A mulher croata e seu papel na sociedade do país.
A Copa do Mundo de 2018 trouxe uma visibilidade enorme para Croácia, pois muitos não imaginariam que o país, com pouco mais de 4 milhões de habitantes, pudesse chegar tão longe e receber a admiração de tantos. Mas uma coisa em especial chamou a atenção de brasileiros e estrangeiros de todo o mundo: quem é aquela mulher simpática, participativa e animada entre os jogadores e torcedores? E que foi capaz de consolar um por um no final daquele jogo quando, ao invés de saírem de cabeça baixa, os seus heróis em campo foram ovacionados e recebidos como vitoriosos?
E assim, o mundo ficou conhecendo Kolinda Grabar-Kitarovic, Presidente da República da Croácia desde 2015. Essa imagem de “mãezona” repercutiu no mundo todo e trouxe os holofotes para o papel da mulher na sociedade croata. Afinal, um país que se tornou independente há pouco mais de 20 anos, veio de uma guerra sofrida onde os homens tinham que deixar suas casas, mulheres e filhos para lutar por sua pátria… Enfim, muitas questões surgiram na mente de muitas pessoas, curiosas para saber como a Croácia, em tão pouco tempo, havia se tornado uma República dirigida por uma mulher.
De acordo com o censo demográfico feito em 2012, existem pouco mais de 2.200.000 mulheres vivendo na Croácia, de um total de 4.250.000 habitantes, sendo que 23% do Parlamento croata é formado por mulheres, e 50% delas estão empregadas. Além de ocupar lugar de destaque na política, as mulheres croatas também são referência nos esportes. A mais conhecida delas é a esquiadora Janica Kostelic (medalha de ouro nas Olimpíadas de Inverno de 2002 e prata em 2006), irmã do também esquiador Ivica Kostelic (medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2006, 2010, 2014 e medalha de ouro em 2003). No atletismo, quem se destaca no salto com varas é Blanka Vlasic, medalhista de prata nos jogos Olímpicos de Beijing em 2008, e reconhecida, em 2010, como a Melhor Atleta do Mundo no Atletismo.
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Aí você me pergunta: mas sempre foi assim? A mulher sempre teve papel de destaque na sociedade croata?
Então, por conta do socialismo e histórico de guerra do país, as mulheres sempre exerceram a função de cuidadora do lar: trabalhar no campo, cultivar e produzir o que a família consome, limpar, lavar, cozinhar, ou seja, trabalho doméstico e voltado para o bem-estar da família. Muitas não se alfabetizaram, nem tiveram acesso aos bancos escolares. Isso não fazia parte da realidade de milhares delas, que foram criadas para serem provedoras, e desprovidas de qualquer oportunidade de crescimento. E por muitos anos essa mentalidade se perpetuou, e não havia perspectivas de mudança, até porque a sociedade se cristalizou dessa forma, e não se via motivo e nem necessidade para transformação.
Sendo assim, mulheres foram ensinadas a serem boas esposas e mães. Maridos assumiam o papel de serem livres em suas escolhas, de fazerem o que quisessem, de tratarem as mulheres da forma como achavam conveniente. Incrível pensar que, ainda em 2019, existem milhares e milhares de famílias vivendo dessa maneira, e achando tudo muito normal. Na verdade, os conceitos de tradição e comodismo se confundem muito por aqui: essa sociedade de hoje não deveria achar que, depois de tantos anos de uma época quando a mulher era vista como um ser à disposição do homem, a situação não devesse mudar. Só pra citar um exemplo, existem duas palavras para se referirem ao homem na língua croata (muž, significa marido, e muškarac, homem). Para se referir à mulher, porém, só existe a palavra žena, tanta pra mulher como para esposa, como se ambas fossem a mesma.
Uma coisa que sempre me chamou atenção (e me chama até os dias de hoje, sete anos desde que vivo aqui) é o fato de a mulher demonstrar uma força e querer estar em igual patamar que o homem. Digo mesmo no ambiente familiar, onde muitas, mesmo sendo ainda considerada uma sociedade extremamente patriarcal, não permitem que os maridos, filhos e homens do seu convívio levantem a voz, ou queiram desmentir algo que foi dito, mesmo que por brincadeira… Enfim, dá até briga quando uma mulher é contrariada ou desmentida por essas áreas!
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O engraçado é que, ao mesmo tempo em que buscam sucesso profissional e independência econômica e financeira, muitas (principalmente aqui na região da Dalmácia) casam-se cedo, engravidam uma, duas, três vezes, e contam com a ajuda do Governo por pelo menos 1 ano (uma espécie de Bolsa-família mais “organizada’ por assim dizer). É um desfile diário no calçadão de Split de mulheres com seus carrinhos, ou sentadas tomando café e fumando, e elegantes até a alma (ou não). Não estou querendo dizer que seja uma coisa ruim e que o Governo não deva ajudar, pelo contrário, acho um avanço e tanto. Porém, é uma dualidade que deve ser ressaltada.
Existe uma tendência no país a promover uma abertura maior e conscientização do papel que a mulher tem como direito na sociedade, deixando de ser apenas observadora, mas, principalmente, participativa, responsável por seu futuro. Aos poucos, as mulheres vão descobrindo que sim, podem ter voz, se expressar, correr atrás do que lhes é permitido, e se sentir iguais, não inferiores.
Há vários centros de Direitos Humanos, como a B.a.B.e em Zagreb, organização fundada em 1994 com o propósito de promover e espalhar conhecimento sobre os princípios da Declaração dos Direitos Humanos e Direitos da Mulher, assim como a Convenção de Istambul Contra a Discriminação Feminina.
As estatísticas de abuso contra as mulheres vem crescendo absurdamente (mais de 13 mil casos reportados em 2017), a maioria deles sem solução. Muitos ainda veem esse crime de violência doméstica como um assunto particular, que deve ser resolvido entre quatro paredes, sem a intervenção de terceiros. Infelizmente, as coisas caminham a passos de formiga, mas é preciso pensar positivo que essa situação drástica venha a mudar.