O Japão é um país maravilhoso. Os japoneses são educados, gentis e sempre solícitos. As oportunidades que tive aqui são incomparáveis e sou muito grata a esta nação! Mas, como todo país do mundo, também tem os seus problemas e pontos negativos, incluindo o machismo. Aqui entramos em uma certa polêmica, pois envolve moral e ética dentro de uma cultura específica, e sabemos como é difícil discutir aspectos culturais. Mas deixo aqui as impressões de uma brasileira, exemplificando algumas diferenças e falando sobre o machismo no Japão.
Antes de vir para cá, pesquisando tudo o que podia sobre o Japão, muita gente escreveu sobre o machismo como um ponto negativo. Meu marido chegou aqui antes de mim, e pôde deixar-me um pouco mais tranquila com relação a isso, porque tinha medo que o tratamento dentro das fábricas e empresas fosse, digamos assim, ameaçador. Não é por aí.
Como disse antes, os japoneses em geral são muito respeitosos com todos, homens ou mulheres. Além disso, como a maioria dos estrangeiros vêm trabalhar por meio de empreiteiras, temos mais uma proteção a nosso favor.
Existem empresas que contratam apenas homens? Sim. Geralmente, o serviço destas empresas envolve carregar peso e, sendo assim, preferem contratar homens. Alguns destes trabalhos pagam mais devido às condições, mas não é uma regra. Este também não é o problema.
Logo quando cheguei aqui, já percebi algumas questões. Passeando, entrei em uma loja de videogames que tinha uma seção para adultos e fui conhecer. O choque foi imenso: além de ter milhares de desenhos pornográficos (os famosos “hentais”) de meninas adolescentes ou com traços bem infantis, estava passando na televisão um filme de mulheres de lingerie levando socos no estômago, com luvas de boxe e tudo. Depois, elas mostravam para a câmera os seus hematomas. Fiquei atormentada! Foi aí que cheguei em uma seção que tinha uma máquina para comprar calcinhas usadas. Isso mesmo, bastava colocar mil yenes (equivalente a mais ou menos 30 reais) para conseguir uma calcinha usada, embalada individualmente. E pasme: tinha uma máquina de absorventes usados também.
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Seria bom se isso ficasse apenas nas lojas de produtos adultos, porém sabemos que para uma indústria vender, tem que ter consumidor. Quando cheguei, me orientaram a não estender as roupas íntimas (nem minhas e nem do meu marido) para fora de casa. Você deve estar pensando que deve ser porque os japoneses são muito recatados e pendurar calcinhas no varal seria falta de educação, só que o problema era outro. Acontece que aqui, apesar de ser um país muito seguro, é comum que hajam roubos de roupa íntima. E não são só calcinhas. Descobri da pior maneira: estendi um top de ginástica e um collant entre outras roupas e adivinha? Sumiram.
Há pouco tempo, estava em casa por volta do meio dia e coloquei o cabideiro com roupas íntimas na janela, dentro de casa e com a cortina meio aberta, para secar. Alguém tocou a campainha e fui atender, mas não tinha ninguém na porta. Ouvi passos no corredor e imaginei que alguém tinha errado o apartamento. Quando voltei para dentro de casa, escutei um barulho na varanda e achei que era um gato mexendo no lixo. Ao abrir a cortina para ver, era um homem mesmo, tentando pular a grade da varanda, provavelmente para alcançar as minhas calcinhas dentro da minha casa. Tomei o maior susto, e ele também. Saiu correndo.
Outro dia, fui para a academia usando uma calça legging e uma regata. Ao fim do treino, o staff orientou o meu marido para que eu não usasse mais aquele tipo de camiseta. Ele estava com os braços de fora também, mas homem podia. Eu não, porque era, nas palavras dele, muito sexy. Fiquei desconcertada. Era uma regata comprida, que mostrava apenas meus braços e pescoço, sem decote.
No dia seguinte, consultei a minha professora de japonês sobre isso. Ela disse que nunca ouviu falar disso e perguntou se eu tinha alguma tatuagem no braço. “Ah, então é isso! Tem muita gente de idade que tem preconceito com tatuagem porque no Japão é sinal de mafiosos, e os japoneses acham falta de respeito falar sobre a tatuagem dos outros.” Me perguntei se dizer que era muito sexy não era mais desrespeitoso do que pedir para cobrir a tatuagem, mas como disse lá em cima, é complicado discutir aspectos culturais. Precisamos aprender a dançar conforme a música, especialmente quem mora no exterior.
Tem mais: uma vez estava em um bar com meu marido, e um japonês, por volta dos seus 50 ou 60 anos, puxou assunto. Fiquei tentando me virar no idioma para entendê-lo. No meio da conversa, ele perguntou ao meu marido se poderia ficar comigo, porque sempre quis estar com uma brasileira. “Só uma vez”, ele disse. O meu “não” não foi o suficiente. Me senti uma mercadoria.
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Estas foram situações que aconteceram diretamente comigo, e as histórias são muitas. Se você andar por Achihabara, bairro de Tóquio famoso pelos eletrônicos, é possível que veja algumas adolescentes panfletando ou fazendo propaganda de algum estabelecimento, além de ter algumas casas com fotos de meninas adolescentes na porta. Não fui atrás para entender, porque num primeiro momento me pareceu inocente. Até que assisti um minidocumentário explicando que esse “serviço” é chamado de JK, ou cultura das colegiais. Elas ajudam a vender muitas marcas, lugares, eventos, shows… O controverso é que você também pode comprar as próprias meninas. O documentário é em inglês com legendas em inglês, mas vale a pena assistir para entender mais.
Além de tudo isso, em uma conversa com um amigo que está aqui há mais tempo, descobri que é comum que as esposas sejam submissas. Dependendo, claro, da pessoa e da família, pode ser que os japoneses estranhem, por exemplo, se eu me sentar à mesa de jantar ao recebermos amigos em casa. O usual é que o meu marido receba os amigos dele, enquanto eu os sirvo e não participo da conversa. Às vezes, inclusive, a mulher não pode comer antes que o marido a autorize. Felizmente, nunca vi isso acontecer. Recebemos amigos japoneses em casa, mas talvez por serem jovens ou por entenderem as nossas diferenças culturais, nunca tivemos problemas.
O machismo aqui no Japão existe, sim, mas dificilmente algo violento acontece. Ainda bem! É preciso ter muito jogo de cintura para aprender a lidar com as situações de choque cultural. Acredito que deve haver uma imersão na cultura de onde vivemos, respeitando as diferenças, desde que você também não seja desrespeitado. Eu costumo lidar com estas situações de maneira educada, mas nunca passiva. Até agora, deu certo!
4 Comments
Eu acho que faltou explicar o motivo histórico no qual a mulher era inserida na época bushi samurai. Praticamente elas cumcubinas para os maridos e a mudança da americanização da cultura tem poucos mais de 100 anos, o que é pouco para ter melhor apropriação social. Um fato interessante que eu estranhei com meu contato com japoneses de Tokyo, é que meu aluno disse que seus pais dormiam em camas separadas, mas não estavam brigados, é comum os casais dormirem assim desde a época bushi, não acho errado e machista só porque é diferente da minha cultura, porque a mulher que se casa com um homem assim faz isso por livre e expontânea vontade, meu aluno disse que sua mãe ‘não via problemas’, então concluindo existem casos extremos de pedofilia, roubo como todo lugar no mundo, o Japão não é 100% o céu na terra, mas ainda sim acho muito melhor conviver com roubo de calcinhas do que ser assaltada em casa com uma arma na cabeça da sua família como já fui no Brasil. Abraços, Priscila.
Oi Priscila, obrigada pelo seu comentário!
Aqui é bem comum os casais dormirem em camas separadas porque depois que eles têm filhos, é como se a função do casal fosse extinguida (tirando o fato de que a mãe ainda precisa prestar cuidados aos filhos enquanto os pais são os provedores de dinheiro).
A inserção da cultura americanizada e “perda” da bushi é realmente muito recente, o que faz esse tipo de comportamento ser comum. Mas não é porque uma coisa é comum e cultural que não é machismo. O machismo não existe só quando a mulher não quer. Inclusive, está tão intrínseco que passa a fazer parte da cultura. Tem muitas japonesas que acham ótimo tudo isso porque foi assim que aprenderam com os pais, mas não deixam de ser submissas, e a cultura não deixa de ser “patriarcal”.
Como falei no texto, o Japão é mesmo um lugar maravilhoso que amo, apesar do machismo. É um dos países mais seguros do mundo, de fato. Mas tem seus problemas, como todo lugar. Os casos de pedofilia não são tão extremos assim (é bem comum), e as perversões são absurdas! Veja que estou aqui há pouco tempo e já passei por várias situações constrangedoras.
Sei que entrei em um tema que envolve moral e cultura, mas a comparação com a nossa cultura ocidental é inevitável e essas foram as minhas impressões negativas. Há muito mais positivas, a propósito. rs
Abraços! 🙂
Bom dia Ju (Boa noite aí)
Adorei o texto, depois vou procurar os outros…
Engraçado como o fato de vivermos num planeta enorme, cheio de culturas, pessoas e ideias diferentes, damos conta de tantas experiências chocantes para uns e comuns/aceitáveis para outros. Muitas delas não fazemos ideia, não imaginava que coisas desse tipo acontecia no Japão, como o cuidado com o varal, ou as máquinas de itens ‘incomuns’… e pior, a cantada de uma pessoa mais velha pelo ‘fetiche’ pelas mulheres de determinado País…
Ainda bem que o povo do mundo é tão diferente, porque assim aprendemos a parte da cultura que nos identifica de alguma forma e tomamos cuidados com aquelas coisas que não nos agrada.
Infelizmente não acredito que exista um lugar no mundo de hoje que não seja machista, mas acredito também que isso mude em breve, porque nossa geração já tem um grau de machismo bem menor do que tinha a geração dos nossos Pais, lógico que não podemos generalizar, porque existem claras exceções, e isso tende a diminuir (pelo que vejo em algumas famílias próximas a minha), vamos acreditar… num futuro mais igualitário e equilibrado, em todos os sentidos.
Abraço
Obrigada, querido!! As diferenças culturais às vezes fazem a gente passar por uns apertos, mesmo hahaha
também acho que o mundo tá muito machista, não tem muito pra onde fugir.. mas vamos seguir na informação e debate pra que essa e as próximas gerações deixem isso no passado!
Um beijoo!