Desde pequena sempre ouvi falar que o Japão era a terra das oportunidades: parentes falando que compraram carros com 3 meses de serviço, ou com dez dias de trabalho. Isso não é verdade, tendo em vista que, se você ganha 15 mil yen por dia, tem, sim, carros que custam 150 mil, porém, não se fala qual carro é, e que ninguém que sai da sua terra natal, sem dominar o idioma, vai querer menos que um carro melhor do que já se teve no Brasil.
Ouvia também que ao chegar por aqui, adquire-se um telefone daquela marca “famosona” de graça, coisa que no Brasil é sonho de consumo de 90% dos brasileiros, gerando sempre a mesma pergunta por parte de quem está no Brasil: “Quanto custa aí (aquele telefone)?”. Sim, é fácil adquirir porque o aparelho é pago junto com sua conta de telefone, mas está longe de ser gratuito. Bom, se temos mais oportunidade de melhorar de padrão de vida no Japão? Sim.
Eu que estou morando há dois anos, consigo notar muita melhora em minha vida, tal como a segurança da minha família. Hoje saio 3 da madrugada se preciso for, sem medo, vou até uma loja de conveniência com todo dinheiro que tenho na carteira e sei que vou voltar com ele pra casa. A educação das pessoas, o respeito pelo próximo é algo invejável.
Hoje, quando levantei antes de todos, a casa ainda estava em total silêncio, sem as milhões de perguntas e citações sobre os sonhos esquisitos que a minha filha de 6 anos costuma ter (ela explica nos mínimos detalhes). Abri a torneira para encher o reservatório de água da cafeteira, o som que fez a água saindo do cano, me fez lembrar do som que a água fazia ao bater no fundo da chaleira quando minha mãe enchia para fazer café, ela também levantava mais cedo que todos e corria para fazer o seu café cujo cheiro, logo pela manhã, era como um bálsamo para mim.
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Isso me fez repensar quanto tempo perdemos em não amar e se importar com os que estão ao nosso redor. Ninguém me contou que, sim, você vai ter seu carro automático com todos os opcionais possíveis, e o que não tiver eles colocam, mas você não terá seus amigos na sexta-feira feira, ligando e perguntando:
– Qual é a boa de amanhã?
– Vamos pedir pizza ou pastel?
Mesmo que você tenha amigos, eles não ligarão, porque, tanto você quanto eles, trabalharão sábado e talvez domingo. E quando há alguma folga, a maioria está muito cansada.
Você também não terá aquela segurança que tudo será resolvido. Não, aqui não tem disso não, ou se faz como japonês decide ou você fica sem fazer, e se ficar sem fazer, terá consequências. Também não contaram que você pagará impostos e mais impostos, e que, guardar dinheiro agora, é quase impossível, diferente da época que meu pai veio, quando o salário era quase que inteiro para mandar pro Brasil. Nos dias atuais, 80% dos brasileiros não querem mais voltar por não terem condições de guardar para retornar, preferem sobreviver aqui!
Não me contaram que a saudade da terra que tem palmeiras onde canta o sabiá -, e realmente as aves aqui não gorjeiam, como diz na canção de Gonçalves Dias, aqui as aves gritam na maioria das vezes, ôôô lugar pra ter corvos… – essa saudade fere, sim, eu tenho saudade até do cheiro da minha terra.
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Também não me contaram que aqui eu teria minha filha ingressada em uma escola maravilhosa, com um espaço amplo para brincar, correr e até mergulhar em poça de lama, com piscina para usufruir todos os dias no verão.
Não contaram que eu poderia levar minha filha na Disney no aniversário dela, e todos os funcionários desde o manobrista até o garçom do restaurante, dariam parabéns pra ela e que esse dinheiro gasto lá, não iria me deixar devendo até as calças ou estourar meu limite no cartão.
Não contaram que teria sempre algum senhorzinho ou senhorinha, com uma bandeirinha na mão esperando as crianças passarem, e verificar se está tudo bem no trajeto até a escola, e dar bom dia a todos. Sim, eles vão pra escola sozinhos com 6 anos.
Não contaram que, sim, pago muitos impostos, mas eu vejo o retorno: ruas limpas, bem sinalizadas e sem buracos, arborizadas e sempre com um jardinzinho com flores e ou bonsai bem aparadinho; que a prefeitura atende muito bem e o funcionário ajuda sempre, mesmo você não entendendo a língua dele.
Não contaram que nas lojas você é sempre recebido com um ̈IRASHIAIMASE ̈ (seja bem-vindo), e depois das suas compras, dependendo da loja, eles levam a sua sacola até a porta e fazem reverência antes de você sair, e se você olhar pra trás ele se curvará novamente.
O problema que não me contaram é que eu iria embarcar no avião japonesa e desceria, no Japão, brasileira. Aqui, mesmo descendente, somos Gaijin (estrangeiro, em um modo pejorativo) e que as regras e costumes são pesados pra quem foi criado quase que sem regras. Eu nunca imaginei que teria que lavar o lixo plástico e ou de alumínio antes de descartar, e que o descarte tem dia e local para acontecer.
Porém, sem reclamar, aqui, sim, é bom, tem seus lados ruins como em todo lugar, e que a saudade daquele cheirinho do café passado na hora, do café forte do meu Brasil, faz, às vezes, eu esquecer o lado bom daqui e o lado ruim de lá.
E assim segue a vida que ninguém me explicou, em busca do que me contaram.
2 Comments
Gostei muito do texto, bem legal e porque já visitei o Japão, então deu para entender algumas coisas que você citou. Boa sorte e que possa saborear de um bom café aí também pois os japoneses também apreciam de um café.
Amei seu texto Valéria, apesar de morar nos EUA e não no Japão o sentimento de expatriada é o mesmo. Parabéns pelo lindo relato!