Dizem que , na época da chegada dos espanhóis em terras mexicanas, Hernán Cortez contou com a ajuda de uma mulher local como guia e intérprete, mulher esta que teve papel fundamental na conquista e posterior colonização espanhola. Esta interprete, de origem Nahuátl se chamava Malinalli Tenépatl, ou simplesmente, La Malinche, como ficou posteriormente conhecida. O termo Malinchismo é, até os dias de hoje, usado de forma pejorativa para referir-se a conduta do mexicano em relação ao estrangeiro. É considerado Malinchista aquele que prefere o estrangeiro ao nacional. O fenômeno foi inclusive tema do livro “El laberinto de la Soledad” do premiado escritor Mexicano, Octavio Paz.
Mesmo tendo lido este livro antes de vir para cá, uma das coisas que mais me chamaram a atenção quando me mudei para o Mexico,foi a relação dos mexicanos com a cor da pele. Aqui a maioria da população ainda possui traços indígenas fortemente marcados. São em sua grande maioria morenos. Uma das primeiras vezes que fui a uma feira de rua saí ofendida porque os vendedores falavam: “hola güerita, que vas a llevar?” Eu sabia que güerita significava loira, então logo pensei que era algum tipo de preconceito por eu ser estrangeira e tal. Afinal, no Brasil sempre fui morena ( com luzes no cabelo ou não). Saindo de lá falei com meu marido o ocorrido e ele me disse que aqui no México chamar alguém de güerita é um elogio e algo que todas as mulheres mexicanas, estranhamente, adoram. Então comecei a reparar. Nas feiras de rua no Brasil, os vendedores sempre tentam agraciar as moças falando algo tipo ei, moça bonita, vai levar o quê hoje? Pois é. A versão mexicana é falar algo tipo: Ei, loirinha, vai o quê hoje? E quanto mais morena a mulher mais ela gosta de ser chamada güerita. É bastante peculiar.
Historicamente os brancos ou güeros, eram os colonizadores e ainda que sejam duramente criticados por parte dos mexicanos, na prática vemos o oposto disto quase o tempo inteiro. A proximidade com os Estados Unidos complicou ainda mais esta questão, pois o mesmo padrão se repete em relação aos vizinhos do norte. No dia a dia são criticados pelos mexicanos e ao mesmo tempo o consumo de produtos como Coca-Cola é o mais alto do mundo. O café consumido pela população é tipo americano. Há um Starbucks em casa esquina, e embora o café mexicano seja bom, a preferência nacional é pelo popular “chafé” aqui chamado de Americano.
Semana passada li nas notícias uma denúncia de que varias empresas locais colocam em seus anúncios ao buscar pessoas que lidarão com publico: não aceitamos morenos. Ou então pedem um “look” Condesa ou Polanco que são os dois bairros de maior concentração de estrangeiros da cidade. Preconceito de qualquer forma é ruim, agora contra si mesmo é grave. Nós no Brasil sofremos de algo parecido, mas penso que aqui no México acontece em uma escala muito maior. A sensação de inferioridade em relação ao estrangeiro é palatável quase que o tempo inteiro, ainda que as vezes mascarada de um falso orgulho nacional.
Aqui, como na China, segundo o texto da Cristina Marote, o bonito é ser branco. A diferença é que as pessoas são de pele morena aqui, então quando compram maquiagem querem um tom mais claro do que a própria pele, por exemplo. Outra coisa extremamente comum por aqui é a rinoplastia. As mulheres fazem rinoplastia ainda muito jovens com o objetivo de ter um nariz mais anglo-saxão e menos indígena. É bastante desconcertante. Logo que me mudei para cá, uma amiga que já vivia aqui há muitos anos me disse: quando você estiver bem irritada com alguém aqui, o maior xingamento é chamar de índio. Basta gritar “pinche índio” que todos se ofendem como se fosse o maior palavrão da historia. Tipo, quase pior que xingar a mãe. Nossa, xingar a mãe de índia aqui deve ofender para valer!!! rsrs
Brincadeiras a parte, acho mesmo triste que eles se ofendam com coisas assim, sinceramente. Torço para algum dia, os mexicanos deixarem de ser tão Malinchistas e apreciarem quem são enquanto povo, enquanto cultura. Sejam eles verdes, morenos, índios, azuis ou loiros.
19 Comments
Que coisa né??? Moro na China e tenho 3 filhos, uma loira , uma morena e um mais claro com olho azul, todos ( chineses) so elogiam os 2 mais claros!! E quando viajamos para a praia e voltamos bronzeados, minha ajudante fica indignada com a nossa cor!!! Rsrsrs
Pois é renata, aqui com crianças percebo a mesma coisa. Só elogiam os brancos de olhos claros!! Agora esta de ficarem indignados com o bronzeado é super engraçado ne? Muito surreal….rsrs
Muito interesante esse seu texto, Fernanda. Falta um pouco de auto-estima para os mexicanos. Aqui na europa eles acham lindos os traços índios e a pele morena (todos branquelos). Acho muito engraçado quando minha sogra comenta o tipo de homem que ela acha bonito e ela fala: com um nariz grande e forte! rsrsrs
Muito bom seu texto, parabéns!
Sim, Carol. Falta muita auto-estima por aqui mesmo. Que bom que gostou do texto. E fala para a sua sogra vir passar umas ferias por aqui que ela irá se deleitar por estas bandas, e eles vão amar uma hungara bem branquinha rsrs. Bjs
Oi Fernanda, meio louco isso, né…. está no subconsciente já das pessoas, essa coisa do padrão de beleza “loiro, alto, olhos azuis”. No Chile eu também senti isso, eles tem um “preconceito velado” com os Mapuches, os índios que lutaram contra a opcupação espanhola.
Bacana o texto!
bjao
Sim, é parte da herança cultural mesmo. Eles as vezes até se dão conta, mas não conseguem quebrar este pre-conceito. Que bom que curtiu o texto. 🙂 Bjs!
Fernanda, obrigada por linkar meu texto, e na China é assim também, mas aqui eles tem os mais brancos que são do sudeste e os mais escuros que são os do norte. E o preconceito é latente também. Como disse a Renata, no comentário acima, eles não se conformam que vamos a praia nos bronzear…rs
Mas no fundo, concrdo com vc: eles tem preconceito por eles mesmos! Um pouco triste, não é?
Beijo.
Christine, não precisa agradecer, querida 🙂
Acho valiosa esta comparação entre as diferentes culturas em temáticas similares. Não conheço muitos chineses, mas conheci muitos japoneses e koreanos que também tinham horror à exposição ao sol. Eu achava graça, mas na realidade é muito triste ver esta situação ainda nos dias de hoje.
Beijo!
É uma triste realidade também na Índia e em outros países asiáticos e sul-africanos, esse desprezo pelas origens e pela cor da pele. Quanto mais branco, mais bonito. Nunca entendi. Na primeira vez que visitei a família do meu marido na Dinamarca, a tia dele me olhou e disse que ‘aqui as pessoas invejam pessoas com essa cor bonita que você tem’, e todos acham lindo ficar moreno no verão – inclusive a família do meu marido, que acha o máximo eu conseguir ficar morena em apenas um dia de sol. É pelo menos curioso, notar essas diferenças, pois na verdade o preconceito existe em todo lugar, em maior ou menor escala. Adorei o texto!
Oi Fe! Já comentamos sobre isso… Nas Filipinas, acontece o mesmo. Não sei se existem no México, mas nas Filipinas (e na China também), se vendem os cremes e sabonetes branqueadores. Particularmente, acho isso o máximo da loucura em tentar se alterar para se encaixar nos padrões de beleza impostos pela sociedade… Porque, logo mais, algum louco vai inventar alguma injeção que mude a cor dos olhos e vai ter gente fazendo fila para ter olhos claros, como os colonizadores…
O auto-preconceito é super devastador porque isso demonstra uma insatisfação enorme com o que se é: somos nós dizendo que não somos bom o suficiente. Também torço para que isso mude algum dia…
Um beijo!
Fê, que prazer em ler seu texto, você continua fazendo magia com as palavras. Agora que descobri esse canal, vou devorar seus textos e, claro, esperar pelo seu livro ansiosamente. Um beijo enorme.
Obrigada, querida. Fico feliz que tenha curtido o texto. Muitos beijos e saudades!
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menina que texto bom, bem escrito! gostoso e informativo!
la nas filipina tambem era assim, talvze por causa da propria colonizacao espanhola que na verdade foi terceirizada por mexicanos…
o povo passa até talco pra ficar branquinho, pode ?
Obrigada, Fabi!! Passam talco lá nas filipinas é? Essa eu não sabia….kkkkkk Devem ficar parecendo que estão prontas pro kabuki no japao! Brincadeira…cada louco com a sua mania ne? Enfim…
Fernanda querida, esquizofrenia é o nome de nao amar e a si mesmo né? rsrsrsr mas é assim, sindrome de estocolmo, as pessoas começam a ser devotos aqueles que as aprisionaram e abusaram! Mas acho que deve ter muito haver com a posiçao social também, pois como no Brasil ser preto é ser pobre, deve ser a mesma associaçao, voce acha? Obrigada pelo texto! Muito bom! Namasté! Aqui na Suiça, eles sao chegados em uma moreninha/o ou pretinha/o, a atraçao dos opostos! rsrsrsrr
Oi Ana Cristina : ) Esquizofrenia acho que não, mas sindrome de estocolmo talvez hahahha. Beijos
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Obrigado pelo seu texto Fernanda, eu morei 14 anos no Mexico e 14 na Europa e agora estou fazendo pesquisas de campo em antropologia no Rio de Janeiro. Eu me pergunto até que ponto o malinchismo existe no Brasil.
Tenho dois meses aqui no Rio e eu estou percebendo que muitas pessoas aqui ficam bem interessadas em mim pelo fato de ter morado na Europa, e quando falo francês com os meus amigos até vem falar comigo ou enviam notas no restaurante. Quando eu morava na Europa ninguém fazia isso comigo rsrsrs.
E também gostaria dar um matiz histórico, com diferência do Brasil ou da Argentina, o Mexico não adotou uma política de branqueamento para fazer vir milhões de europeus no pais, como os brasileiros fizeram depois de ter abolido a escravidão.
Então não sei até que ponto os brasileiros também não são malinchistas.
Abraços,
Gerardo