Greve das mulheres, umas marcha pela igualdade.
Quem segue meus posts, já viu que eu tenho uma paixão particular pelas manifestações políticas que acontecem em Genebra. Leia aqui.
Já falei sobre os protestos diários e sobre a minha participação nas passeatas em homenagem a Marielle Franco, a vereadora defensora de Direitos Humanos, assassinada no Brasil, então não poderia deixar de falar sobre uma das mais emblemáticas manifestações de Direitos Humanos na Suíça, a Greve das Mulheres. Foi um momento histórico absolutamente emocionante.
O fato é que apesar de ser uma país próspero, detentor de paz e equilíbrio social, a Suíça não tem como ponto forte a igualdade de gênero. Para se ter uma ideia, a elegibilidade das mulheres na Suíça, foi aprovada apenas em 1971 (ainda assim, a proposta não ganhou em oito cantões) e o termo igualdade só entrou na Constituição Federal em 1981. Dez anos depois, apesar das mudanças legais, a situação das mulheres permanecia ruim, então alguns coletivos aproveitaram o ano de diversas celebrações históricas (sétimo centenário de criação da Suíça, 10 anos da inclusão do termo igualdade na constituição e 20 anos de direito a voto) e lançaram a primeira greve feminista na história da
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O evento surpreendeu! Cerca de 500 mil mulheres (em um contexto de 4 milhões de habitantes) saíram dos seus trabalhos para apoiar a greve na ocasião. A proposta dos organizadores deste ano, era repetir o sucesso da greve inicial, o que de fato aconteceu. Mais de meio milhão de pessoas foram às ruas para somar-se à manifestação e muitas das que não puderam ir, trabalharam de lilás, ostentando um bottom na lapela, onde se lia: Eu apoio as mulheres que estão nas ruas. Aliás, me impressionou o quanto a sociedade como um todo, se envolveu. Nos comércios, haviam produtos específicos celebrando a marcha, de cupcakes a bijouterias. A cidade se enfeitou para a greve. Como um Natal feminista.
Em uma loja de doces, parte das funcionárias atendia vestida de Mulher Maravilha, Frida Kahlo e outros ícones, enquanto a outra parte foi liberada para marchar, sem perda de salário. Aliás muitas empresas colaboraram, liberando suas funcionárias.
A greve das mulheres aconteceu simultaneamente em toda a Suíça e teve, além da marcha, várias atividades desde o início da semana que antecedeu a greve, como piqueniques, encontros e debates.
Uma manifestação necessária
Trinta anos depois da inclusão do termo da igualdade ser adicionado à Constituição, as mulheres suíças continuam recebendo cerca de 20% menos do que os homens. E em igualdade de condições, incluindo treinamento e senioridade, a disparidade salarial ainda está próxima dos 12% segundo o governo. Para piorar, 40% desta diferença não acontece por causa de experiência, treinamento especializado ou pela posição hierárquica.
Na política, a participação feminina atinge 28,9% e no setor econômico, a participação em posições de gerência é de apenas 36%.
A violência doméstica e sexual afeta uma em cada cinco mulheres na Suíça. De acordo com a Anistia Internacional uma mulher morre vítima desse tipo de violência a cada duas semanas (nem se compara com o feminicídio no Brasil, onde a cada quinze minutos, uma mulher é assassinada, mas ainda assim é preocupante).
Há outras aberrações inimagináveis, para um país considerado por muitos como um berço dos Direitos Humanos, como o fato de que a definição legal de estupro na Suíça resume-se apenas aos casos onde haja a penetração de uma vagina por um pênis. Até no Brasil esse conceito já evoluiu há um certo tempo.
Claro que existem iniciativas relevantes, como a descriminalização do aborto e a licença maternidade paga de catorze semanas, mas a licença paternidade ainda não existe (pasme!) e o número reduzido de lugares-creche está provando ser uma grande desvantagem para a participação das mulheres na vida profissional. Até porque há um detalhe curioso na Suíça: escolas e creches de educação infantil não funcionam às quartas-feiras.
A ideia inicial era que as crianças pudessem ter um dia da semana dedicado a conviver com a família, na verdade com a mãe. Essa regra vem do tempo em que a mãe supostamente só trabalhava em casa e não tinha uma vida profissional ou uma carreira para administrar. O tempo mudou e a regra não, então quartas-feiras são dias de angústia para muitas mães que têm que correr atrás de babás, creches por um dia, amigas e vizinhos para deixar as crianças em segurança enquanto correm para trabalhar. Quando nenhuma dessas alternativas funciona, o jeito é carregar a criança pro trabalho. Imagina só o transtorno!
Enfim, motivos para marchar não nos faltaram. Fora as pautas comuns, diversos grupos empunhavam bandeiras próprias.
Feministas libertárias marchavam desnudas pelo direito de exibir os seios tal qual os homens fazem com seu peitoral ao lado de muçulmanas, que marchavam pelo direito de usar o véu (proibido em algumas escolas e instituições). Católicas e Protestantes traziam sua própria lista de reivindicações, assim como as imigrantes.
Havia também uma parte das manifestantes que levou bandeiras de outros países, em especial os que estão sofrendo mais com políticas misóginas, lgbtfóbicas e de desrespeito aos Direitos Humanos. Para nossa vergonha, éramos parte dos países que receberam solidariedade por estarem enfrentando violentas perdas com relação aos Direitos das Mulheres. Uma pena, mas receber a solidariedade internacional, de alguma forma aqueceu meu coração.
Uma coisa muito criativa foram as intervenções artísticas e as instalações espalhadas pela cidade. Em cada escultura ou estátua de um homem ilustre, colocaram a foto e uma minibiografia de alguma mulher igualmente relevante, porém invisibilizada. Caminhar pela cidade com a Khadija buscando essas personalidades femininas foi muito divertido.
A tônica da greve foi o respeito mútuo. A sororidade era espalhada por entre sorrisos e flores. Fiquei imaginando quão lindo seria um mundo onde a força feminina e a prática feminista fossem mais do que uma expectativa.
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Principais reivindicações
Respeito ao trabalho feminino e igualdade de oportunidades para homens e mulheres.
Tolerância zero ao sexismo e assédio sexual.
Fim da violência contra as mulheres.
Tempo para treinar e perspectivas profissionais.
Pagamento igual por trabalho igual.
As reivindicações são muitas e as pautas diversas, mas o que mais me emocionou foi ver que a pauta de Direitos é tratada como uma coisa que pertence à sociedade como um todo. Não tem essa de direita e esquerda, de bruxa ou cristão.
Guardadas as suas diferenças, a máxima: Aquilo que nos une é maior do que aquilo que nos separa – deu o tom da greve. Mulheres diferentes marchando juntas por seus direitos. Cantando juntas por respeito. De mãos dadas por liberdade.