Os birmaneses costumam dizer que Myanmar tem pelo menos 3 comemorações de Ano-Novo ao longo do ano: o Ano-Novo birmanês, que é próximo do calendário lunar e é comemorado em abril; o Ano-Novo Karen (etnia do norte do país), no dia 28 de dezembro e o Ano-Novo internacional, no dia 31 de dezembro. Um país que pode ter 8 dias da semana como expliquei neste artigo, pode também ter 3 “Anos-Novos”. Hoje vou falar mais sobre o ano novo birmanês, o Thingyan.
Em Myanmar, assim como em outros países do sudeste asiático, o ano novo local é comemorado em abril com o festival das águas. Tal como o famoso Songkran na Tailândia, esta tradição também existe em países como Laos e Camboja.
A origem do Thingyan vem da Índia. Brâmanes indianos que vieram ao Myanmar para servir nas cortes do reinado birmanês trouxeram suas tradições que, aos poucos, foram incorporadas e modificadas ao longo dos anos, dando origem ao festival como se conhece nos dias de hoje. O mito hindu que originou o Thingyan foi o mito de Thagya Min, que conta como surgiu o Deus Ganesh. O rei dos Brahmas, Arsi, perdeu uma aposta para o rei de Devas, Thagyan Min, que então decaptou Arsi. Por um milagre, a cabeça de um elefante foi posta no corpo de Arsi dando origem ao Deus Ganesh. Este Deus era tão poderoso que se sua cabeça fosse jogada ao mar, este secaria imediatamente; se fosse jogada no meio de terras, estas seriam queimadas; se jogada no ar, o céu pegaria fogo. Thagya Min então ordenou que a cabeça de Ganesh deveria ser carregada por uma princesa diferente todo ano. O novo ano significava então esta troca de mãos entre as princesas.
O Thingyan birmanês é comemorado em abril por, geralmente, 4 ou 5 dias, e culmina com o Ano-Novo em si. Este, por sua vez, sinaliza o final do verão extremamente quente e seco, com temperaturas que chegam até os 40 graus. Durante este período órgãos públicos, supermercados, restaurantes e o comércio em geral fecham por cerca de 10 dias. O primeiro dia do Thingyan, chamado de a kyo nei, é marcado por cerimônias religiosas e ofertas aos monges. Budistas tem que seguir durante este período os chamados oito preceitos, que incluem, dentre outros, ter somente uma refeição ao dia. Muitos budistas não seguem à risca os preceitos de sua religião em geral.
Hoje, o que foi iniciado com um cunho mais religioso, virou uma grande festa. Há várias comemorações pelo país com festivais, apresentações de música e dança; palcos são montados nas ruas, e não se pode deixar de lado a famosa tradição de se jogar água, não apenas durante as cerimônias, mas basicamente todo o tempo. As batalhas de água geralmente começam as 9 da manhã e vão até às 6 da tarde. Pessoas com baldes d’água, pistolas, jogam água umas nas outras e nos passantes. Jovens, velhos, crianças, birmaneses, estrangeiros, todos participam da brincadeira. Tudo sempre acompanhado de caixas de som emitindo músicas típicas da época e muito techno no melhor estilo ocidental. Isso no volume mais alto possível. A tradição de se jogar água em estátuas de Buda durante o Ano-Novo é como um ritual de purifição, lavando o ano que passou com todas as suas possíveis impurezas.
Muitos turistas vem ao Myanmar durante o Thingyan para vivenciar esta experiência única. Acomodação pode ser difícil de se achar durante os dias de Ano-Novo, por isso recomenda-se reservar hotéis com antecedência.
Outras pessoas preferem evitar o país nesta época justamente por causa do festival. Durante o Thingyan realmente vale aquele dito popular “quem está na chuva é para se molhar”, no sentido literal mesmo. Se você vier como turista nesta época, prepare-se para ficar extremamente molhado. Prefira usar roupas velhas que possam possivelmente serem danificadas, uma vez que a água nem sempre é limpa ou, às vezes, contém corantes. As pessoas se soltam com a música alta, mas também com muita bebida alcoólica, o que é um grande contraste quando comparado ao dia a dia birmanês. O grande consume de álcool gera muitas brigas, mas a maioria prefere ficar longe de confusões. Geralmente as pessoas não têm nada contra ficarem ensopadas nesta época tão quente. Mas jogar água em monges ou mulheres grávidas é tido como inapropriado.
As comidas típicas de Thingyan são parte importante da comemoração. A mais famosa é o Mont lone ye paw – bolinhas de arroz, jaggery (uma espécie de rapadura birmanesa) e coco. Muitas pessoas preparam juntas este doce. Uma grande panela com água é posta em fogo aberto e assim que a água começa a ferver, as bolinhas são postas na água. Quando elas começam a flutuar, estão prontas. São servidas com grandes raspas de coco fresco por cima.
Outro doce desta época – também é bastante popular – é o chamado Mont let saung, que contém basicamente os mesmos ingredientes do mont lone ye paw mas o preparo é diferente. Da pasta feita de arroz são feitas bolinhas bem pequenas que parecem gotas de chuva, estas são servidas com um caldo (como caramelo) feito também de jaggery e água. O preparo destas comidas típicas de Thingyan exigem todo um planejamento já que são feitas em quantidades enormes para que possam ser divididas com todos. O trabalho em conjunto é algo que faz parte das comemorações.
Depois do Thingyan tudo volta a normalidade e birmaneses que até pouco tempo estavam festejando intensamente, voltam à sua rotina: vendedores enchem as ruas com seus produtos e pessoas andando com seus típicos longyi, indo aos templos. As pessoas esperam que o ano que se incia traga boas coisas para um ano depois, em abril, tudo recomeçar.
Feliz Thingyan, Myanma hnit thit hma mingala a´paung ne pyay sone kya ba say!