1 hora da tarde. Estou ansiosa. Dentro de poucos minutos, recebo uma mensagem em meu celular: “Você já está aqui? Não te vejo. Procure por um menino com luzes no cabelo e um olhar confuso. Sou eu”. Me levanto e vou até a porta do restaurante. Lá está ele, tímido, não sabendo para onde ir. Me apresento e ele me recebe com um abraço apertado. Caminhamos até nossa mesa e ofereço a ele uma bebida. Começamos a conversar e boom… Fico encantada.
Mike é maltês, tem 20 anos e estuda Tecnologia da Informação e da Comunicação. Nossa conversa durou 1h30 e, honestamente, eu poderia ficar o dia inteiro batendo papo com um ser humano tão incrível como ele. O motivo do nosso encontro era conversar sobre algo que nem deveria ser mais debatido. Mike era o segundo entrevistado. Tinha em mente escrever uma matéria imparcial e abrangente, com múltiplas fontes. Mudei de opinião ao escutá-lo. Vamos descobrir juntos onde este texto nos levará.
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Nos mês de junho, passamos por nossa segunda eleição legislativa em Malta. O primeiro-ministro Joseph Muscat, do partido trabalhista, prometeu que a primeira lei que aprovaria em seu mandato, se reeleito, seria a que permitisse o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dito e feito. O maltês foi escolhido novamente pela população e, no dia 12 de julho, a lei entrou em vigor após uma votação quase unânime – 66 de 67 votos a favor.
O menor Estado da União Europeia está passando por uma revolução. E isso vem acontecendo desde 2011, época em que o divórcio passou a ser autorizado. Malta tornou-se o 25º país do mundo a determinar, legalmente, que casais homoafetivos poderiam se casar se assim desejassem. E essa vitória é histórica, ainda mais para uma Ilha extremamente católica e tradicional como Malta, onde aborto ainda é tabu e criminalizado.
Pessoas de diversas nacionalidades que aqui moram ou já moraram afirmam: “Malta é seguro e para nós, homossexuais, não vejo ameaças”. Sim, é um país tranquilo. Raramente temos problemas. Contudo, existe o preconceito velado. E ele machuca, mas machuca quem discrimina, não quem é discriminado, porque quem está sendo discriminado não conhece o sentimento que outrem possui. Aprovar casamento homoafetivo não é empurrar goela abaixo a aceitação, e sim o respeito. E entender a diferença entre essas duas palavras é mágico e libertador.
Mike e eu conversamos sobre isso aquele dia. Ah! Sim, quase esqueci de mencionar. Ele é gay. Quão fácil seria a vida se ninguém se importasse com rótulos? Atualmente, precisamos nos apresentar para alguém informando nosso nome, idade, profissão, quanto ganhamos, onde moramos, para onde viajamos – para o exterior, claro – e qual nossa orientação sexual. Desnecessário e, desculpa a palavra, ridículo.
Mike gosta de tecnologia, de cinema, de literatura e de história. Extremamente inteligente e com um coração maior do que seu pequeno corpo pode abrigar, ele dá uma lição de vida a todos que estão à sua volta. “Quando contei para minha mãe e para meu padrasto que era homossexual, acabei na mesa da sala com ele, bebendo cerveja por quatro horas. Depois, fomos dormir”. Era um dia normal, ele conta, e continuou sendo. Nada mudou. “Sou muito sortudo por ter a família que tenho”, acrescenta.
Apesar de ainda haver preconceito, Mike se nega a apontar o dedo e dizer que alguém está sendo discriminatório. Ele acredita que a falta de respeito, a agressividade e o ‘medo’ do diferente está relacionado, diretamente, à falta de informação. “Ninguém quer saber a respeito, ler, entender. Não precisamos que concordem, afinal, todos somos diferentes. Queremos aceitação, como qualquer outra pessoa. Somos normais, nada além de normais”, afirma.
Aquele velho ditado que diz que ‘pessoas não mudam’ não existe, e o estudante pode confirmar isso a partir de seu núcleo de amizade. Ainda que ele não tenha sofrido bullying, se sentia levemente rejeitado por alguns colegas. Decidiu reverter o jogo. “Tinha um conhecido em particular que demonstrava total desinteresse e desrespeito por mim. Lembro de pensar que faria ele se tornar meu amigo”, conta. Hoje, os dois frequentam os mesmos bares, as mesmas festas, compartilham amizades. “Construímos uma relação muito boa. Somos diferentes e, ao mesmo tempo, iguais”, completa.
Eu poderia escrever sobre Mike por horas. Não me cansaria e, com certeza, vocês não parariam de ler. Ele participa de grupos e projetos que motivam as pessoas a se informarem e a entenderem que é na diversidade que encontramos igualdade. Ele nos mostra que é com amor, carinho e cuidado que crescemos, que podemos evoluir. Não há problema algum em não concordar. Somos únicos e temos nossas visões de mundo. O retrocesso é ficar parado, estagnado, acreditar que só há uma verdade e, principalmente, que somos dono dela. Estamos em contante aprendizado, Mike concorda, e isso será eterno.
Rezo, assim como Mike, que um dia – não tão distante – possamos nos enxergar uns nos outros e não sentirmos a vontade de julgar e de menosprezar. Rezo para que homossexualidade não precise ser mais debatido, para que seja um assunto morto assim como ser heterossexual. São detalhes que não deveriam ser importantes, porque não mudam em nada as condições humanas de alguém. Celebramos vitórias que já deveriam estar garantidas e amparadas legalmente. Que lutemos sempre por igualdade na diversidade. E não tenhamos medo disso!
Espero que Malta continue no caminho que está traçando. Estamos mirando no sol e, caso algo se perca no meio da trajetória, acertaremos a lua por acidente.