Marielle presente em Genebra!
Para quem gosta de política, morar em Brasília é um prato cheio.
Se você acompanha meus posts, sabe que sou bem chegada ao tema, se está chegando agora, vai descobrir rapidinho que amo política, sociologia e outras ciências sociais.
No Planalto Central era uma emoção atrás de outra. Sempre existiam manifestações diversas sobre “isso ou aquilo”, e sempre que eu achava que uma causa era justa, lá estava eu correndo do spray de pimenta e das bombas de gás.
Não que eu seja assim um “arroz de festa” das manifestações, mas eu creio piamente na necessidade de realizarmos ações e mobilizações sociais para melhorar o mundo e construir políticas públicas que promovam equidade de gênero, igualdade social e direitos humanos.
Confesso que imaginava que na Suíça não houvesse calor humano suficiente para fazer sair às ruas, um povo que não tem muito do que reclamar. Um ladinho meu, bem preconceituoso por sinal, achava que uma vez que os suíços não possuam grandes necessidades, não podia imaginar que eles pudessem ser tão solidários à necessidade alheia.
Como você deve ter acompanhado, recentemente o Brasil voltou à mídia mundial, e infelizmente não foi por um motivo nobre. Marielle Franco, vereadora carioca, defensora dos Direitos Humanos e denunciante do genocídio contra a juventude negra das periferias do Rio de Janeiro foi silenciada junto com seu motorista Anderson.
Milhares de pessoas são vítimas todos os dias, por que a morte de Marielle soou diferente das outras?
Bem, pessoas são vítimas da violência por diversos motivos. Soldados morrem no exercício da profissão, jovens são vitimados por milícias, polícias ou pela guerra do tráfico (ou às drogas).
Há a violência de gênero, a doméstica, os crimes sexuais e o feminicídio. E nunca, jamais devemos banalizar a violência contra quem quer que seja e nem minimizar o luto e a dor sofrida por seja lá quem for, então por que nosso grito por Marielle parece tão mais incisivo?
Marielle era mulher, negra, lésbica, moradora da (favela da) maré. Carregava na própria pele o estigma de todos esses grupos tradicionalmente marginalizados. Carregava o peso de todos esses grupos que de um modo ou de outro representava. Ela foi vítima de uma execução. Padeceu por um crime premeditado, cuja motivação foi política.
Muitos questionaram, na ocasião, por que a morte de uma jovem policial, assassinada na mesma semana, não teve a mesma repercussão. Caroline Plescht, uma moça linda, com um futuro promissor, foi morta ao reagir a um assalto em uma pizzaria. Uma tristeza, sem dúvida, e não há que se comparar a dor da perda ou a importância humana de cada uma delas, muito menos o sofrimento de seus familiares. A vida de ambas tem exatamente a mesma importância, mas a natureza do crime cometido contra Marielle Franco é assustadora. Como disse um meme de internet que circulou na semana do assassinato, “Se você não sentiu medo, você não entendeu…”
É como se todos nós que atuamos com Direitos Humanos estivéssemos de uma hora para outra com a cabeça a prêmio, e não podemos ignorar o contexto de que tudo aconteceu em plena intervenção militar no estado do Rio e Marielle estava justamente denunciando vários dos abusos e violências cometidos por militares durante essa intervenção. Somos uma democracia recente e de certa forma frágil. O silêncio, nesse caso, não seria de forma alguma uma opção.
Leia também: Visto de ingresso e autorização de residência na Suíça
Mesmo estando em Genebra, um grupo de brasileiros não se conformou em assistir de camarote e decidiu agir. Na mesma semana do assassinato, um grupo de brasileiros defensores saiu às ruas de Genebra para distribuir panfletos denunciando a execução. Entregamos material em dois eventos: Na entrada do Festival do Filme e Fórum Internacional de Direitos Humanos (FIFDH) e em uma manifestação de rua.
Denunciamos a execução de Marielle em um dos pontos altos do festival. Uma sessão que contou com a participação da escritora feminista, Chimamanda Ngozi Adichie, então seguimos para uma manifestação denominada #PrenonsLaVille, algo como “Tomamos a Cidade”. O objetivo do movimento que a protagonizou era promover a ocupação de espaços públicos e questionar os altos preços de aluguéis em Genebra. Para além dessa temática, a manifestação também acolheu temas como o crescimento do racismo, xenofobia e fascismo, além de pautar questões de gênero, o machismo e outras opressões impostas pela sociedade neoliberal que massacra e oprime minorias na Suíça. Foi muito emocionante ver tantas pessoas privilegiadas, erguendo suas vozes em nome daqueles que não o são.
Panfletamos para pessoas que participaram dos dois eventos. Além de denunciar a execução de Marielle, apresentamos também dados sobre o genocídio da população negra no Brasil, e o número de ativistas de direitos humanos assassinados desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rouseff.
Fiquei surpresa ao ver que muitos que estavam na passeata já estavam a par da situação no Brasil e até faziam um paralelo entre a morte de Marielle e a de Mike, negro ativista do coletivo Jean Dutoit, assassinado pela polícia em Lausanne. (www.almapreta.com)
O trabalho que dá “se organizar em um país organizado”
Toda semana, quando vou buscar a minha filha na escola, passo pela praça das Nações. Onde fica a emblemática sede das Nações Unidas. O local é um ponto de encontro para manifestantes e representantes de muitos povos e nações. Todo santo dia estão ali lutando por justiça, paz e resistindo aos horrores da guerra, do exílio e das violências em suas nações. Eita povo resiliente, viu? Abençoados sejam!
Achava eu que era só chegar lá carregando cartazes e megafones e pronto, mas nananinha não! Existe toda uma burocracia que envolve agendamento prévio para que manifestações não ocorram concomitantemente, autorização da polícia local e mais um monte de detalhes dignos da preparação de um casamento.
Papelada para a prefeitura, detalhamento do evento, logística, sonoplastia e muito mais. Por sorte, conseguimos o apoio do partido Solidariedade da Suíça, que nos brindou com toda infraestrutura da sede para elaboração de nossos materiais, ajuda para o deslindar das burocracias e apoio logístico.
Estávamos preocupados, afinal uma coisa é panfletar na manifestação alheia, e outra elaborar sua própria, mas é com a alma lavada que posso dizer que foi muito bonito.
Fomos cerca de 150 pessoas (uau!) protestando pacificamente em frente à sede da ONU. Lemos em português, inglês e francês uma declaração que elaboramos com o apoio de mais de cem entidades do Brasil, e que foi lida no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Como a arte e a cultura são coisas intrínsecas ao nosso povo, o ato contou com tambores xamânicos, música e até dança.
Crianças depositaram flores e poemas em homenagem à Marielle. Apesar da dor latente, havia poesia e amor transpirando pelos nossos poros.
Nós brasileiros somos assim, mesclamos indignação com canção, rimamos resistência com revolução.
O movimento que surgiu por Marielle deve dar luz a algo mais duradouro pró Direitos Humanos em Genebra. Não nos calaremos até que um amanhã melhor nos ouça, afinal, como diria a amada vereadora:
“Quantos de nós ainda vão precisar morrer para essa guerra acabar?”
2 Comments
Fabi, parabéns pelo texto. Gratidão por compartilhar. Isto nos ajuda a continuar lutando pelos nossos direitos.
Abraços!
Que bom que gostou! Fico muito feliz em achar outras sonhadoras espalhados pelo mundo! Continue com a gente!