Renata Medeiros Usberti é fonoaudióloga, formada pela PUC-Campinas. Casada e mãe de dois filhos, levava uma vida confortável no Brasil, estava no auge da sua carreira profissional a ponto de voltar ao meio acadêmico fazendo um mestrado e firmar parcerias com outros profissionais de saúde, quando o marido brasileiro recebeu uma proposta de trabalho na Alemanha. Deixaram tudo para trás para encarar o desafio de morar no exterior e começar a vida do zero. Em entrevista ao BPM, Renata conta como foi a sua trajetória nos primeiros anos na Alemanha e o árduo caminho que trilhou até conseguir uma colocação como fonoaudióloga no interior de Baden-Württenberg, na cidade de Schriesheim.
BPM – Conte sobre os primeiros tempos na Alemanha, as principais dificuldades e os maiores desafios.
Os primeiros tempos foram muito difíceis, eu nunca tinha saído do Brasil, não tinha a menor noção de como seria. Eu caí de paraquedas na Alemanha sem saber falar alemão, meu inglês era de sobrevivência. O maior desafio no começo foi entender como o país funciona, aprender o idioma, integrar meus filhos no Kindergarten, que é um esquema bem diferente das escolas que estamos acostumados no Brasil, aprender a viver no inverno alemão. O primeiro ano foi de adaptação e aprendizado.
BPM – Quando você acabou o curso B1, achou que já estivesse apta a procurar emprego na sua área. Como foi essa experiência.
Em novembro de 2014 mudei-me para a Alemanha, em fevereiro de 2015 comecei as aulas de alemão. Terminei o curso básico em agosto e em outubro fiz a prova. Passei na prova de B1 e fiquei super feliz com o resultado e a conquista, sentindo-me realizada. Com esse certificado eu marquei uma reunião no IQ-Netzwerk, que é uma associação que ajuda os estrangeiros a reconhecer diplomas na Alemanha. No dia da entrevista na IQ-Netzwerk, a moça foi bem categórica comigo: “Infelizmente com o B1 você não vai conseguir trabalhar como fonoaudióloga, porque para reconhecer o diploma você precisa de no mínimo o C1 (nível avançado)”. Aí, ela me deu uma lista enorme de documentos exigidos para o reconhecimento. Eu não tinha ideia que todo esse procedimento seria tão burocrático e demorado. Eu fiquei muito frustrada e desanimada com essa notícia, mas sempre encontrei pessoas que me incentivavam e não me deixavam desistir.
BPM – Você procurou um estágio num consultório de fonoaudiologia. Como se deu essa oportunidade e o que resultou dela?
No início de 2018, tive uma consulta com o pediatra dos meus filhos, que sabia que eu sou fonoaudióloga e sempre me perguntava se eu já havia conseguido reconhecer o diploma. Eu disse que não e perguntei porque ele estava questionando isso. Ele então falou que a fonoaudióloga da clínica onde eles trabalhavam estava procurando um profissional e me recomendou falar com ela. Diante dessa informação, eu resolvi bater na porta do consultório dela com os meus dois filhos. Ela achou a situação muito inusitada, da forma como eu me apresentei, expliquei a ela que eu gostaria de trabalhar na área mas ainda não tinha o diploma reconhecido. Pedi, então, a ela que me desse uma oportunidade de estágio, para eu ver como é a profissão na Alemanha. Ela foi pega de surpresa com a situação não esperada, mas não me dispensou. Marcamos um outro encontro e foi assim que me apresentei a ela, ainda sem o certificado do C1 e sem o diploma reconhecido. Ela me deu a oportunidade de fazer um pequeno estágio de duas semanas, até eu recomeçar o curso de alemão, e deixou as portas abertas para que eu voltasse após concluído o curso. Foi isso que eu fiz, após concluído o C1 e ter passado na prova, fiz um estágio de três meses nesse consultório, que também era exigência para o reconhecimento do diploma. Após o reconhecimento, fui contratada e trabalho lá até hoje.
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BPM – É necessário o reconhecimento do diploma de fonoaudiologia para trabalhar na área na Alemanha? Qual o procedimento a ser feito?
Sim, é necessário o reconhecimento do diploma brasileiro para atuar como fonoaudióloga na Alemanha, mas os requisitos para o reconhecimento diferem de estado para estado. Eu recomendo que a pessoa que queira fazer esse procedimento entre no site do Ministério de Educação para Estrangeiros. O Ministério está dividido em estados, a pessoa clica no estado em que ela mora e dentro do estado, ela encontra um telefone de contato do departamento que faz reconhecimento de diploma estrangeiro, que é o Regiriumspräsidium e lá eles têm a lista exigida de documentação. Para o estado de Baden-Württenberg, eles exigem o C1 (no mínimo) e todos os documentos necessários: certidão de nascimento, casamento, passaporte, histórico escolar da universidade, diploma, tudo no original e traduzido para o alemão de forma juramentada. Depois de reunida a documentação, eu aconselho a entrar em contato com a associação IQ-Netzwerk e marcar um horário com um dos conselheiros para levar a documentação exigida para ser avaliada por eles.
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BPM – Quais são as áreas da fonoaudiologia mais requisitadas no mercado de trabalho alemão?
Todas. Existe uma escassez de profissionais de fonoaudiologia na Alemanha. As principais áreas, entretanto, são as ligadas à geriatria (disfagia, mecânica de neurogênica) e à crianças bilíngues e plurilíngues (há necessidade de mais pesquisa nessa área e profissionais que tenham experiência em trabalhar em casos de desenvolvimento de fala e linguagem com crianças bilíngues).
BPM – Como você vê a aceitação de uma brasileira profissional na área pelos pacientes alemães?
Eu tenho aceitação muito positiva por parte dos meus pacientes. A maioria deles são idosos e eles não se incomodam pelo fato de eu ser brasileira, muitos elogiam o meu alemão, o meu esforço em falar bem o idioma deles. O importante é oferecer uma melhora na qualidade de vida dos pacientes. Se você é estrangeira e oferece essa melhora, isso é o mais importante, independe da origem do profissional. Muitos desses idosos são sozinhos, eles são carentes, precisam de pessoas que lhes deem atenção, que os escutem, que os enxerguem como ser humano, que tenha uma abordagem mais global e humanizada. Nós brasileiros temos essa aproximação, somos um povo mais afetivo e isso nos aproxima do paciente, que é extremamente importante para o sucesso da terapia.
BPM – Qual a dica que você daria a profissionais que estão em busca de uma colocação como fonoaudiólogo na Alemanha?
Eu diria o seguinte: não é fácil. O processo de reconhecimento de diploma de fonoaudiólogo é lento, burocrático e caro, mas não é impossível. Falar alemão é imprescindível para quem quer reconhecer o diploma, é o primeiro passo. Depois eu diria que descobrir se a universidade que a pessoa estudou no Brasil é reconhecida na Alemanha, outrora não adianta dar entrada no procedimento. A pessoa deve se informar antes de mudar de país, ver a lista de todos os documentos necessários, ver se a faculdade preenche os requisitos para ser reconhecida na Alemanha, falar alemão, estar sempre aperfeiçoando o idioma, aprender os fonemas da língua alemã, a tabela, o quadro fonológico, fazer um estágio de observação antes de dar entrada no processo de reconhecimento de diploma para saber como um profissional trabalha aqui e para ter certeza de que é isso que ela quer.
2 Comments
Mais um exemplo de que um “não” pode ser o começo e não o fim de uma batalha! Cidades longe dos centros urbanos têm uma demanda grande por profissionais de diversas áreas e isso pode ser uma oportunidade para pessoas que vêm de fora.
Olá Renata,
eu sou radiacada na Alemanha e tenho dois filhos nascidos aqui. O mais velho de 5 anos fala fluentemente português, mas tem aquele sotaque no R. Na nossa última viagem pro Brasil ele se encomodou demais com as pessoas comentando isso. Ele me pediu ajuda (e eu fiquei de coracao cortado). Conversei com a pediatra e ela deu o papel com indicacao para fono, mesmo ela nao conseguindo ouvir o problema (a pronuncia dele em alemao sempre foi perfeita, inclusive ele nunca falou como bebê). O problema é que nao encontramos nenhuma fono aqui que pudesse nos ajudar. Nós moramos em Freiburg.
Você conhece alguém que nos possa ajudar?
Obrigada,
Elisa