Denise Castro é uma brasileira de Belém do Pará que atualmente mora com a família em Grafing bei München, na Baviera. Tive o prazer de conhecer a inspiradora Denise no projeto Oficina de Escrita, em Munique, o qual venho contar e divulgar através de uma entrevista com essa grande professora que vem realizando um lindo trabalho com mulheres brasileiras mundo afora.
O projeto tem como objetivo inspirar e/ou motivar mulheres brasileiras imigrantes na arte da escrita, despertando-as para um novo olhar sobre a vida e, até mesmo, para uma outra profissão. Dar voz a mulheres é sua grande motivação. Denise divide seus conhecimentos literários e sua perspectiva peculiar de forma solidária e poética, enriquecendo a vida de quem tem o prazer de vivenciar essa experiência.
BPM – Fale um pouco da sua trajetória pessoal.
Denise – Fiz “sopa de letrinhas” no Brasil, carinhosamente assim definido por mim, para o resto do mundo chama-se Letras, Língua e Literatura portuguesa, na Universidade Estadual do Pará. Teimosa e independente, trabalhei desde o primeiro ano da faculdade, como professora de redação e literatura, pois além de querer bancar meu próprio heavy metal e bossa nova nos bares e cafés, queria também ser uma boa professora. Claro que, naquele tempo, o gozo dos poucos reais eram a cereja do bolo, mas graças a essa necessidade de ser independente, conheci pessoas, trabalhei com grandes profissionais e a soma disso tudo fez de mim uma apaixonada pelas Letras. A música também continuou… é uma cachaça que não acaba nem fica pouco, igual amor de caboco.
Estou fora do Brasil desde junho de 2012. Saí com a inseption de que a Alemanha era o meu destino, sonho de consumo, the best of the best para minha vida. Não sabia de nada, tão inocente, aos 25 anos. Fui sozinha, mas tive apoio de amigos brasileiros residentes em Baden-Württemberg. Passei quase três meses vivendo no Bodensee, em Friedrichshafen. Quando estava quase aprendendo a pronunciar o nome da cidade… infelizmente tive meu visto de permanência de um ano negado. Papo vai, papo vem… com alguns apoios resolvi ir a Portugal. Ora, se a “inseption” era Alemanha, voltar para o Brasil nem era hipótese! Vou ficar na Europa! E lá fui… com mochila nas costas para Lisboa, sozinha. Dessa vez sozinha mesmo. Não havia quem me recebesse e me passasse o caminho das pedras, todavia eu as desbravei e sobrevivi com muitas histórias para contar. Permaneci quase dois anos em “Lisboa menina e moça, Maria…” e neste meio tempo, encontrei um gajo bué giro, uma paixão avassaladora que, sinto dizer, não está mais disponível no mercado. Casou-se, comigo. E por essas e outras razões estou aqui na Alemanha novamente, há três anos e dois meses, bem acompanhada e com uma bacuri de quase 3 anos.
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BPM – O que é o projeto Oficina de Escrita?
Denise – Este projeto de livro com Oficina de Escrita surgiu após uma oficina voluntária, realizada a convite do MBM, Mulheres Brasileiras em Munique, em um projeto chamado Minha Vez, no qual brasileiras têm a oportunidade de mostrar seu trabalho em benefício da comunidade de mulheres brasileiras pertencentes ao grupo. Como eu já havia criado meu website, O Beabá da Escrita, pensei que poderia contribuir com o tópico Escrita Criativa, de forma a trazer confiança e liberdade de expressão a essas mulheres. O resultado foi tão bom que aquilo despertou uma vontade de continuar… de experimentar… de levar esse diálogo dos princípios básicos da escrita para averiguar e/ou estimular a razão de tantas mulheres brasileiras imigrantes tornarem-se autoras ou, simplesmente interessadas em escrever, após sair do Brasil. É claro que há exceções, já encontrei várias que já tinham o hábito da escrita, porém o interessante é que nesses grupos até então trabalhados, já deparei-me com diversas escritoras em silêncio ou silenciadas, ou seja, produzem bastante, mas só para si mesmas. Por que isso acontece?
BPM – Quando e como o projeto foi crescendo para outros países?
Denise – Tenho mais perguntas do que respostas, o quebra-cabeça só vai se unir com mais experiências vivas e, por isso, estou voluntariamente indo a vários países encontrar grupos interessados em me receber, para colher histórias, ouvir mulheres, ler mulheres, mostrar a elas o quanto a nossa literatura obteve vozes femininas tardiamente. Este quadro pode e deve ser mudado.
Eu sugeri a proposta de investigação a vários grupos que trabalham com a língua portuguesa na Europa e, para minha felicidade, estou sendo muito bem acolhida por todos até então. Essas experiências serão convertidas em um livro a abordar a questão da escrita da mulher brasileira imigrante, para tanto, necessito vivenciar a criação de mulheres em contextos diversificados. Não sei quanto tempo vou precisar, ainda estou na coleta de conteúdo. Tentando em meio ao “ganha pão”, vida de mãe e esposa organizar todas as participantes em um grupo fechado, no qual dou/darei atividades para produção e diálogos. No momento está bem paradinho o grupo… é bem verdade. Nas férias vou atualizar os dados. Foram várias viagens próximas umas das outras, emprego novo, nova rotina, etc. Não tenho quem me ajude, o Beabá e tudo que o abrange é gerido apenas por mim, não é fácil…
BPM – O que a motivou?
Denise – Paixão literária e necessidade de não estar apenas no mundo. Em que sentido? O mesmo sentido que Beauvoir tanto lutou um dia e ainda luta em suas palavras imortalizadas nos livros, fazer algo para posteridade. Sozinha não posso mudar o mundo, mas posso viver nesse mundo fazendo algo por ele. A mulher precisa de voz. Precisa criar. Pergunte a alguma mulher o que ela já deixou de escrever por ser mulher. Agora imagina o que ela já deixou de fazer por ser mulher… e o que é a mulher na literatura? Já pensaram nisso? Você consegue ler um texto sem ver o nome do autor e dizer se foi um homem ou uma mulher quem escreveu? Todas essas reflexões gosto de trabalhar com minhas mulheres, gosto de “Beauvoir” com elas. Sair da caixa. Da bolha. E mostrar como podemos recuperar o tempo perdido de anos negados à nossa criatividade. Não sou feminista, sou instável e tenho receio de nomenclaturas ou rótulos… mas leio e procuro conhecer o feminismo, assim como dar o devido valor às conquistas e autonomias que hoje temos graças a mulheres como Simone de Beauvoir.
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BPM – Seu público é somente de brasileiras? Como o estrangeiro encara seu trabalho?
Denise – Sim, o foco tem apenas brasileiras para a pesquisa, pelo simples fato de não conseguir abraçar o mundo, sou uma só. Entretanto, não restrinjo a participação nas oficinas. Em Málaga, uma espanhola participou, em Amsterdã uma angolana e… um homem, cabeludo, divertido e músico! Não poderia deixar meu amigo Ivan Seiler de fora.
Honestamente, não sei de fato como um estrangeiro encara esse meu trabalho, tudo o que escrevo é apenas em português sobre esta trajetória. Já conversei com alguns amigos alemães a respeito e eles acharam muito interessante a iniciativa, apesar de não concordarem com a minha disposição em fazer isso voluntariamente, sem patrocínio. São maneiras diferentes de pensar, fazer o quê?
BPM – Como você se sente em relação a este projeto?
Denise – Sinto-me feliz, feliz por ter a oportunidade de fazer algo bom para a comunidade brasileira no exterior e, finalmente, produzir meu primeiro livro. Já estava mais do que na hora de sair dos textos avulsos digitais para um formato livro impresso e digital. Aliás, está na hora de manter ambos os formatos.
BPM – Que mensagem deixaria para o público do BPM?
Denise – Obrigada pela oportunidade e pela disponibilidade em conhecer este projeto que ainda está no início de uma grande jornada. Acreditem no poder da escrita, pois quando eu digo “Escreva!”, não é uma ordem, é um convite à liberdade.
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Nossa! o que poderia dizer como mãe de DENISE? digo que admiro imensamente sua coragem e a maneira como corre em busca de crescimento profissional é tenho a convicção de que irá voar muito alto é merecedora de tudo isso parabéns minha filha amada.