Desde pequena, fui ensinada a tratar todos igualmente. “Não importa se é menino ou menina, homem ou mulher, senhor ou senhora. Respeite, Isadora”. Essa frase se tornou um mandamento e me acompanha até hoje. Ou, pelo menos, acompanhava.
Quando me mudei para Malta, em maio do ano passado, tinha em mente que nem tudo seria flores. Sabia claramente que enfrentaria muitas diversidades, mas nunca pensei que sofreria preconceito por ser mulher. Sim, eu sei que existe todo o tipo de discriminação, e o sexo feminino é majoritariamente designado a ter mais deveres do que direitos. Contudo, vivenciar humilhações – principalmente as públicas – faz a gente ver certas situações de uma maneira diferente. O sentimento de inferioridade é tão gigantesco que não cabe no peito. Dói. Dá raiva. Você quer gritar. Daí, você simplesmente esquece a frase que sua mãe te dizia anos atrás.
O povo maltês é um povo muito amável. São educados e simpáticos. Assim como o resto dos europeus. Mas, como em todo lugar, existem exceções… E as com quem tenho cruzado durante minha jornada neste pequena Ilha têm sido bem desgastantes – e sofridas.
Desembarquei neste paraíso no dia 16 de maio. Minha prima me buscou no aeroporto e, mais tarde naquele dia, saímos para jantar com o namorado dela e meu colega de apartamento. Ele e eu, além de morarmos juntos, iríamos ser colegas de trabalho. Ele é estrangeiro também, trabalhador e muito querido. No dia 19, me mudei. Não me sentia confortável naquele lugar em que não conseguia chamar de casa. Ele demonstrou estar interessado em mim clara, direta e agressivamente. Minha prima me acolheu na sua casa e morei com ela por, aproximadamente, um mês, pois havia encontrado um apartamento para dividir com mais duas meninas. As histórias com donos de imóveis não são nada agradáveis.
Já morei em alguns bons números de lugares durante esse um ano que estou aqui, e os contratos assinados foram todos com locadores malteses. Eles são impacientes, nervosos e desrespeitosos. Principalmente com você, mulher e estrangeira. Desligar o telefone enquanto você ainda está falando e te interromper, aos berros, são duas das atitudes mais comuns entre eles, mas não são as únicas. Você tenta manter a calma, as boas maneiras. Tenta lembrar aquela frase que sua mãe te dizia quando você ainda era criança e acrescentava “talvez ele não esteja em um dia bom; é só hoje, é só dessa vez”.
“É só dessa vez” tantas coisas. “É só dessa vez” que seu chefe vai te chamar de estúpida e burra; “é só dessa vez” que seus colegas de trabalho serão invasivos e farão brincadeiras sexuais com você durante o expediente – e até fora dele; “é só dessa vez” que seu supervisor – que não é maltês – irá fazer um comentário infeliz e rude sobre como você gostaria de dormir com ele, pois ele foi ‘abençoado’. “É só dessa vez”, você pensa, “somente dessa vez”.
NÃO É! E você se sentirá humilhada, violada intelectualmente, culpada. E não será só dessa vez.
Então, resolvi quebrar meu silêncio. Tive uma discussão absurda com o locador do meu apartamento. Senti meu corpo tremer ao escutar a voz dele ecoar pelo seu escritório ao meu chamar de “estúpida” e “irresponsável”. Senti meus olhos lacrimejarem ao ouvi-lo gritar os motivos de sua irritação. Não havia razão. Resolvi responder de volta. Talvez tenha quebrado a promessa que fiz a minha mãe anos atrás. Naquele momento, não importou. E quer saber o mais engraçado? Não me sinto culpada. No início, sim, mas depois passou. O sentimento que inundou meu corpo foi de alívio, de saber que tenho voz, de que posso – e devo! – me impor. De saber que posso me defender sozinha, de que posso lutar minha batalhas, de que sou importante e de que não sou inferior a ninguém.
Não são os brasileiros, os malteses, os líbios, os afegãos. São os humanos. Não somos gênero, nacionalidade, religião. Somos humanos. A grandiosa escritora e jornalista Clarice Lispector, em Perto do Coração Selvagem, pôs em palavras o que todos almejam alcançar um dia – porque, agora, estamos ocupados tropeçando em nossos pés por enxergarmos somente nossos umbigos: “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”.
Acorde. Viva. Faça. Continue fazendo. Descubra o que você quer e faça mais um pouco. Una-se a outras mulheres. Façam parceria. Não odeie os homens. Trate os outros como você gostaria de ser tratado, mas sem ser ingênua. Não fique quieta. Grite, chore, sorria. Um sorriso largo conquista almas e derrete corações. Não seja tão dura consigo mesmo, não leve a vida tão a sério – mas, se necessário, seja “faca na bota”. Disponha-se a ser mais feliz todos os dias. A ser mais gentil, educada, visionária, rebelde (com causa, por favor!). Proponha-se a ajudar Clarice na busca pelo seu desejo… Vai que vocês não compartilham o mesmo sonho?
No mais, ame-se e permita-se ser amada. Seja plena em suas decisões, fiel a si mesma. Não desista. Abrace o mundo, mas abrace-se antes. Olhe para você e veja o quão importante, competente e inteligente você é e e não deixe que nenhum homem nem ninguém te faça duvidar disso.
Seja feliz!
6 Comments
O que escreveste demonstra sinceridade,coragem de enfrentar o mundo exterior ae mostra que etiveste a experiencia de tratar com os sere humanos,que eu reputo difícil,porém pessoas mal educadas agressivas e arrogantes devem ser excluyidas do nosso relacionamento e fizeste bem responder a estas pessoas.Mas se fosse voce não ficaria mais em malta,iria para a frança,portugal ou espanha etc……Abraço.
Olá, Solon! Muito obrigada pelo seu comentário. É difícil lidar com o ser humano quando não há respeito e educação. Acredito que ainda tenho mais um tempinho para ficar por aqui, mas o mundo é imenso. Então, por que não se arriscar em culturas diferentes? Crescimento pessoal é a nossa busca! Obrigada! Abraços. Tenha uma boa semana!
Adorei seu texto Isadora! Descreveu muito bem esse sentimento de revolta que tantas de nós já sentimos… vamos
Mudar o lema: respeitar a todos (todos que me respeitam) 🙂
Muito obrigada, Ana. Fico feliz em saber que se identificou! Amor próprio antes de qualquer outro sentimento, correto? Beijos!
Adorei seu texto, passo por isso e passei muitas situações desagradáveis aqui no sul da itália também. acho que são vizinhos de cultura, então não muda muita coisa. aqui no sul da Itália, além de tudo as mulheres são preconceituosas com outras mulheres, o que torna ainda mais difícil a nossa união!
você descreveu os meus pensamentos. muito bom ler isso.
obrigado!
Fez bem em desabafar!
Em Portugal passei por várias situações semelhantes. Por aqui ainda há MUITO preconceito em relação a brasileiros, em especial às mulheres.
Beijos.