Nessa vida forasteira, os tais amigos novos, onde achamos?
Pelos cinco países onde passei, fiz amigos em todos – AMIGOS, em maiúsculo, não colegas ou conhecidos ou gente que apenas se encontra eventualmente para bater um papo -, nem que fosse só um, logo, posso dizer que nuns mais do que noutros, noutros com mais facilidade do que nuns. E encontrei em todos eles o que chamo de minhas “Anjas” da guarda, mulheres locais que praticamente me adotaram, oferecendo-me as alegrias apenas proporcionadas pela companhia de uma boa amizade.
E cá estou em Portugal, sempre a contar como este lugar acolhe-me bem, mas, e os amigos? Respondendo em bom português versão PT: “tem, mas não há”. Isso mesmo. Traduzindo, vamos por as coisas sob este ângulo, tenho vida social, mas amigos mesmo, ainda não. Existem promessas, algumas piscadas de olho, além disso, um ano depois de minha chegada, nada muito firme. Intrigada e curiosa, confabulei algumas teorias para explicar esse fenômeno, vamos a elas!
Tenho a impressão de que independente do endereço, depois dos 30 e muitos, novas amizades tornam-se mais raras simplesmente por já termos um bom punhado de amigos antigos, gente que nos conhece desde sempre e aceita-nos do jeitinho que somos. Para esse pessoal não temos que provar nada, menos ainda, fazer sala e pode dar certa preguiça começar tudo outra vez. Bom, não sou isenta a este fenômeno. Declaro a mea-culpa e assumo a minha preguiça.
Brasileiros são mesmo os melhores amigos do mundo?
Agora, vencida a preguiça e pulando fora desse – vamos chamar assim – sedentarismo social, como começamos a busca por gente querida? Por aqui pode parecer simples, uma vez que Portugal tem atraído um amontoado sem fim de imigrantes, ou seja, gente na mesma situação que você: russos, chineses, angolanos, franceses e muitos, muitos brasileiros. Opa, brasileiros?! Sim, aos milhares, e dada a nossa natureza simpaticona, despachada e faladora, a coisa mais fácil em território português é encontrar grupos e mais grupos de recém-chegados desejosos de fazer amizade.
É quando você cai nessa igual ao patinho feio ansioso para reencontrar os seus irmãos cisnes e acredita, por dois minutos, que “brasileiros são mesmo melhores amigos do que o resto da humanidade”. Dois minutos depois, lembra-se que não é bem assim… Essa crença que escuto com mais frequência do que gostaria, especialmente por aqui, onde somos muitos, parece-me falsa sempre que faço lá certo esforço para acreditar nela e a razão é clara: não é porque alguém tem a mesma nacionalidade que a sua que o entendimento pessoal será incrível, simbiótico e natural. Logo, procurar “grupos de brasileiros X, Y, Z” com o intuito de fazer amizade pode ser apenas frustrante.
O mundo alarga-se e os círculos estreitam-se
Mas, continuemos. Digamos que você ingressou num desses grupos desejosos de fazer amigos, networking, trocas, compartilhamentos e cirandas fraternas. Não apenas grupos de brasileiros, mas de franceses, chineses, marcianos. O que acontece uma vez que você foi admitida? Sinto informar-lhe, mas entrará nos filtros da bolha. Bolha? Sim, a “bolha” saiu da internet e instalou-se confortavelmente no mundo real. Verdade seja dita, o povo está cada vez mais específico e seletivo. Se você não demonstra ter um perfil minimamente parecido com o do seu interlocutor, o “App” que parecem ter baixado para detectar se determinado humano está apto à amizade, vai vetar a sua candidatura ao posto de amiga sem pensar duas vezes.
Acontece que poucas, pouquíssimas pessoas interessam-se por quem de fato você é, por gostos, opções e ocupações além dos delas mesmas. É uma eterna entrevista tentando encontrar vínculos insignificantes, quando cada serzinho que temos a chance de conhecer pode, com as suas singularidades, abrir-nos mundos e visões completamente diferentes das nossas. Aqui mora a riqueza da amizade. Mas não me parece que este pensamento esteja atualmente na moda.
Diria eu que em 90% das conversas nessas reuniões supostamente montadas para conhecer gente nova, as primeiras perguntas são: “Você é casada?”, “Tem filhos?”. Não se engane, a resposta será determinante para que o papo termine por ali mesmo e nunca mais volte a acontecer. E caso a conversa vingue, a próxima questão ficará entre: “Tem intolerância ao glúten?”, “Come carne?”, “Apoia o Trump? Ou votou no Bolsonaro?”, “Ah! Voce tem cachorro?! Então deixa eu te apresentar a Fulana, ela também tem cachorro, vocês vão se adorar!”.
Lembro de um almoço, numa tarde quente de julho, bebendo mais vinho verde do que deveria para o horário, por simplesmente não ter como interagir com os tópicos discutidos à mesa: não, nem sei onde fica a tal escola gringa onde estudam os filhos da Madonna (Madonna Louise Ciccone reside em Portugal e tem quem se deslumbre com essa proximidade); não, também não faço botox; nem preenchimento.
Amizade via WhatsApp
O mais chato dessa interação é que todos, absolutamente todos esses grupos escolheram o WhatsApp como ponto de encontro. Isso mesmo, respire fundo e resista o quanto puder. Eu durei muito pouco, afinal, quem abdicou dos grupos familiares não se sente obrigada a participar de um conglomerado de dezenas – ou centenas! – de pessoas desconhecidas, cumprimentando-se pela manhã, à tarde e à noite, com dúvidas surreais jogadas ao chat, seguidas por respostas ainda mais sem nexo, sobre um assunto que já se perdeu pelo meio do caminho de memes e fake news, para, quem sabe um dia, receber um convite que me possibilite ter um convívio real com algumas delas. Até tentei, em diferentes grupos, mas esse tipo de socialização não cabe na minha vida.
E reforçando a falta de cabimento, as redes sociais esclarecem rapidinho quando você não foi aceita pela diretoria dos grupos. É a razão da sua ausência nas reuniões mais espontâneas e seletas daquelas mesmas pessoas que passam o dia entufando a memória do seu celular, mas não convidam para tirar a foto do Instagram em petit comité. Certeza que fui reprovada pelo App da amizade – e não, não votei no Bolsonaro, aliás, nem no outro; talvez seja o fato de ser carnívora? Estou na dúvida.
E agora?!
Não ter pressa. Presenças vazias em eventos coletivos, depois de algumas tentativas, não mais me interessam. Tentei, não tive paciência deu e assim dou preferência à rica companhia da minha solitude criativa. Um caminho é regar melhor as sementinhas de amigos com promessa de substância que começam a brotar nos grupos de yoga, de corrida e de escrita criativa que participo.
Investir em quem sorri de volta. Dar uma chance aos que não se importam se sou solteira, casada, jogo peteca ou crio porquinhos da Índia. Oferecer meu tempo para dois dedinhos de prosa com a vizinha. Chamar para um café. Falar de flores, dos nossos gostos, amores, tristezas, descobertas, ideias, diferenças! É assim que crio pontes entre o meu eu e o do outro, independente da língua, do sotaque e da nacionalidade. E aqui deixo um desejo para os próximos 11 meses: que em 2019 essas boas sementinhas possam finalmente germinar!
5 Comments
Olá, Cristina! Sou sua colega aqui no BPM. Passei pra dizer parabéns pelas belas palavras e pensamentos colocados de forma tão bonita e com um toque de humor. Lindo texto! Já fazem 3 anos e meio que estou aqui na Áustria e me identifiquei com (quase) tudo que você escreveu. Passo pelas mesmas dificuldades. Mas acredito que em algum momento pessoas especiais vão aparecer… Elas estão por aí, mas por serem especiais é mais difícil encontrá-las.
Um beijo grande!
Obrigada, Fernanda! O engraçado e bonito é que depois desse texto foram surgindo várias mensagens de mulheres que se identificaram com as situação e já estamos marcando o cafezinho das “desenturmadas”, rs… é isso mesmo o que disse, em algum momento pessoas na mesma sintonia aparecerão e ficarei muito feliz em acolhe-las porque vida com amigos é sempre mais feliz. Um beijinho
Olá! Meu nome é Adriana, resido em Cascais e me identifiquei muito com suas palavras e as situações, sintetiza tudo o penso e sinto sobre fazer novas amizades. Parabéns pelo texto!
Beijinhos!
Obrigada, Adriana! Um beijinho
Olá! O texto é de Janeiro, sou homem, ainda estou no Brasil, mas também quero comentar. ????
Concordo contigo Cristina. Passo pela mesma situação aqui em Curitiba mesmo depois de 24 anos morando aqui. Meus finais de semana são solitários, só eu e eu mesmo. Ano passado fui para Londres e a solidão quase me enlouqueceu. Agora penso em ir para o Porto ou Lisboa, e mesmo sem ter decidido se de fato vou, já estou pensando nessa solidão que encontrarei.
O ser-humano não foi feito para viver sozinho, mas já estou nessa realidade cruel e dolorida há 42 anos e ainda não me acostumei.
Quero a alegria de uma amizade, de um relacionamento, de um convívio…