Nesse mundo super conectado em que vivemos é bem raro existir alguém que consiga ficar sem consultar, responder ou vigiar os e-mails profissionais ao longo do dia. Há quem ainda consiga a proeza de continuar conectado mesmo depois do horário de trabalho, inclusive aos finais de semana e nas férias. Pois é, para alguns, e hoje para mim, isso parece ser absurdo, mas para outros isso é uma prática digamos totalmente normal.
Para lutar contra isso, em janeiro deste ano, uma lei do novo código do trabalho foi aprovada na França e teve uma repercussão internacional devido à sua digamos, audácia. A nova lei de “direito à desconexão”, em poucas palavras, assegura o empregado o direito de não responder e-mails ou atender chamadas telefônicas do trabalho após o fim de expediente, ou seja 18h, e assim ele fica protegido contra uma eventual sanção. Isso vai basicamente, tentar dar mais uma reforçada na questão do equilíbrio entre a vida profissional e pessoal.
Eu me lembro que uma das primeiras impressões que tive de Paris, desde a minha chegada na cidade, foi a dos franceses apreciando o tempo livre ou o que eles chamam de… savoir-vivre.
Um dos lugares mais clichês pra se deparar com essa cena é nos jardins do parque Luxembourg; as pessoas aproveitam o horário de almoço e finalzinho de tarde depois das aulas ou do trabalho e nos períodos menos congelantes do ano, é claro, para curtir esse tempo livre das obrigações. Há quem queira almoçar no conforto do gramado, ou ler um livro e tirar um cochilo nas espreguiçadeiras, ou simplesmente contemplar a paisagem mesmo. Enfim, todo mundo encontra um bom motivo! Até porque, com uma paisagem dessas, fica fácil de encontrar né?
Eu como boa brasileira, acostumada a utilizar meu pouco tempo de almoço pra engolir alguma coisa rapidinho em um restaurante self-service, aproveitar para resolver pepinos do dia-a- dia, e depois voltar direto para o trabalho pra agilizar coisas pendentes, levei um tempo pra aprender a digerir essa forma mais tranquila de levar a vida. Na verdade, confesso que achava os franceses meio frescos sempre que escutava um comentário do tipo: “meu horário de almoço é meu, não vou ficar resolvendo coisas do trabalho”, ou “não sou paga para fazer isso”. Nós brasileiros temos o costume de dizer com orgulho que somos “pau pra toda obra”, e acho isso uma super qualidade nossa. Porém, depois de um tempo comecei a entender que aderir ao ponto de vista daqui também tem lá suas vantagens. Na verdade, dizer que não é pago por isso não significa dizer que você não sabe ou não pode fazer, mas sim que quer ser remunerado para desempenhar essa tarefa, e você não quer simplesmente se deixar explorar pelo seu superior. Depois de chegar a esse entendimento, percebi então essa sabedoria no equilíbrio entre vida pessoal e profissional. E isso vai totalmente contra aquela cultura da paranóia de primeiro o trabalho, depois o trabalho, e só depois a vida pessoal.
Os franceses, em geral, gostam de utilizar o tempo disponível depois do trabalho e dos estudos para cuidarem do seu bem estar, e isso é uma questão histórica e cultural. Uma vez ou outra, ouço comentários de amigos que vem à Paris a passeio reclamarem que aos domingos tudo está fechado; mas o que nem todos entendem é que se nós temos direito aos nossos dias de descanso, ora outras pessoas também devem ter não?! Algumas pessoas gostam de fazer piadinha, dizendo que eles são considerados os preguiçosos da Europa, devido a um estudo da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico – OCDE, que diz que a França é um dos países onde se menos trabalha no continente. E depois dizem que nós brasileiros somos um povo preguiçoso… Então tá né…
Piadinhas à parte, os franceses demonstram, ainda segundo esse estudo, que isso não passa de papo furado, pois provam que são os mais eficazes em termos de produtividade durante o horário de trabalho.
Me lembro que quando cheguei aqui não entendia muito bem porque deveria informar no meu currículo as coisas que eu gostava de fazer fora do ambiente de trabalho, do tipo esporte, atividades culturais, viagens, etc. Hoje entendo que isso vem muito dessa relação de equilíbrio entre vida social e profissional. Mas além disso, os recrutadores querem saber quais são os seus interesses, sua capacidade intelectual e como isso pode refletir no ambiente de trabalho, é claro.
Além de apreciar o tempo livre, os franceses também gostam de atividades ao ar livre e gratuitas. Isso me chocou um pouco no começo, pois no Brasil a gente tem a idéia de que o que é público, na maioria das vezes, não é de qualidade. Essa, na verdade, é uma visão bem deturpada, e isso eu pude ver de perto morando na França. Aliás, o país é um dos campões mundiais em despesas públicas para eventos culturais e de lazer.
Analisando tudo isso, acho que podemos concluir que, quanto mais tivermos tempo de lazer e soubermos bem aproveitá-los, mais eficazes seremos no nosso ambiente de trabalho, seja ele qual for. Afinal, equilíbrio é tudo!
4 Comments
Parabéns pelo artigo! Você descreveu perfeitamente a rotina de um típico francês! Morei na França por um tempo e aprendi muito com eles em como levar a vida de uma maneira mais leve sem deixar de ser eficiente e prático! Obrigada pela disponibilidade em escrever para o blog! Abraços!
Oi Carolina, obrigada! Que bom que você teve a chance de viver isso de perto também! De fato, os franceses sabem impor esse savoir-vivre no dia a dia deles e a cada dia aprendo um pouquinho mais como fazer o mesmo. Abraços!
Adorei!!
Oi Sara, que bom que gostou!