Desde o primeiro dia que cheguei na Itália, já sabia que aqui seria a minha casa. Sabia que iria lutar com unhas e dentes pela minha permanência no país que tinha escolhido para viver. Ao mesmo tempo, tinha medo, muito medo que não desse certo. Era uma mistura de sensações, um paradoxo de emoções que somente quem sai do país sabe o que significa. É a tristeza de ter deixado para trás uma vida e uma família. Até uma semana antes de vir eu era uma advogada trabalhando no maior escritório de advocacia do Brasil, e aqui eu era somente uma cidadã italiana começando do zero.
Depois de duas semanas, consegui emprego como garçonete em Perugia, que foi a primeira cidade onde morei. Ganhava pouco, mas também pagava pouco de aluguel e não tinha grandes despesas. Meu ex-marido veio comigo, mas não conseguiu se adaptar. Ele, também advogado – que adorava a profissão –, e carioca acostumado com o calor, de repente, se viu o dia inteiro dentro de casa sem poder fazer nada, por não falar italiano, e, pior de tudo, no frio. O casamento já não ia bem, e depois de seis meses resolvemos que a melhor opção era cada um seguir o seu caminho. Por dois meses eu dormi no quarto e ele na sala, convivemos como dois coinquilinos que não se conheciam, e depois que ele foi embora fiquei sozinha em Perugia, mas a minha permanência ali não durou muito. Logo decidi que não poderia continuar naquela cidade, por ser muito pequena, poucas oportunidades de emprego e muito fria.
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Depois de um ano vim a Roma. Comecei trabalhando em um hotel 4 estrelas como camareira, limpava privada suja todos os dias, e depois de duas semanas liguei chorando para a minha mãe, pois as minhas costas ardiam de tanta dor, devido aos colchões muito pesados que tínhamos que levantar para fazer a cama. À noite, não queria dormir, para não ter que acordar no dia seguinte e ir trabalhar. Pedi demissão do hotel, pois ainda tinha um pouco de dinheiro guardado, e depois de duas semanas da minha chegada a Roma, me vi sem emprego de novo, sendo que nunca me pagaram o tempo que trabalhei no hotel.
Resolvi enviar o meu currículo a escritórios de advocacia, sabia que não poderia advogar, mas poderia ser secretária. Após dois dias me chamaram, e lá estava eu naquele ambiente formal que não gostava já quando estava no Brasil. No entanto, me sentia feliz por ter conseguido um emprego que, na Itália, às vezes muitos italianos não conseguem. O sócio gostou do meu currículo, percebeu que a minha experiência poderia ajudar de alguma forma. Ao mesmo tempo, tinha já conseguido outro trabalho em uma agência de turismo do Vaticano. Então, o meu dia se resumia em: das 9 às 15 horas na agência, depois ia para casa, trocava de roupa, colocava o salto alto e o terninho e ia para o escritório, das 16 até às 19 horas, apenas três horas por dia, de segunda a sexta-feira, pois eu estava em período de prova, então fazia um horário especial, porém não remunerado.
Foram três semanas assim, até que o dono do escritório me chamou na sua sala e disse: “Gostamos muito do seu trabalho, queremos te contratar, então você precisa escolher entre este trabalho, que pode garantir o teu futuro aqui ou o trabalho com os turistas na agência”. Pedi um dia para pensar, ele já arregalou os olhos, sem dúvida pensou que eu era louca em ter que pensar para dar uma resposta desse tipo. Ele tinha dito também, já nos primeiros dias, que quando chegasse o momento justo, me ajudaria com os documentos para a transcrição do diploma aqui na Itália e, inclusive, para o pedido de conversão da minha carteira da Ordem dos Advogados do Brasil para aquela italiana.
Eu já não queria mais ser advogada, e se eu tivesse escolhido continuar no escritório seria somente pelo status de ser advogada na Itália, ou somente por ir trabalhar de salto alto e não de tênis. Eu já não me importava com isso. No dia seguinte, informei a minha decisão. O sócio do escritório quase não acreditou que eu havia escolhido trabalhar com turismo ao invés da advocacia. Talvez, mesmo sendo 30 anos mais jovem que ele, eu descobri algo muito mais valioso do que poder dizer “sou advogada”, que é poder dizer: “sou feliz”. Realmente o turismo se tornou uma paixão, como eu nunca poderia ter imaginado.
Um belo dia, pelas ruas do Vaticano, me parou um policial, perguntando se eu era sueca, por ser loira de olhos verdes. Dei uma risada e respondi que era brasileira, mas que a minha mãe era napolitana. Adivinhem? Ele também era napolitano. Na primeira vez, nem dei bola, até porque estava muito bem solteira. Mas depois que aquele carro da polícia parou mais duas vezes ao meu lado, resolvi mandar uma mensagem aquele que, mais tarde, descobriria que seria o homem da minha vida – ou pelo menos, até o momento tem tudo para ser. O homem que eu sempre pedi a Deus.
Depois de três anos na Itália, percebo que cada passo, certo ou errado, e cada decisão, influenciaram para que eu chegasse exatamente onde estou hoje. Sou muito realizada aqui, como pessoa e como profissional. Tenho a minha agência online para brasileiros, eu e meu namorado compramos uma casa, mas não queremos nos casar. Casamento basta um. As coisas estão indo tão bem assim, um pedaço de papel não mudará nada. Sabe que às vezes duvidamos do destino, de Deus, de nós mesmos, mas tudo acontece por uma razão. Confiar que tudo vai dar certo é a chave para o sucesso, e quando sentimos que estamos no caminho certo, encontramos a tão desejada paz interior.
3 Comments
Cheguei há 6 meses em NY e entendo perfeitamente o medo e a dualidade entre descobrir o que se ama ou continuar num job que paga e tem status. Ainda estou na minha jornada por aqui.
Amei saber sobre a sua coragem.
bjs
Oi Larissa, tudo bem? Acabei de voltar de Nova Iorque, fiquei uma semana lá, adorei! Exatamente, percebi que aí são muito pelo status né? Muito como no Brasil. Espero que você também esteja bem aí. Sucesso para nós. Beijos
Vendo esse Blog e comentários minha vontade de ir para Europa aumenta ainda mais , gosto de vida simples e de uma qualidade de vida melhor . Sonho com a Dinamarca mas soube que lá o custo de vida é bem caro . Tenho descendência italiana estou afim de tirar a cidadania e ir embora. Marina gostaria de conversar sobre viver na Itália se puder me passar suas redes sociais ou whats :*