Durante uma viagem de férias, conheci a pessoa que seria o motivo da minha mudança. Minha história é bem clichê: deixei família, amigos, trabalho, estudos, cultura e lembranças por amor. Foi uma mudança e tanto, e para isso precisei abrir a mente e lançar um olhar mais otimista sobre as muitas incertezas que eu tinha.
Decisão e dúvidas
Quando paro pra pensar, chego à conclusão de que não pensei muito. Apenas fomos os dois conversando, eu fui sonhando e planejando alguma coisa, mas pensar, refletir sobre o impacto da minha decisão e sobre como isso afetaria não só a mim mas também a toda minha família para sempre, sobre a saudade desgarradora que sinto até hoje, sobre todos os acontecimentos das pessoas queridas que eu perderia, sobre as amizades de sempre, que a partir desse momento seriam em modo virtual… Não, não pensei bem. Na verdade, achei que seria fácil me adaptar e aprender um idioma que sequer gostava de escutar (é, eu tinha um bloqueio total com o espanhol). Comprei uma gramática espanhola para brasileiros, li alguns jornais argentinos numa tentativa de me atualizar e entrar em contexto e, uns 3 dias antes de viajar, coloquei toda minha vida em 3 malas, de uma maneira tão mecânica e sem drama que nem eu acredito.
Despedida
Quando tornei pública minha decisão de mudar de país e de vida, recebi muito apoio. Acho que se houve nesse momento alguém que duvidou ou achou precipitado, nunca me disse nada. Foi 100% de aprovação e frases do tipo “vai ser feliz, amiga”. Foi bacana ver tanta gente na torcida pela minha felicidade. Obviamente que escutei as preocupações, conselhos e perguntas de todos, e creio que deixei muita gente sem resposta porque, sinceramente, eu não tinha nada claro e muito menos planejado.
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Os dias que antecederam a viagem foram de despedidas, almoços, trâmites e muita correria. Infelizmente não deu pra me despedir de algumas pessoas queridas, mas meu sentimento nunca foi de adeus, apenas de um “até breve”. Na noite da viagem, nos reunimos com minha família para um jantar e me senti acolhida. E depois, já no aeroporto, dei o abraço de despedida mais doloroso. Tão doloroso que no caminho ao portão de embarque comecei a pensar: “Ai, Alice. O que você tá fazendo?? E seu desistir agora? Ligo e explico. Ele vai entender. Se eu desisto, será que recupero meu emprego?”. Um turbilhão de pensamentos desse tipo invadiu minha mente, mas segui caminhando. O motivo mais forte que me fez embarcar foi o apoio da minha mãe, para quem minha felicidade é o mais importante, mesmo que eu seja feliz a quilômetros dela. Isso é amor. Ela me viu fazer as malas, fez minha comida preferida no meu aniversário (que foi 15 dias antes da viagem), me levou ao aeroporto e me viu ir embora.
Adaptação
Foi difícil e ainda é. Cheguei um dia 31 e demorei 30 dias para sair de casa sozinha. Tinha medo de não poder me comunicar e me perder. Como comentei antes, vim para a Argentina sem falar e entender duas palavras em espanhol e como sou uma pessoa bem musical, tentei encontrar um grupo/cantor (a) com quem eu me identificasse para treinar o ouvido. Sem sucesso, porque nenhum me agradou. Até hoje só consigo escutar, com gosto, a banda Soda Estéreo. Criei um esquema para me “alfabetizar” e em 6 meses já me sentia segura para ir a entrevistas de emprego, por exemplo. Também 6 meses foi o tempo que demorei, por pura inércia, a tirar o meu D.N.I (Documento Nacional de Identificação) e depois comecei a trabalhar em uma empresa argentina, o que me ajudou a entender um pouco os costumes locais mas, acima de tudo, acentuou as diferenças. É importante falar sobre isso porque passamos grande parte do nosso dia no trabalho e, como estrangeira, esse ambiente acabou influenciando minha visão do país, e ficar sem trabalhar teria sido um desastre pra mim, que no Brasil sempre tive várias atividades.
Gosto de pensar que, apesar de ainda não ter uma vida social como a que tinha antes, tive e tenho a sorte de ter apoio, cuidado e uma família que me recebeu com amor, o que me faz sentir que sou parte de algo e que posso criar minhas raízes aqui também.
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Trato de ver minha história aqui como um grande aprendizado sobre cultura, modo de vida, idioma e, principalmente, sobre mim. Hoje, faço as coisas no meu tempo e já não me exijo tanto. Enfrento a saudade e os – muitos – momentos de solidão. Vejo graça nas minhas trapalhadas morando longe do conforto e comodidade de casa. Me esforço quando o assunto é alimentação (fora as pessoas, é minha maior saudade). Aceito que comprar calçados e roupas vai ser sempre complicado. Convivo com as distâncias e sobrevivo ao ritmo frenético que Buenos Aires tem. Me adapto ao clima, que não se compara ao calor do ano todo de Manaus e, o mais importante: vivo com o coração dividido, mas lentamente sinto que pertenço a este país, que é minha casa e onde estão minha vida e projetos.
2 Comments
Menina que texto real! Parecia que você tava aqui comigo esses meses, me entendeu e screveu. Foi bem assim meu processo de mudança e ainda está sendo e é muito bom ver que isso é normal, aconteceu com outras pessoas também, dúvidas no embarque, as pequenas e grandes diferenças e dificuldades de adaptação e a saudade que é constante mas dá pra aprender a viver com ela.
Oi Marilia! Que bom que você se identificou com o texto!
Agora vejo que as coisas que eu passei e passo são normais pra quem decide viver fora.
Espero que você esteja bem no seu processo!
Te mando un beso!