O que os dinamarqueses comem?
Dentre tantos desafios do período de adaptação e integração a um novo país, uma das necessidades vitais do ser humano – comer – pode se transformar num dilema. Seja por alergias, gostos pessoais ou até mesmo costume, muitas vezes é difícil alimentar-se num lugar que possui costumes, história e tradição diferentes dos nossos. Nosso novo ‘lar’ geralmente tem outra história, hábitos diferentes, e isso se reflete nos alimentos que são consumidos pela população em geral. A alimentação é um dos aspectos da cultura de um determinado local e, muitas vezes, acaba se tornando um desafio, ou até mesmo um pesadelo para quem ainda não se aculturou.
No Brasil, a alimentação teve forte influência portuguesa, africana e indígena. Nossa comida do dia-a-dia é pesada, ‘gorda’, rica em energia e nutrientes, possivelmente por conta do nosso passado colonial, onde alimentar-se bem era extremamente necessário para o trabalho nas lavouras de café e açúcar. A dupla “arroz com feijão”, presente praticamente todos os dias nas mesas brasileiras, é o que nos remete de volta pra casa instantaneamente, quando moramos fora.
Na Dinamarca, a comida reflete dois pontos principais: a herança rural e a praticidade. Come-se muita carne de porco e derivados, e apesar de ter uma enorme costa, os dinamarqueses comem mais peixe na época de Natal. No almoço geralmente se come um sanduíche aberto com algum tipo de cobertura. Esses sanduíches se chamam smørrebrød. O smørrebrød, que na tradução para o português significa ‘pão com manteiga’, é um sanduíche aberto tradicional dinamarquês, que consiste basicamente em pão de centeio (rygbrød) com manteiga e frios, ou outras carnes variadas (filé de frango ou peixe empanado, frito e frio), às vezes acompanhadas por fatias finas de pepino, ervas frescas, cebolas em rodelas e remoulade, uma espécie de molho parecido com maionese. Podem-se usar também ovas de peixe (caviar), ovos, camarão cozido ou rosbife. O sanduíche, símbolo do país, é consumido principalmente em ocasiões festivas ou grandes reuniões, como casamentos e funerais, por exemplo, mas pode ser consumido no dia-a-dia também.
As refeições quentes são feitas quase que exclusivamente no jantar, quando a família se reúne à mesa, e no almoço as pessoas optam por sanduíches de vários tipos. A base alimentar do dia-a-dia se constitui de pão branco e pão de centeio; geleias e compotas; queijos, leite e derivados; carne de porco moída (usada para fazer frikadeller, um prato que fica entre a almôndega e o hambúrguer), patê de fígado de boi ou leverpostej, muito popular e consumido no pão de centeio, acompanhado por bacon crocante; carne moída de boi; cortes variados de frango; embutidos; diversos cortes de porco; creme de leite; entre os vegetais, batata, e outros legumes e verduras como brócolis, aspargos, cogumelos (sobretudo cogumelos paris, comumente chamados champignon), tomate, pimentão, alho poró, alface, rúcula, pepino; ervilha e milho em conserva também são comumente usados.
A carne de boi é muito cara. Com relação a temperos, o básico: cebola, alho, sal e pimenta, em doses equilibradas. Muitos dinamarqueses fazem uso de especiarias e ervas como orégano, manjericão, dill, pimenta branca, caril amarelo indiano; a canela é a preferida para doces. Uma coisa que acho curiosa é que todo doce preparado com algum tipo de massa é chamado de kage (bolo): portanto biscoitos, pães doces, tortas e bolos estão no mesmo patamar. O consumo de massas prontas (macarrão seco e fresco, massa de torta, massa podre) é bastante popular. Quase todos os produtos consumidos na cadeia alimentar dinamarquesa são industrializados, apesar de estar crescendo no país a procura por produtos naturais e orgânicos, motivada pelo desejo por uma vida mais saudável e equilibrada. É um grande paradoxo, pois ao mesmo tempo em que existe esta tendência, existe também um alto consumo de bebidas alcoólicas no país, incluindo jovens consumidores (faixa etária de 15-25 anos).
Comer é algo que aproxima as pessoas, e na Dinamarca não podia ser diferente. Juntar amigos para um jantar, ou mesmo participar de um ‘clube de comida’ são atividades apreciadas pelos dinamarqueses em geral. Apesar disso, culturalmente falando existe uma resistência dos dinamarqueses em provar comidas diferentes das que estão acostumados, e pratos de outras culturas podem ser ‘exóticos demais’ para os conservadores dinamarqueses.
Ultimamente tem-se notado uma tendência na mudança do comportamento alimentar de alguns dinamarqueses, sobretudo os que têm ou tiveram contato com outras culturas, porém ainda prevalece a cultura de valorizar a tradição nacional, em detrimento de costumes estrangeiros. Entretanto, devido ao número crescente de imigrantes no país (mesmo com as restritivas políticas impostas pelo governo) é possível encontrar ingredientes básicos de muitas cozinhas ao redor do mundo.
Aqui é fácil encontrar feijão, arroz jasmim e basmati, e lentilhas de variados tipos; temperos orientais como folha de limão kafir (para pratos tailandeses), broto de feijão e bambu, molho de soja, molho de ostra e caldo de peixe; farinha de tapioca, polvilho azedo e até mesmo Guaraná Antarctica, para alegria dos brasileiros.
As frutas são praticamente todas importadas, à exceção de frutas silvestres como framboesa, morango, mirtilo, amora, cereja entre outras. Frutas tropicais são menos doces aqui que as do Brasil: nunca consegui, por exemplo, comprar um mamão satisfatoriamente maduro para o consumo. Há também um consumo muito grande de polpa de fruta (inclusive é possível encontrar em alguns supermercados frutas brasileiras como açaí e acerola) e frutas silvestres congeladas. Essas são todas usadas no preparo de smoothies (iogurte com fruta e creme de baunilha), que são geralmente servidos como sobremesa.
Em matéria de doces, os dinamarqueses são menos fãs de açúcar que nós, brasileiros. Nossos populares doces são por vezes ‘doces demais’ para o paladar daqui. Em contrapartida, o que não se come de doce, come-se em molhos e coberturas variadas à base de creme de leite: sempre haverá um creme de baunilha ou molho de salada na maioria das mesas dinamarquesas.
Outro fato curioso sobre os dinamarqueses é que eles adoram balas de alcaçuz, aqui chamado de lakrids. Existem duas versões da famosa balinha: uma que é doce e outra, salgada, e nas versões doces, também combinadas com outros sabores. A marca mais famosa é Ga-Jol, que virou meio que um sinônimo para bala de alcaçuz. Ga-Jol também faz uma bebida igualmente popular, que é uma mistura de vodca com alcaçuz e outros sabores combinados.
Sobre etiqueta à mesa, um costume interessante nas mesas dinamarquesas é que ninguém se retira da mesa antes de agradecer ao cozinheiro pela refeição. Tak for mad! (tak for ‘mêl) é como se diz ‘obrigado pela comida’, ao que se responde velbekomme (bom apetite/obrigado); essa é uma obrigação de polidez para manter o espírito ‘hygge’ no ar. Retirar-se da mesa sem agradecer é mal visto. Também não se deixa comida no prato: se acha que não vai comer tudo, sirva-se com pouco. E ao convidar pessoas para um jantar, é sempre de bom tom perguntar as preferências alimentares dos convidados, principalmente para evitar surpresas. Os dinamarqueses são muito diretos e francos, e se não gostarem da comida, irão dizer na sua cara, sem a menor cerimônia e sem se preocupar em quanto tempo você passou na cozinha.
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Faltou falar das comidas de rua. São populares os fransk hotdogs (cachorro-quente), vendidos nas pølsevogn – as carrocinhas de cachorro-quente daqui – sobretudo nas cidades grandes como Aarhus e Copenhague. Mas o cachorro quente dinamarquês é bem mais simples que o ‘dogão’ brasileiro: é um pão branco (franskbrød) com uma salsicha frankfurter ou de hotdog, ketchup e mostarda ou maionese, e só. Existem versões um pouco mais sofisticadas, por assim dizer, com picles e cebola crocante, mas o mais comum é o pãozinho simples com salsicha. Uma curiosidade: na Dinamarca, todo pão branco é franskbrød, ou pão francês na tradução para o português. O pão que conhecemos no Brasil como pão francês, por aqui é chamado de mini flute.
Outras comidas populares de rua são durum, que é como o nosso Beirute no Brasil, feito com carne de kebab (a que conhecemos no Brasil como churrasco grego) no pão pita e que pode ser tanto igual ao Beirute ou servido como um ‘wrap’, como um döner kebab; e pizza com pouco queijo e outras coberturas que podem ser inclusive insólitas. Já aconteceu comigo na primeira vez que visitei a Dinamarca de eu falar pro meu marido que queria uma pizza ‘com sustância’ e quando chegou a pizza, a cobertura era de espaguete com molho de carne…
Ficou curioso e quer saber mais? O site do governo que promove o turismo na Dinamarca fornece informações em português sobre a culinária dinamarquesa, com curiosidades, informações e receitas para quem quiser se aventurar.
Værsgo og velbekomme!
13 Comments
Nossa que diferença! Deve ser difícil adaptar o paladar ai, já que nossa culinária é tao rica. E eu que pensei que a comida suíça era meio esquisita. Hehe… Gostei mto do texto! Espero a visita de vcs no meu espaço! Bjos!
Obrigada, Mariana! Pra mim, a coisa mais difícil mesmo foi comer comida fria no inverno!
Estive no seu blog algumas vezes, vou continuar visitando e comentando! Bjs
Oi Cris!
Eu, que sou fominha, amei o seu texto e fiquei com desejo de comer tudo que você mencionou! Hehe! Acho que, como turista, experimentar comidas novas faz parte da experiência de se conhecer uma nova cultura!
Acho que a comida dinamarquesa tem algo que ver com a comida alemã ou estou enganada?
Como expatriada, sinto saudades do meu pão de queijo, do meu café brasileiro e do meu arroz com feijão. Claro que depois de tantos anos fora, aprendemos a nos virar com aquilo que temos! 😉
Seu texto é ótimo!!! Parabéns!!!
Beijos!
Cristiane,
Bem bacana..A culinaria do norte da Europa e bem parecida, na Polonia se come varios pratos semelhantes. O gherkin (pepino em conserva) nunca falta na mesa, assim como muita carne e enchidos, que eh tipico tambem. A foto do kotlet (almondega de carne) com batata cozida e gherkin e tipico por la tambem…Adoro os doces dinamarqueses. Quando fomos no casamentos de uns amigos anos atras, em Esbjerg, todos os dias comiamos danish pastry fresquinhos (que delicia) rs…bj
É Ann, acho que é o passado de guerras e privações, junto com a herança agrícola/rural é que tornou possíveis as semelhanças alimentares entre os países do Leste e Centro Europeu: na Alemanha do Norte também se come muita batata e carne de porco, igual aqui! Agora os ‘kage’ daqui, quando são bolos e não pâtisserie (gosto mais do termo francês, hihihi) eu acho muito pesados… Bjo
Nossa minha querida, eu so posso dizer que passei apertos na escandinavia, pois se come muitos peixes, a comida é levemente temperada e eu ficava super sem graça pois as pessoas queriam gentilmente me apresentar suas comidas tipicas locais e eu….. meu deus, nao sabia como tentar fazer cara boa, rsrsrrsr o mesmo problema passei no Hawai, quando os locais me ofereciam “sushi” pra cafe da manha, rsrrs eu nao como sushi, eu gosto das coisas bem cozidas, rsrsrsrrs mas ai acabei encontrando meus agrados também, mas com certeza se adaptar no inicio nao é facil, com certeza a culinaria é uma riqueza cultural enorme! Otimo texto! Namasté!
Ana, aqui na Dinamarca o pessoal come até pouco peixe. Eles costumam comer peixe mesmo é no Natal. No dia-a-dia a comida é mais carne de porco, mesmo… Talvez na Noruega e Finlândia se coma mais peixe que aqui! Namaste!
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Em minha casa já morou uma menina dinamarquesa e depois fui até Copenhague para seu casamento e pude vivenciar e saborear as delicias da culinária deles.Você descreveu muito bem os hábitos e costumes,deu saudades e vontade de voltar.
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Muito bacana essa matéria! Adorei ter lido sobre as diferenças e peculiaridades da Dinamarca. Muito obrigada 🙂
Agradeço a visita e continue nos acompanhando! 🙂
Muito bom , irei utilizar as dicas . Mas gostaria de saber de um restaurante frequentado pelos nativos de copenhagen , que nao fosse turistico . Vc sabe.