Japão, o país quase perfeito.
O título desse artigo é na verdade um paradoxo, e ao longo do texto vou tentar explicar o porquê. Creio que até mesmo visitantes de países de primeiro mundo ficam impressionados logo mesmo ao desembarcarem no Japão. A organização, limpeza, disciplina e a educação principalmente no atendimento ao cliente são impecáveis; não é necessário falar o idioma para sentir a gentileza e prontidão de atendentes e funcionários de qualquer ramo, nesse país onde o lema é “o cliente é um deus”, mas tome cuidado: isso não significa que “o cliente sempre tem razão”.
Aqui, apesar da hierarquia ser fator crucial dentro das empresas, escolas e qualquer outra atividade em grupo o veterano e/ou chefe não podem ser questionados. Uma ordem é para se cumprir e ponto. No cotidiano, como cidadãos comuns, esta regra não se aplica. Você difícilmente vai escutar um nativo falando aquela frase horrorosa: “ Você sabe com quem está falando? ”, ou ver alguém furando a fila, ou recebendo atendimento diferenciado em repartições públicas, no comércio em geral ou em outros afazeres do dia a dia. O fato de ocupar uma posição social ou cargo acima dos demais não produz arrogância.
Outro ponto que atrai estrangeiros é a segurança, principalmente agora em tempos de terrorismo e guerras. Mesmo o país tendo problemas frequentes com os fenômenos naturais eminentes, tais como terremotos e maremotos o controle sobre a segurança passou a ser um fator de peso.
A tecnologia de ponta faz do Japão um paraíso para os amantes de carros, eletrônicos, maquinários em geral e etc. pois, mais uma vez, a disciplina alinhada à determinação se refletem na alta qualidade dos produtos made in Japan. Esta fama mundial por incrível que pareça é desconhecida por muitos japoneses que pensam apenas em cumprir com seu papel dentro da empresa, se empenhando naquilo que fazem. Com a invasão de produtos provinientes da China, Coreia e Taiwan, nos últimos 2 anos, a TV japonesa tem produzido vários programas onde claramente procura conscientizar e continuar encorajando os japoneses a se empenharem mais e mais em manter o alto padrão na qualidade dos produtos nacionais.
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Muito bem: sociedade próspera, tecnologia avançada, povo educado, governo fazendo seu papel, realmente a terra do sol nascente parece ser o lugar perfeito! Depende! Todo esse esforço para manter o país em uma posição confortável como a terceira maior economia do mundo teve um preço e a conta já chegou.
Uma triste consequência, dentre outras mais, se chama Karoshi (過労死)- literalmente, morte por excesso de trabalho. Essa morte pode ocorrer por exemplo devido a um acidente cardiovascular cerebral (AVC), infarto agudo e incluí também o suicídio, o qual tem altos índices como causa de morte por excesso de trabalho. Tudo isso acontece devido às longas jornadas de trabalho, esforço excessivo, pressão dos superiores levando ao estresse, além de poucas horas de descanso e sono. Diante dessa trágica realidade este governo, que por vezes parece ser tão prudente, simplesmente fecha os olhos, e dificilmente um processo de indenização tem parecer favorável para a família que sofreu o dano da perda, afinal o país tem que produzir a qualquer custo e reconhecer isso perante a sociedade coloca em risco a produção industrial.
Outro grave problema ao meu ver é o progresso em detrimento da família. Em uma sociedade com sobrecarga de trabalho e onde a empresa vem em primeiro lugar, a família dentro da concepção real praticamente não existe. Muitas crianças passam a maior parte do dia entre escola, aulas de reforço ou outras atividades. Crianças cujos pais não têm condições financeiras normalmente vão para casa e ficam sozinhas, aguardando a chegada de um dos pais ou responsável.
No fim do dia a cena se repete em milhares de casas: a mãe chega cansada e esgotada e não tem tempo nem paciência para desfrutar de bons momentos com os filhos. O diálogo não é o forte dos japoneses, então a única comunicação é sempre em tom de cobrança: “Já fez sua tarefa?”. O pai normalmente chega tarde da noite embriagado, e infelizmente, é aí que começa a violência doméstica. Todo o estresse, toda a raiva é despejada sobre aquele que devia ser o bem maior da sociedade, ou seja, a família. Hoje em dia finalmente as mulheres estão denunciado mais e buscando apoio, e aos poucos alcançando seus direitos, inclusive a proteção em abrigos próprios para vítimas de violência doméstica.
Problemas psicológicos, depressão, alcoolismo e vício em jogos (o principal jogo é o Pachinko, espécie de jogo legalizado) são outros motivos que fazem o índice de assassinatos (apesar de baixo) e suicídios subirem no país.
A palavra Gambatê (se esforce) soa muitas vezes como uma tortura mental; é comum ver funcionários visivelmente enfermos trabalhando para manter o posto de trabalho a qualquer custo. Qualquer vacilo é motivo para represálias por parte do superior. A única saída é suportar e entrar no jogo de opressão, para garantir o emprego e o sonho de uma possível promoção.
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Trabalhando no ramo de recursos humanos no Japão há 13 anos, cansei de ver funcionários japoneses e estrangeiros sendo ameaçados de demissão se caso simplesmente atrasassem, não cumprissem a carga horária ou a produção determinada seja por qual for o motivo: doença, cansaço ou muitas vezes, dores musculares devido aos movimentos repetidos comumente necessários nas linhas de produção. Ou seja, aquele problema sério da hierarquia levando ao abuso de poder dentro das empresas.
Resumindo, o ser humano é tratado como uma peça que quando não engrena conforme o comando é rapidamente substituída para a máquina do Estado não parar. Esse é o preço que esta sociedade tem pago até aqui, e essa é a situação real de grande parte da população. Porém não é uma regra geral. Existem, sim, pessoas e famílias felizes nesse país.
Espero sinceramente que a nova geração que tem ido buscar respostas e experiências em outras culturas traga vida a esta nação, à qual hoje caberia dizer: “Pobres japoneses, tudo que eles têm é só dinheiro!”
4 Comments
Excelente texto e excelente visão do país do Sol Nascente. Nunca fui ao Japão, apesar de ser casado com uma descedente (Sansei). Gosto de parte da cultura, como a educação, o respeito, a dedicação, coisas que chamo de civilidade. Acho que o comprometimento com a nação e a comunidade pode chegar a extremos em momentos extremos, como uma catástrofe natural ou guerra e pós-guerra. Porém, isso deve ser temporário, e deve ser garantida tal temporariedade em leis e regulamentos. Mas, no Japão, pelo que leio e ouço, isso se enraizou na cultura. O Japão vive eternamente em um sistema de pós-guerra, de reconstrução. As pessoas trabalham como se o mundo estivesse para se acabar amanhã. Claro que pode realmente acabar amanhã, mas é mais provável que ainda dure alguns milhões de anos. Hoje em dia, não sei porque perdura essa mentalidade, pois nem filhos os japoneses estão querendo mais. Assim, para que trabalhar e labutar tanto, se nem você (genericamente falando) aproveitará o fruto desse trabalho, nem terá filhos (idem) para usar os excedentes gerados. Também não suporto essa dedicação à hierarquia. O medo colossal de dizer não ou questionar uma autoridade. Descendentes de japoneses de primeira geração ainda mantinham esse medo. Em meu círculo de amizade já teve uma moça desse tipo, aqui no Brasil, nascida aqui, mas criada totalmente aos costumes japoneses, que morreu depois de meses de assédio moral no trabalho, por chefe e clientes, e nunca questionava, nunca abria a boca. Um belo dia teve uma parada cardíaca na frente de um cliente que reclamava aos berros, aos 30 anos. O Japão, infelizmente, se não mudar a trajetória, caminha para ser uma nação de robôs, tamanha a valorização que eles dão ao comportamento dessas máquinas. Muitos japoneses nem namoram pessoas, preferem namorar andróides. Não, em hipótese alguma, o Japão e sua visão de humanidade é o que julgo ideal e desejo para o nosso futuro.
Obrigada pelo comentário Francisco, infelizmente essa é a realidade e são poucos ainda os que lutam contra essa postura baseada no puro orgulho, lutando como Kamikazes que entregam suas vidas pela existência de um Japão forte e admirado. O vermelho do sol nascente está mais para o símbolo do sangue dos inocentes que pagaram e ainda pagam por esse progresso.
Excelente texto, Alessandra! Eu trabalhei por seis anos no Japao, em reparticoes publicas e, apesar de o stress ser menor que em uma empresa privada, a hierarquia eh muito forte e, um rapaz que conhecemos, cometeu suicidio no banheiro do escritorio. Mas, tudo, claro, foi muito bem abafado pelo governo e autoridades locais. Hoje, moro na India, mas continuo trabalhando com os japoneses, desta vez, os expatriados. Porem aqui, as familias vivem melhor que no Japao, ja que tem muitas regalias e, as esposas, como nao podem trabalhar aqui, por causa do visto, tem mais tempo para cuidar dos filhos e para exercer outras atividades. Alem disso, depois de um tempo na India, os japoneses comecam a ficar mais soltos e menos estressados. Um abraco e… sucesso!
A matança de baleias no Japão é a imagem dantesca desconectada de um Planeta que se esforça para salvar e proteger animais de todas as espécies. Toda essa carnificina seria perdoável em povos primitivos e bárbaros, não em países dos quais se espera um mínimo de racionalidade e progresso. O sangue destes animais se espalha pela Terra, horrorizando países não tão prósperos nem tão ricos mas moralmente éticos. Tecnologia não pode substituir sentimento e razão ou seremos máquinas construindo máquinas para robôs humanos operarem, desprovidos de compaixão pelo próximo, que não saberão chorar diante da dor de quem sofre, e nem se importarão de matar animais, em extinção ou não, porque não perceberão o quanto apreciavam viver e respirar assim como nossos filhos e pais.
http://conexaoplaneta.com.br/blog/japoneses-matam-mais-de-300-baleias-em-alegadas-pesquisas-cientificas/