O guia de bolso de compras em Mumbai.
Percorrer os mercados indianos é como embarcar numa cápsula do tempo e desbravar as rotas da seda repletas de especiarias, tecidos nobres, perfumes elaborados sob medida, tapetes, antiguidades em madeira, mármore, bronze, prata. A tradição mercantil da cidade é extensa e parte dela confunde-se com a história de um de seus mais notáveis personagens, David Sassoon: um judeu de Bagdá que se estabeleceu na metrópole à beira do Mar Arábico para escapar das perseguições em seu Iraque natal.
Sassoon revolucionou o mercado têxtil na Índia, quando se converteu em meados do século XIX, no vínculo entre a China e a Grã-Bretanha: ele levava o ópio indiano para a China e trazia de lá bens que eram então vendidos para a Grã-Bretanha, de onde obtinha produtos de algodão. Para escoar a produção dos negócios da família, seu filho construiu o ancoradouro, Sassoon Docks.
Mas muitas outras histórias de mercadores povoam o imaginário de Mumbai e são escritas todos os dias nas ruas e nos vibrantes mercados da cidade. Mas as rotas da seda contemporâneas, por sua vez, podem assumir também a forma de charmosas lifestyle stores que combinam artigos de decoração, uma biblioteca de cuidadosa curadoria, peças em linho, seda e algodão orgânico e acessórios de badalados designers locais.
A proposta deste guia de bolso de compras em Mumbai é articular o passado ao presente, o impressionante e detalhado trabalho de artesãos às modernas ideais de criadores antenados nas principais tendências internacionais, que recuperam e subvertem a rica tradição indiana. Porque a Índia desafia o tempo todo o princípio da não contradição. Com a coexistência -nem sempre pacífica- de opostos.
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O nosso itinerário começa pelo bairro de Colaba, o enclave britânico ao sul de Mumbai, com linda arquitetura gótica e art deco. Em Colaba ficam os principais pontos turísticos da cidade, como o Gateway of India e o museu Chhatrapati Shivaji (também conhecido como Prince of Wales), e também é onde está o charmoso distrito artístico de Kala Ghoda.
Umas das mais interessantes feiras locais, a Colaba Causeway tem uma oferta infindável de bijuterias que vai mantê-la ocupada umas boas horas. Braceletes, colares e especialmente brincos barrocos e pesados para orelhas que estão em forma! Ali também é possível encontrar clutches (bolsa tipo carteira) com aplicações, bolsas bordadas do Rajastão e as bolsas de metal com pedras incrustradas que são bem típicas daqui, além das potli bags (espécie de saquinho, igualmente tradicional, com aplicações e que pode ser usado com sari, ou não). Sandálias rasteiras também estão por toda a parte, com acabamento até digno, e você irá precisar delas para se manter fresca no sol inclemente do verão indiano. Com um pouco de paciência, é plenamente possível encontrar camisas com bons cortes – reza a lenda que muitas são de marca e provenientes de caminhões tombados-, vestidos, além de calças (com cortes não tão bons, mas que um alfaiate resolve no mesmo dia).
Em Colaba abriu a mais nova queridinha lifestyle store da cidade: Clove. Coleção de óculos vintage -incluindo um wayfarer com alusão às olimpíadas de Barcelona 92-, jogos de mesa e coiznha em diferentes materiais como cerâmica, vidro e prata, uma linha exclusiva de produtos de beleza aiurvédicos, destaque para os esfoliantes, coleções pop up de roupa masculina, além de lindas peças femininas em linho e acessórios que vão fazê-la cogitar aumentar o limite do cartão de credito. Os brincos da designer Deepa Gurnani volta e meia aparecem por lá e podem ser a sua ruína financeira.
Mas se de ruína estamos falando, saindo da Clove dê uma esticada até Le Mill, uma loja que tem um pé na França e outro em Mumbai. Sai o espírito entre aventureiro e frugal da Clove e entra em cena a alta costura de peças Alexander MacQueen, Isabel Marant, Yves Saint Laurent entre outros. Há ainda uma sessão dedicada às joias e pedrarias.
Dali vamos para Kala Ghoda, que significa Cavalo Negro, facilmente localizado por uma escultura de um cavalo negro. Mas antes, que tal uma pausa para o almoço no café Le 15 para conferir as últimas criações gastronômicas do chefe colombiano Pablo Naranjo Agular?
Kala Ghoda é um bairro pequeno que começou a bombar há uns oito anos. Quando o Kala Ghoda Cafe se instalou ali “era tudo mato”. Logo, as mentes mais interessantes e suas criações foram se instalando e o bairro virou a sensação do sul de Mumbai, ou SoBo (South Bombay) com restaurantes, casas de chá, feirinhas de produtos orgânicos, sorveteria. Todos os meses de fevereiro acontece o concorridíssimo Kala Ghoda Art Festival.
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Faremos duas paradas. A primeira, na Nicobar, a lifestyle store por excelência. O nome se refere à paradisíaca ilha no mar de Andaman, e a referência tropical é onipresente: no jogo de sushi num delicado tom de verde e nas lindas e delicadas padronagens azuis das tigelas. As passadeiras de mesa e cama e as almofadas de puro algodão com motivos de palmeiras, além dos poucos e criteriosos livros de fotografia e design que estão displicentemente jogados numa estante entre binóculos e mapas antigos, criam um ambiente que remete ao além mar. Há algo de viagem de exploração no ar, mas especialmente há algo de uma siesta em uma tarde de verão.
Da paradisíaca ilha Nicobar chegamos ao Japão na nossa segunda parada. Na Obataimu o minimalismo dá o tom na estrutura de madeira, no ambiente clean e ao fundo, através do vidro, você pode acompanhar o trabalho das costureiras, que também podem ajustar à medida as peças escolhidas. Pense em cortes retos em calças e kimonos de seda. Mas pense também em tops cropped estruturados e nos curiosos livros de editoras badaladas, sobre as favelas do mundo, sobre o feminismo interseccional, sobre artes plásticas e sobre a nossa coexistência com os micróbios, com curadoria mais que especial de Prerna e Noorie, as duas mentes inquietas e brilhantes por trás da loja, que são a cara dessa deslumbrante Índia que emerge do encontro entre o tradicional e o contemporâneo.
Nos despedimos de Kala Ghoda, depois de tomar o melhor masala chai da cidade acompanhado de uma deliciosa torta de amêndoas e creme no Kala Ghoda Cafe, e damos um pulinho no bairro de Churchgate para nos maravilhar com a Bungalow 8. Um empório boêmio onde móveis vintage restaurados convivem com roupas que combinam os mais finos materiais indianos com design moderno, jóias e objetos de arte. Tudo remete à designer e restauradora Isla Van Damme que pode ser facilmente encontrada por lá em seu inconfundível estilo que mistura jóias masculinas do Rajastão e kaftans de seda. Encerramos a jornada dando uma esticada até a sorveteria Bachelor’s na Marine Drive. E com um sorvete de coco, a especialidade da casa, testemunhamos o inconfundível e alaranjado pôr-do-sol sobre o mar Arábico.
A Índia atravessa um processo acelerado de transformação. Mumbai atravessa um processo igualmente acelerado de urbanização. Nada como um passeio pelas contemporâneas rotas da seda para acompanhar como essas transformações refletem nos mumbaikars.