Meu primeiro emprego na Itália – a advogada que virou garçonete.
Quando eu decidi deixar a advocacia no Brasil e mudar para a Itália, sabia que, pelo menos no início, as coisas não seriam fáceis. No entanto, sempre tive a consciência de que me adaptaria a qualquer tipo de situação e estava disposta a arregaçar as mangas e trabalhar duro pelo meu objetivo: manter-me aqui.
Antes de realmente entrar no avião e me jogar em um mundo de incertezas, tentei começar a procurar emprego pela internet. A primeira coisa que fiz foi entrar em um grupo do Facebook, o Cerco/Offro lavoro (procuro/ofereço trabalho). Para ser sincera, não foi uma grande ideia e não aconselho, até porque tinha mais gente procurando trabalho do que aqueles que estavam oferecendo. Vi muitos italianos que se lamentavam, e quando resolvi me manifestar perguntando como era a situação do emprego na Itália, me responderam: “Não adianta vir, não tem emprego nem para nós, que somos italianos, imagina para quem vem de fora”. A única coisa que consegui pensar foi: “Eles estão errados, e eu vou provar isso”.
Chegando em solo italiano sabia que tinha alguns poucos meses de tranquilidade financeira, porque antes de vir vendi meu carro e juntei uma grana, mas eu não queria ficar parada. Queria, o quanto antes, começar a ganhar o meu dinheiro. Então, a primeira coisa que fiz foi redigir meu currículo no formato europeu. Nunca imaginei que tinha um formato europeu, descobri através de uma brasileira que conheci aqui. Procurei um modelo no Google, traduzi tudo para o italiano e pronto, ou quase, porque tinha feito um currículo de duas páginas contando todo o meu histórico profissional como advogada e, pensando bem, toda aquela experiência na advocacia não importava para ser garçonete ou vendedora de loja.
Leia também: Minha chegada a Roma
O que eu fiz foi resumir bem a minha experiência profissional, duas folhas viraram cinco linhas, e adicionei algumas informações necessárias para que, pelo menos, me chamassem para uma prova. Resumindo, coloquei que no Brasil tinha feito bicos de final de semana em uma pizzaria e que tinha trabalhado em lojas de roupa quando era mais jovem, mesmo nunca tendo nem usado uma bandeja, e no shopping ia só para passear ou comprar alguma coisa. Enfim, alguns podem considerar essa “informação a mais” como uma mentira, eu considero apenas como um catalizador de realização de sonhos que, no meu caso, era ficar definitivamente na Itália. E acredite, sem um mínimo de experiência, ninguém te contrata.
Currículo feito, com foto – como se usa na Itália –, fui a uma papelaria e pedi para imprimir cinquenta cópias. Claro que, além disso, enviei muitos pela internet, me cadastrei em sites de várias empresas, no famoso “Trabalhe conosco”, que aqui é “Lavora con noi”; e também fui a uma agência de emprego. Mas adivinha qual método funcionou?
Leia também: Mudanças na lei de cidadania italiana
Vista-se bem. Bem quero dizer, não precisa colocar sapato social e terno, ou salto alto e saia lápis, mas também não pode se apresentar de bermuda e chinelo. Coloquei uma blusinha branca, calça jeans e tênis. Em uma pastinha coloquei os currículos e saí de casa. Entrei em todas as lojas, restaurantes e hotéis que via pela frente e pedia sempre pela responsável. Porque sabia que, muitas vezes, falar com um dependente normal pode não ser tão eficaz. Fiz isso por dois dias.
Meus amigos e familiares no Brasil me perguntavam: “Mas você não tinha vergonha? Como você se sentiu?”. Olha, é estranho! Vergonha não senti tanta, porque me lembrei de uma frase que li um dia, a qual dizia que todos nós temos vinte segundos de coragem extrema na vida, e que pelo menos uma vez, no curso da nossa existência, devemos – ou deveríamos – usá-los. A única diferença é que transformei vinte segundos em dois dias. Além disso, pensei: “Ninguém me conhece aqui, não tenho nada a perder”. Tanto, o não já era certo, tinha que lutar pelo sim. E não é que ele veio?
Três dias depois me chamaram em uma pizzaria para fazer uma prova. Seriam duas semanas de prova, já remuneradas. Depois que desliguei o telefone comecei a saltar de felicidade, mas logo em seguida me lembrei que aquela experiência como garçonete que tinha no currículo não era de verdade. Como não podia perder essa oportunidade, comecei a ler tudo sobre como ser uma garçonete, afinal não podia começar sem saber pelo menos o básico da teoria, mas com a consciência de que tudo seria bem diferente na prática.
Cheguei na pizzaria às 18h15 e já me deram cinco camisetas com o logo deles e um avental vermelho. Exigiam calça preta e cabelos presos. Nunca vou esquecer do momento em que me olhei no espelho, pela primeira vez, depois de colocar o uniforme. Foi muito estranho, até um mês antes eu estava de salto alto, vestido tubinho e no maior escritório de advocacia do Brasil, e agora estava de avental e tênis, pronta para mostrar toda a minha inexperiência como garçonete.
No mesmo dia, quase no final do expediente, o gerente disse: “Marina, a mesa nove pediu dois cafés”. Olhei para aquela máquina de café e me dei conta que eu não sabia como ela funcionava, mas é claro que não podia dizer que não tinha nem ideia de como começar, a única coisa que me veio à mente foi dizer que a máquina da pizzaria em que trabalhava no Brasil era bem diferente daquela, e se ele podia fazer a gentileza de me mostrar apenas uma vez como se fazia. Ele fez, eu prestei atenção, e nunca mais tive que perguntar de novo.
Depois do período de prova, me chamaram e disseram: “Vamos te contratar. Você foi muito bem nessas duas últimas semanas.” Agradeci ao gerente e fui para casa. No caminho só conseguia pensar em como Deus tinha sido bom comigo, pois apesar de quebrar uma garrafa de vinho em pleno sábado à noite, que é o dia mais movimentado, e trocar totalmente o pedido de duas mesas, eu tinha conseguido. Sabia que tinha me esforçado muito para aquilo. A sensação era muito parecida com aquela que senti quando vi o meu nome na lista de aprovados da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), pois sabia que a minha permanência no país que escolhi para viver dependia, em grande parte, daquele emprego.
Depois de um ano, muita coisa tinha mudado dentro e fora de mim. A advogada aspirante a garçonete aprendeu a levar oito copos com uma mão só, a fazer um chopp com um colarinho na medida certa, a servir três pratos de pizza ao mesmo tempo e muitas outras coisas que nunca teria imaginado aprender.
No entanto, a lição mais importante, e aquela que vou levar para sempre comigo, é que felicidade não se mede por um salário, por como você se veste, ou chefe de quantas pessoas você é. Felicidade é quando você encontra a sua paz interior, é sorrir ao chegar em casa, mesmo com a camiseta suja de molho de tomate e farinha de pizza. Felicidade é quando você se olha no espelho de avental, de tênis e cabelo preso, e sente orgulho de você mesma.
15 Comments
Marina mi fai morire…ricordo ancora il tuo primo giorno…e gli 8 bicchieri in una mano…per non parlare dei tre piatti di piazza…manchi tesoro…baciii ????????
Mi manchi tanto pure tu, perché sei una vera amica. Mi hai insegnato tu tutt’e queste cose, anche quando ho fatto una faccia si paura quando mi avevi detto che con una mano potevo portare 8 bicchieri.
Mi manchi tanto, tu e Nardita! Bacione amore! ????
Eriiiiii, e tutto questo mi hai insegnato tu. Madonna mi ricordo come se fosse ieri. Ti guardavo e pensavo: ma come riesce a prendere 8 bichieri con una mano. hahahaha mi manchi pure tu. vieni a Roma. bacione tesoro mio.
Você é incrível Marina, te admiro muito!!! ????
???????????? espero você aqui o quanto antes!
Espero ansiosamente a sua chegada aqui. Beijos.
Marina, eu tenho uma experiencia similar a sua… mas nao deixei o Brasil para trabalhar nos EUA, mas para casar, e de complemento, trabalhar. Hj trabalho como garconete tb, e gosto muito.
Sucesso, guria!
É tão bom quando nos encontramos né? Parece que nos amamos ainda mais. Sucesso para você também. Beijos
Nossa!!!!! Sua história é MUITO parecida com a minha! Saí de São Paulo onde tinha uma vida confortável, formada e pós graduada, para ter qualidade de vida. Eu também me senti muito estranha muitas vezes servindo mesas e me vestindo como garçonete em Lisboa, mas agora após 2 anos, e com visto que autoriza trabalhar aqui, estou bem cansada de exercer esse tipo de trabalho que inicialmente serviria só para me manter. Mas sinto orgulho de mim mesma também, até porque vir para Portugal tem um desafio a mais além de se sujeitar a um sub emprego: a cultura hostil e difícil daqui, o preconceito que é fortíssimo, e salários baixíssimos – os mais baixos da Europa, que só servem mesmo para sua subsistência.
Oi Glaucia, tudo bem? Histórias como a nossa inspiram pessoas que infelizmente vivem na zona de conforto. Eu descobri que a vida começa quando saímos da tranquilidade e da certeza. Pelo menos pra mim, foi libertador. Você vai achar um trabalho que goste, tenho certeza. Sucesso pra você. Beijão.
Marina,
Estou no processo de Cidadania.
Estou começando ler tudo entender tudo.
E não tem como se preocupar, ler textos como o seu são inspiradores.
Parabéns pelas conquistas que teve até aqui.
e Obrigado por compartilhar isso conosco.
Abraços.
Fernando, obrigada pelas palavras!
Te desejo todo o sucesso aqui na Itália! Abraços.
Ola. Parabéns pele texto e pela vitória.
Quando foi para Itália, já foi com cidadania ? Ja tinha o italiano fluente ? Conte um pouco mais desta parte de sua história também, custo de vida em Roma, salário inicial e etc. Um abraço e parabéns novamente. Muito sucesso e felicidade.
Sou advogado trabalhei em SP também por 08 anos. Me tornei empresário no Brasil ha 15 anos com uma empresa em Belo Horizonte. Com estabilidade financeira e empresarial, porém triste com a insegurança que temos aqui. Ainda mais com filha. Tenho cidadania italiana, passaporte europeu e pensamos em nos mudar. Eu, esposa e nossa filha de 06 anos. Gostaria de mais relatos seus.
Texto maravilhoso! ❤️ inspirador
Que gracinha a tua historia, dei um google pesquisando historias de mulheres reais e interessantes… achei a sua! Moro em Treviso, e cheia de ideias . Voce inspira! Te add no IG. baci