Em clima de “Dia Internacional da Mulher”, acho que é válido pensarmos na igualdade de gênero. O próprio dia 8 é um dia para se comemorar atos extraordinários das mulheres e reforçar a sororidade para promover a igualdade de gênero em todo o mundo.
Mulheres sofrem, ainda hoje, pelo simples fato de serem mulheres. Somos menosprezadas, recebemos um salário menor exercendo a mesma função – e muitas vezes trabalhando mais.
Muitas de nós lavam as roupas, limpam o chão, lavam o banheiro, a varanda e a garagem. Cuidamos dos filhos, dos cachorros… Fazemos a tarefas de 10 pessoas e não somos reconhecidas. Somos “do lar”. Ou, em inglês, housewife.
É um tema tão importante, tem sido uma das duas prioridades globais da UNESCO desde 2008. São 11 anos em busca de políticas.
“Conforme as definições internacionais, igualdade de gênero refere-se à igualdade em direitos, responsabilidades e oportunidades das mulheres e dos homens, bem como das meninas e dos meninos. Igualdade não significa que mulheres e homens são os mesmos, mas que os direitos, responsabilidades e oportunidades dos homens e das mulheres não devem depender do fato de nascerem do sexo masculino ou feminino. Igualdade de gênero indica que os interesses, necessidades e prioridades de homens e mulheres devem ser levadas em consideração, reconhecendo a diversidade dos diferentes grupos de homens e mulheres. A igualdade de gênero não é uma questão das mulheres, mas deve envolver igualmente homens e mulheres. Igualdade entre mulheres e homens é uma questão de direitos humanos e também condição para e indicador de desenvolvimento sustentável centrado nas pessoas. Para que seja plenamente alcançada, deverá incluir as especificidades de mulheres negras, indígenas, quilombolas, lésbicas e bissexuais, pessoas trans, entre outras.”. Glossário da ONU.
A UNESCO considera a igualdade de gênero um direito humano fundamental, um elemento essencial na construção da justiça social e uma necessidade econômica.
A Declaração do Milênio e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio foram abraçados por todos os Estados membros da ONU e definiram um conjunto de metas para promover, para ser atingido até 2030, dentre vários problemas sociais, a igualdade de gênero.
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O objetivo 5, que trata da igualdade de gênero, tem 9 pontos que abrangem: eliminar discriminação, violência, práticas sexuais (tráfico, mutilações genitais, casamento forçado ou prematuro), reconhecimento do trabalho doméstico, assegurar a participação em todos os níveis de tomada de decisão e o acesso á saúde sexual e reprodutiva.
Seguindo a Agenda 2030 da ONU, os Emirados Árabes Unidos possuem uma página na internet que apresenta as políticas e resultados obtidos aqui nos Emirados.
Embora hajam esforços de entidades mundiais como a UNESCO e a ONU, sabemos que o nosso dia a dia não é assim tão igualitário. A gente sabe que a igualdade de gênero existe só no papel, como na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Temos acompanhado a tendência de aproveitar uma premiação para fazer um discurso político. Em 2015 foi a chance da atriz Patricia Arquette trazer luz à igualdade de gênero. A atriz lembrou que atrizes e atores de Hollywood recebem salários com disparidade monstruosa. Três anos depois a lista da Forbes mostra que, entre as 10 celebridades mais bem pagas do mundo, 2 são mulheres.
Só pra ilustrar: nessa mesma lista de 2018, o ator mais bem pago em 2018 foi George Clooney, que recebeu 239 milhões de dólares. Já a atriz mais bem paga foi Scarlett Johansson, que recebeu 40.5 milhões de dólares. E ainda dizem que feminismo é “mimimi”…
A UNESCO traz números impressionantes, quando diz que as mulheres representam menos de 30% dos pesquisadores do mundo. Isso mostra que, se na vida acadêmica, as mulheres estão em menor número isso quer dizer que as mulheres tem menor acesso à educação – que pode acontecer por ter de deixar os estudos cedo para cuidar da casa, dos filhos, ou trabalhar.
No Brasil e no mundo, somos menos. Somos mortas. Somos invisíveis.
Um bom exemplo para a nossa invisibilidade aconteceu aqui em Dubai.
Em janeiro o Dubai Media Office usou sua conta no Twitter para noticiar que estava sendo entregue o prêmio de Igualdade de Gênero das empresas aqui de Dubai. Veja o tweet aqui.
Só tem um detalhe: nenhuma mulher recebeu prêmio. Somente homens. Oi?
As categorias da premiação foram: personalidade, entidade e melhor iniciativa para o apoio à igualdade de gênero. Foram distribuídas medalhas e certificados. Nenhuma das pessoas que recebeu prêmio eram mulheres.
Menos de 15 minutos depois, foi liberado um novo tweet com fotos das pessoas que teoricamente compareceram a premiação. De 14 pessoas numa foto, 5 eram mulheres. Decorativas?
O que aconteceu foi uma sequência de memes e ridicularizações para com o governo. No que eles estavam pensando quando acharam que seria uma boa ideia premiar homens?
No relatório sobre diferenças de gênero criado pelo Fórum Econômico Mundial para 2018, os Emirados Árabes Unidos ficaram na 121ª posição, entre 149 países, no que tange à disparidade de gênero. Isso quer dizer que o país “fechou a lacuna” da desigualdade em 64%. Teve uma pontuação de 0.642, sendo 1.0 o país que atingiu a paridade – nenhum país atingiu esta pontuação.
É bem verdade que as mulheres tem oportunidades aqui em Dubai. Possuem cargos de chefia, são empreendedoras e podem ter muito sucesso. Inclusive, os Emirados Árabes ficaram em 11º lugar (de 149 posições) no rank de igualdade de salários entre homens e mulheres em 2018.
Um bom exemplo está na Dr. Aisha Bint Buti Bin Bisher, que é a diretora-geral da Smart Dubai, a estatal que é responsável por inovações tecnológicas nas entidades governamentais de Dubai. Ela é, também, uma diretora “não executiva” da Emaar Properties (uma empresa de desenvolvimento imobiliário local). Possui PhD em Gestão, Ciência, Tecnologia e Inovação e MPhil em Políticas e Pesquisa em Engenharia, Ciência e Tecnologia. Meninas, estudem! Já recebeu diversos prêmios e foi palestrante na Conferência de Governantes Mundiais de 2019.
Nas estratégias governamentais dos Emirados Árabes Unidos, a palavra “mulher” só aparece no ponto relacionado à família.
Em 2015 foi criado um Conselho de Equilíbrio de Gênero para assegurar que mulheres locais (nascidas nos Emirados Árabes Unidos) desenvolvam um papel de importância no desenvolvimento do país. As principais funções do Conselho são revisar legislação, políticas e programas para alcançar o equilíbrio de gênero no ambiente de trabalho.
No caso das expatriadas como eu, que tem o visto vinculado ao marido, só podemos trabalhar após apresentar uma carta de não objeção feita pelo nosso marido. Nosso visto é categorizado como “do lar”. A tal housewife que falei antes.
Vamos lá, tá certo que uma premiação é meramente um acontecimento e o que, de fato, importa são as políticas que foram criadas e os resultados obtidos através delas.
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Entre os ministros dos Emirados Árabes Unidos, que são 29, apenas 8 são mulheres. Em comparação ao Brasil, são 22 ministros no total, sendo 2 mulheres. Será que os homens são capazes de entender as mazelas e elaborar políticas públicas que atendam as demandas das mulheres?
Esse tipo de pensamento: homens que nos “representam” tem que acabar. Homens não nos representam! Ponto. E somos nós, mulheres, quem tem que se movimentar para que isso acabe de uma vez por todas.
Ainda no glossário da ONU para o objetivo de desenvolvimento da igualdade de gênero, encontramos uma espécie de definição do que seria o empoderamento como o ato de “realçar a importância de que as mulheres adquiram o controle sobre o seu desenvolvimento, devendo o governo e a sociedade criar as condições para tanto e apoiá-las nesse processo, de forma a lhes garantir a possibilidade de realizarem todo o seu potencial na sociedade, e a construírem suas vidas de acordo com suas próprias aspirações.”. É a nossa liberdade de consciência!
Temos nossas próprias ideias, nossas opiniões, nossas lutas diárias. Nenhum homem sabe sequer o que é uma cólica menstrual e quer dizer como devemos nos colocar perante a sociedade? Me poupe, se poupe, nos poupe!