O dia em que fui atacada em Bruxelas.
Finalmente chegou o dia! O dia com o qual eu tinha tanto sonhado e esperado. O dia em que eu tinha um emprego estável na Europa, o dia em que era independente financeiramente e trabalhava numa das maiores empresas têxteis da Europa e do mundo. Eu tinha trabalhado tanto para esse dia. Após oito meses da minha formatura em engenheira têxtil na Universidade de Zagreb e quatro meses de estágio nessa mesma empresa, eu tinha o meu emprego dos sonhos num cargo de liderança onde eu tinha a possibilidade de me desenvolver profissionalmente e ganhar muita experiência, o que era o meu principal objetivo.
Eu já estava há cinco meses na Bélgica, país no qual cheguei somente com minhas duas malas de roupa, o meu conhecimento e a minha força de vontade, além de uma grande incerteza sobre o futuro. Eu tinha novamente abandonado totalmente a minha zona de conforto em um país em que eu finalmente tinha me adaptado e aprendido a língua. Deixei o meu segundo país, a Croácia, no qual tinha vivido nos últimos quatro anos, para tentar a vida na Bélgica. Deixei meu namorado e todos os meus amigos croatas para tentar conquistar o meu sonho.
Durante os quatro meses de estágio, morei na zona metropolitana de Bruxelas, em uma pequena cidade chamada Kortenberg. Estava adorando a Bélgica e o meu trabalho, todos os meus colegas eram super gentis e ganhei valiosa experiência durante o meu estágio. Aprendi novas coisas e aprofundei o conhecimento obtido durante a minha graduação. Durante esse período, o meu namorado tinha começado a trabalhar na Alemanha e tentávamos nos ver todos os finais de semana, o que nem sempre era possível. Eu estava em um novo país, sozinha e sem saber nenhuma das línguas oficiais da Bélgica. Apesar desta situação complicada e desafiadora, a minha resiliência e foco no objetivo de conseguir uma vida melhor me ajudaram a vencer cada dia, até que finalmente me oferecerem um emprego fixo na empresa.
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No início de junho de 2018, comecei o meu emprego fixo no mesmo departamento mas em uma nova posição, e a empresa ofereceu um apartamento em Bruxelas para eu ficar enquanto eu procurava um lugar fixo para morar. Fiquei muito feliz com a minha mudança para Bruxelas, já que, como paulistana nata, adoro cidades grandes! Bruxelas tem em torno de 1,2 milhões de habitantes e é uma das capitais mais vibrantes da Europa. A cidade detém a sede da União Europeia e é formada por pessoas de vários países e com diferentes histórias de vida e motivos pelos quais moram em Bruxelas. Isso me fascinou muito e também a quantidade de serviços e opções de lazer na cidade é muito grande. Depois de quatro anos vivendo na Croácia, eu estava sedenta por uma maior diversidade e variedades de restaurantes e lazer, além de ter uma maior possibilidade de ter um bom emprego com um salário digno para se viver.
No dia 25 de junho de 2018, às 8 horas da manhã, o meu sonho foi atacado e para sempre vou carregar as cicatrizes.
Nesse dia, uma segunda feira, sai do apartamento e fui até a estação Chapelle esperar o trem para ir até o trabalho. Na saída da escada que leva até a plataforma, havia três homens. Quando passei por eles, eles começaram a me assediar e respondi em português, falando para eles pararem de falar comigo e que eles não tinha o direito de mexer comigo. Um deles tinha uma garrafa de vodka na mão e tentou me acertar na cabeça com a mesma. Felizmente consegui desviar desse primeiro ataque e tirei o spray de pimenta que carregava comigo desde que cheguei na Bélgica, por motivos de segurança. Afinal, estava sozinha em um país desconhecido, onde eu não tinha a mínima ideia quais lugares são seguros ou não. Após conseguir me desvencilhar, fui para o começo da plataforma porque vi que o trem já estava chegando e poderia entrar nele rapidamente. Porém, o ódio desse homem foi mais rápido. Ele chegou perto de mim na plataforma, falando algo em francês que não entendi, e meu deu um soco de mão fechada no rosto. Minha sorte é que meus reflexos funcionaram e entrei rapidamente no trem. Eu só sentia o sangue jorrando e o meu único reflexo era cuspir no chão pois o sangue enchia minha boca. O trem estava lotado pois era hora do rush, em que várias pessoas estavam indo para o trabalho, inclusive eu. Felizmente haviam várias pessoas no trem que me ajudaram e chamaram a polícia e os paramédicos, que já estavam esperando na plataforma da próxima estação, a Estação Central de Bruxelas.
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Fui levada até o hospital e me deram cinco pontos na boca, para estancar o sangramento. Após isso, fui até a delegacia registrar um boletim de ocorrência. Todos os funcionários do hospital e os policiais foram extremamente atenciosos e prestativos, pois eu estava em estado de choque e não conseguia parar de chorar.
Os pontos foram retirados, mas acredito que tenho mais cicatrizes psicológicas do que físicas. Afinal, um dos principais motivos por eu ter deixado o Brasil é a segurança. Nunca, em 19 anos que vivi no Brasil, fui atacada dessa maneira, o que abalou extremamente minha confiança em mim mesma. Eu estava sozinha em um país desconhecido e não podia tomar nenhuma decisão precipitada pois sabia que isso iria alterar agudamente essa fase da minha vida, o que é um tema para o próximo artigo. A maior vitória de todas é extrair coisas boas de fases ruins.
- O BPM disponibiliza de um diretório com dezenas de associações de apoio às mulheres vítimas de violência.
3 Comments
Nossa que horror!! Acho que foram certos imigrantes que não conseguem assimilar as leis e costumes do país que os acolheram. A polícia descobriu e puniu o agressor??
Fiquei preocupada com você!! Como você está hoje??
Mande noticias!!
Olá Aline,
A Nathália Nascimento, infelizmente, parou de colaborar conosco.
Obrigada,
Edição BPM