O que é um governo feminista?
Para muitas pessoas, a palavra “feminista” tem uma conotação forte, cheia de valores culturais, o que normalmente gera discussão. Mas na Suécia, há cada vez menos controvérsia com relação ao sentido do termo, principalmente depois que o governo levantou a bandeira dizendo ser o primeiro governo feminista do mundo!
Uma democracia não é verdadeira e sólida se todos não puderem gozar dos mesmos direitos. Isso significa não apenas a garantia constitucional do voto, mas também, entre outras coisas, do direito de representatividade e acesso igual aos recursos públicos. A conta é simples: as mulheres formam metade da população e, portanto, devem estar representadas em uma proporção semelhante.
O direito ao voto foi conquistado pelas mulheres em vários países europeus nas primeiras décadas do século passado. Na verdade, a Europa não liderou o processo pois antigas colônias britânicas como a Nova Zelândia e a Austrália já haviam instituído o voto feminino no final do século XVIII. O primeiro país europeu a instituir o sufrágio foi a Finlândia em 1906. Na Dinamarca, o voto universal veio em 1915. Na Suécia, várias tentativas foram feitas para universalizar o voto no final do século XIX, mas as mulheres só vieram a ter esse direito garantido por lei a partir de 1919, e só puderam votar de fato em 1921. Vale lembrar que no Brasil isso ocorreu na década de 30, e na França só em 1944!
Embora o voto tenha sido um marco histórico importante, esse não necessariamente levou a uma ampla representatividade feminina entre os tomadores de decisão. Isso ainda é uma questão a ser resolvida, e faz parte da luta feminista em todo o mundo. Na Suécia, o governo resolveu tomar uma atitude. Tem de fato tentado introduzir medidas para passar de palavras e frases de intenção a ações concretas. Se refletirmos bem, concluiremos que um governo que se diz democrático, deveria ter a obrigação de liderar um processo como esse. É bom que em alguns países isso esteja realmente acontecendo.
Ser um governo feminista significa tratar a questão da igualdade de gênero em todos os aspectos da política, desde a representatividade para que as decisões se baseiem nas prioridades de toda a sociedade, até a alocação de recursos públicos para fins e grupos diversos. Mulheres e homens devem ter a mesma oportunidade de formar a sociedade, influenciar decisões e participar ativamente em todos os setores de atividades. Além disso, é importante verificar de que forma as políticas adotadas afetam a condição de desenvolvimento para homens e mulheres.
Uma maneira ilustrativa e direta de mostrar isso está na formação do quadro do primeiro escalão do governo. Ao invés de usar números, veja abaixo a foto do atual governo sueco. Como lhes parece a representatividade feminina? Se contou que a metade do ministério é chefiada por mulheres, contou certo. Não encontrei uma foto do primeiro escalão do governo brasileiro atual, mas sei que tem o mesmo número de ministros que o governo sueco. A diferença é que o presidente brasileiro não encontrou uma única mulher em todo o país para compor o seu quadro de ministros!
Vejo que o governo sueco está realmente empenhado em liderar o processo de melhoria da representatividade feminina. Isso tem sido observado também em outros níveis, tanto na política local como na chefia de agências governamentais. Hoje a população já tem essa expectativa, e os repórteres e outras organizações estão alertas para fazer a cobrança.
Enquanto isso, como está a representação feminina nos conselhos empresariais? Diversas vezes o governo sueco ameaçou alterar a legislação para obrigar o aumento da representatividade – o objetivo é ter pelo menos 40% de mulheres nos conselhos empresariais. Hoje, após vários anos de discussão, um terço dos conselhos das maiores empresas suecas é composto por mulheres, o que pode ser comparado com os 25% nas maiores empresas da Europa como um todo.
Mas a Suécia não está liderando sozinha a luta pela representatividade ou a igualdade de direitos. A Noruega legislou a representatividade feminina em conselhos empresariais e por isso mesmo já tem praticamente metade dos conselhos compostos por mulheres. A Islândia, onde metade do governo também é composto por mulheres, foi ainda mais longe e legislou para garantir que as mulheres tenham remuneração igual a dos homens. Em todo o mundo ainda se vê uma grande discrepância entre a remuneração que se paga a homens e mulheres. Sabemos que é comum mulheres ganharem menos que homens para fazer o mesmo trabalho a despeito de leis contra discriminação. Pois bem, na Islândia o cerco está se fechando.
Quando eu cheguei na Suécia nos meados da década de 80, confesso que fiquei um pouco decepcionada pois esperava que houvesse uma mobilização maior entre as mulheres do que a realidade que encontrei. Afinal de contas, a Suécia era conhecida em todo o mundo por ser progressista. De lá para cá, muita coisa aconteceu e me parece que realmente agora não apenas as intenções estejam se transformando em ações, mas a mentalidade da sociedade também está mudando. Isto fica claro entre os jovens. Na universidade vejo cada vez mais as jovens tomando espaço onde antes os rapazes dominavam. Hoje olhando para trás, penso que talvez as últimas décadas do século passado tenham sido um momento de juntar forças para abrir o novo século com uma agenda feminista mais forte do que nunca.
Fiquem ligadas! Para abril deste ano, o governo sueco organiza uma conferência sobre igualdade de gênero. Certamente é importante que o governo tenha ações feministas também a nível internacional. É preciso juntar forças para que juntos possamos cobrar dos dirigentes políticos ações que garantam o direito das mulheres, direito à educação e saúde, direito à representatividade, acesso a recursos. Enfim, trata-se do direito de participar de forma plena na formação e desenvolvimento de uma sociedade democrática e moderna.