Europa e acho bem interessante (de novo o equilíbrio heheheh) e acho que dá até pra fazer um texto inteiro sobre isso! 😉
Bjks
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Oi Bia, venho aqui por a minha História para vc ver se pode me dar alguma informação…
Vim estudar na Bélgica em Liegi, meu diploma de ensino secundário e de Portugal, eu sou brasileiro mas tenho passaporte Italiano, Tive então que enviar o diploma para Bruxelas onde eles depois de 3 messes me reenviaram dizendo que eu somente posso frequentar o ensino superior de tipo curto.
Quando fui fazer a matricula na “Université de Liège” eles não aceitaram porque na folha que a federação la de Bruxelas me mandou tinha dizendo isso do tipo curto, no entanto, eles me informaram que eu para conseguir o acesso a Universidade “tipo longo” teria que fazer uma prova chamada (DAES) no momento ainda não sei sobre o que se trata essa prova. O conselho que eles me deram foi fazer um desse cursos de tipo curto e depois um master na “ULG” só que não conhecendo muito bem esse tipo de curso criou-me então uma duvida, se um dia voltar para o Brasil com um diploma desse ensino superior de tipo curto vai valer a pena ter estudado fora do pais ?!?!
Olá João Paulo, gostaria de saber como funcionou para você entrar na Bélgica com o passaporte italiano. Eu também estou indo para lá e como cidadão italiano não preciso de visto. Gostaria de conversar um pouco sobre isso.
Dag Bia, Encontrei esse artigo por um acaso e achei muito interessante até. Eu ja moro na Bélgica a um ano e meio, sou casada com um Belga, e o meu maior problema é a lingua. Eu necessito falar a lingua daqui antes de tentar uma universidade. Porque eu não falo ingles, franses, alemão. Falo apenas portugues e um pouco neerlandês. Para mim não tem problema esperar mais um pouco, mas eu tenho uma curiosidade de saber com um estrangeiro consegue estudar em um outro pais. Meu irmão quer estudar aqui para depois voltar para o Brasil. E eu não sei como ajuda-lo. Você tem alguma dica?
Boa tarde Bia, tudo bem? Obrigada por esclarecer algumas dúvidas. Por favor, você sabe como funciona o programa de Mestrado para alguém que já fez o bacharel no Brasil?
Sou Psicóloga e no Brasil a formação é de 5 anos, como será que funciona a questão dos pontos?
Obrigada.
Beijos.
Tamiris
Oi Bia ! Parabéns pelo texto, você escreve muito bem e é muito esclarecida ! Gostaria de saber onde você cursou Serviço Social, em qual Instituição, pois quero frequentar esse curso na Bélgica também ..Obg pela atenção !
Eu tenho licenciatura em Pedagogia, o que é preciso para dar sequência nos estudos na Bélgica, como pós graduação, mestrado, doutorado?
Muito bom o texto, todas as explicações tudo muito fácil de entender!
Olá,
Para quem não conhece a língua tem como se inscrever em cursos de língua para estudar na Bélgica? Eu estou buscando algo nesse sentido, eu gostaria de ir para ficar 1 ou 2 anos estudando línguas na Bélgica…
Olá. A Bia parou de colaborar com o blog. Procure textos de nossas outras colunistas na Bélgica: Ana Laura, Marcela e Tábata e faça sua pergunta nos comentários dos textos delas.
Obrigada!
Edição BPM
Oii Td bem?
Estou fazendo intercâmbio na Irlanda e ano q vem vou ingressar em uma faculdade e ainda estou na dúvida se vale a pena fazer uma faculdade aqui na Europa ou se é melhor voltar para o Brasil se vc puder me ajudar nessa escolha falando mais sobre oq vc esta achando e qual país vc me indicaria(bom e acessível) eu seria muitooooo grata pq eu to bem perdida kkkkkkk
Bjsss obrigada
Vc teria alguma informação sobre a educação do ensino fundamental? Tenho uma filha de 6 anos e queria entender melhor como funciona a escola infantil em Bruxelas.
Oie Bia, ficou uma duvida; Com o visto de estudante vse sabe se o estudante pode trabalhar?? ou melhor ter um job d’étudiant?
Adriana, a Bia parou de colaborar conosco, porém temos outras colaboradoras na Bélgica. Entre em contato com elas acessando os textos mais recentes publicados sobre o país.
Obrigada,
Edição BPM
Olá! Sou formada em Direito e tenho a possibilidade de obter a dupla cidadania holandesa. Queria cursar Ciências Sociais em Ghents. O que preciso fazer?
Olá! Bia eu sou a Vitória tenho sonho de morar em Bruxelas e logo logo irei para lá você sabe me informar se ai tem universidade de Agronomia procurei só que não obtive resultados precisos e obrigada pelo o conteúdo… Agradeço desde já !
Olá Vitoria,
A Bia Noronha parou de colaborar conosco, mas temos outras colunistas na Bélgica que talvez possam te ajudar.
Você pode entrar em contato com elas deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM
Boa noite!
Estou cursando o curso de Letras Libras (Língua de sinais) e estou interessado em estudar este mesmo curso aí em Bruxelas por ter parentes aí ou em Paris, porém estou bastante perdido por onde começar e para piorar não sei francês. Além de começar a estudar francês, como começar?
E o mais importante, consigo trabalhar e estudar? Pois minha mãe não tem condições de me sustentar.
Agradeço a ajuda!
Olá João Pedro,
A Bia Noronha parou de colaborar conosco, mas temos outras colunistas na Bélgica que talvez possam te ajudar.
Você pode entrar em contato com elas deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM
Boa noite,
Sou assistente social brasileira e tenho muita curiosidade acerca da nossa formação no exterior. Vc poderia me passar seu email para dialogarmos?