Sete anos em busca de um emprego na Alemanha.
A brasileira Renata Montenegro nos conta a sua história de resiliência, persistência e a luta para conseguir um emprego na Alemanha em sua área de formação. Casada com um alemão, veio para terras germânicas com uma filha bebê, sem falar o idioma. Ficou em casa até conseguir vaga na creche para suas filhas e, então, começou a sua luta pela conquista de uma oportunidade no mercado de trabalho. Após sete anos de muito afinco, finalmente encontrou o emprego com o qual sempre sonhou.
BPM – Qual a sua formação e em que países você morou?
Eu fiz veterinária na UFMG, mestrado na área de produção de ovinos na UNESP de Botucatu, e depois fiz meu doutorado na Massey University Nova Zelândia e lá eu trabalhei com biologia molecular e fotoperíodo. Conheci meu marido alemão na Nova Zelândia e decidimos ir para o Brasil, onde continuei trabalhando na área de pesquisa mesmo sem estar satisfeita com esse trabalho. Depois de dois anos no Brasil, resolvemos aceitar uma proposta de trabalho que ele recebeu para ir à Irlanda.
Na Irlanda eu não consegui visto de trabalho, eu estava somente como esposa e não podia trabalhar. Nesse período eu engravidei, tive minha primeira filha e quando ela estava com dois meses nos mudamos para a Alemanha para começar a nossa vida aqui.
BPM – Como foi essa primeira fase na Alemanha?
Os primeiros anos na Alemanha foram muito difíceis, pois eu não falava alemão, tinha uma filha bebê e não podia fazer nada, nem frequentar um curso de alemão. Por eu não estar trabalhando, não tinha direito a uma vaga na creche para a minha filha. Existem cursos para mães com filhos, com cuidadoras de crianças, mas esses cursos são pagos e nós não tínhamos condições de pagar. Então, eu fiquei em casa cuidando da minha filha. Aprendi a falar alemão pela necessidade de conversar e eu ia falando com as pessoas, mas mesmo assim o nível nunca foi bom o suficiente para procurar emprego.
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BPM – Como foi o processo de busca por um emprego na sua área na Alemanha?
Na época em que eu me informei sobre os requisitos para reconhecer o meu diploma de veterinária, eu desisti imediatamente, pois a informação que obtive era de que eu teria que fazer mais uns três anos de faculdade e tudo em alemão. Eu não queria isso, afinal já tinha mestrado e doutorado, e não queria mesmo trabalhar como veterinária.
Nessa situação, resolvi trocar de ramo e fiz cursos de qualidade de alimentos. O primeiro curso fiz em Portugal e segundo curso fiz em New Castle, quando estava grávida da minha segunda filha.
Desde a conclusão dos cursos eu vinha me candidatando para vagas nessa área, mas sem sucesso. Meu problema foi que, eu era muito graduada para os cargos para os quais eu me candidatava e não tinha experiência na área na qual eu queria trabalhar.
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BPM – O que você fez então?
Eu nunca desisti, eu ficava louca, chorava, dizia que queria ir embora, e realmente nós tínhamos um deadline, pois eu estou com 47 anos e não tenho mais a flexibilidade de uma jovem de 20 anos. Apesar de sempre receber respostas negativas, eu continuava me candidatando para vagas de emprego que achava interessante.
Somente em 2014, depois que eu consegui vaga na creche para a minha segunda filha, fui procurar ajuda na Agência de Trabalho, e aí eles me pagaram um curso de alemão e cursos para eu aprender a fazer currículo e me preparar para entrevistas.
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BPM – O que te deixava mais frustrada, irritada nesse processo todo?
O mais frustrante eram as entrevistas, porque tudo o que você fala está errado, eu realmente não entendo o processo de entrevistas aqui, porque eles querem sempre tudo perfeito, respostas perfeitas e isso não existe.
Quando eu era convidada para uma entrevista, uma das perguntas fatalmente era: “O que a senhora está fazendo para melhorar o seu alemão?”. Essa pergunta me deixava extremamente irritada, pois, se eu não tenho oportunidade para praticar o idioma, como vou melhorá-lo? O que eles não entendem é que se você ficar só fazendo cursinho, não há a oportunidade efetiva de usar seus conhecimentos e praticar o idioma. Em um mês de trabalho eu desenvolvi muito mais o alemão que vários meses de curso.
Acredito que falta aos alemães um pouco de visão, de arriscar, de acreditar que as pessoas são capazes e que o idioma pode ser uma barreira inicial, mas que é superada quando se dá oportunidade às pessoas. Acredito que eles perdem muita gente boa por aí pois tem muitas mulheres capazes no mercado que são descartadas somente porque não dominam perfeitamente o alemão. Falta a visão no sentido de que, se a pessoa tem a oportunidade, o vocabulário vem, a desenvoltura no idioma vem, e na verdade o que importa é o que a gente tem dentro da cabeça, esse potencial eles não veem.
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BPM – O que te motivava a seguir em frente?
A coisa mais importante para mim é o exemplo que eu dou para as minhas filhas, eu não queria de maneira nenhuma que elas achassem que meu lugar é em casa, a gente tem que ensinar às nossas filhas a pôr a cara no mundo, a não ter medo, a ser independente financeiramente. Além disso, temos que usar a cabeça, eu estudei, eu me formei, eu quero usar minha capacidade e temos que ensinar isso às nossas filhas. Minhas filhas acompanharam todo o processo de luta, elas viram o meu desespero, as minhas crises, as minhas frustações, e isso é muito importante para o aprendizado, para ver que nem tudo na vida é fácil.
BPM – Depois de muitos anos de procura, você finalmente encontrou um emprego na sua área. Conte como foi a candidatura para esse emprego e a entrevista.
Eu me candidatei para uma vaga na produção e, por sorte, meu CV não caiu no departamento de recursos humanos e, sim, direto para o meu chefe. Ele, por sua vez, é austríaco, não fez nenhuma daquelas perguntas que você é treinada a responder e ele me perguntou muito diretamente porque eu, com aquele CV, queria trabalhar na produção. Respondi muito francamente: Porque eu não tenho experiência, quero trabalhar com qualidade de alimentos, sou estrangeira, não falo bem o alemão, mas tenho que começar de algum lugar e estou em busca de uma oportunidade.
Novamente tive a sorte de chegar no momento em que uma das funcionárias que trabalhava em tempo parcial na área de qualidade de alimentos, tinha acabado de pedir demissão e a outra que dividia o cargo com a colega não estava dando conta do trabalho. Meu chefe, então, me ofereceu para trabalhar metade do período na área de produção e a outra metade aprendendo na área de qualidade. Atualmente, passei no período probatório e trabalho em tempo integral em qualidade de alimentos.
BPM – Qual o conselho que você daria às leitoras que estão passando por esse processo?
Nunca desista, fale sempre com as pessoas e aproveite todas as oportunidades que lhe oferecerem.
4 Comments
Admirável, Renata Montenegro! Parabéns por não ter desistido e por ter buscado “(in)cansávelmente” caminhos e opções para seguir em frente. Senti sua angústia ao ler o texto e acredito que muitas de nós vão se identificar com sua trajetória. Sete anos de muito aprendizado, cuidando das filhas bebês, estudando um idioma, compreendendo uma cultura nova e, principalmente conhecendo seus limites e suas competências. Você é uma vencedora!
Definitivamente os sete anos não passaram em vão. Como a própria Renata sempre fala: somos todas vencedoras!
Adorei e digo que é o mesmo cenário aqui na Holanda.
Abs
Cintia
Parabéns pela perseverança!
Digo que estou passando por situação similar. Depois de ler inúmeros sites de que ” o momento de ir para a Alemanha é agora”…trouxe para cá (Alemanha) duas graduações e dois mestrados na Unicamp na área de engenharia e nível B1 de alemão. Mais de 400 CV’s enviados, e somente 3 entrevistas com a mesma resposta. ” Desculpe mas buscamos profissionais com nível C1.
Você que tem o sonho como eu tive. Não desanime, porém não pense que será fácil como eu pensei que seria baseado em outros post disponível na net.
Boa sorte a todos nós.