Os amigos que fazemos fora são a nossa nova família.
Pode ser que meu texto de hoje seja um pouco mais do mesmo, mas certamente você que mora longe, em outro país ou em outra cidade, vai entender bem o meu ponto de vista. Gostaria de compartilhar com vocês um pouco desta faceta, que no final de tudo, é uma das maiores riquezas que a vida “longe de casa” nos presenteia. Me explico.
Eu sempre vivi longe da família, mesmo morando no Brasil. Quando era bem pequena, meus pais saíram do Rio e foram para Campinas, no interior de São Paulo. Mesmo morando no mesmo país, vivemos as dores de estar longe em muitos aniversários, dias das mães, dos pais, batizados e encontros familiares de todo tipo. E as despedidas eram sempre difíceis, regadas a muito choro e tudo o mais. Se isto é uma sina (risos), não sei, mas o fato é que acabei “seguindo os passos” dos meus pais e depois que me casei, nunca vivi na mesma cidade que eles, e passei a sofrer e sentir (outra vez) a dor de estar longe. A distância apenas foi aumentando a cada mudança.
E justamente porque estamos longe da família, e daqueles com quem muito provavelmente, dividiríamos os momentos mais importantes da nossa vida, bons ou ruins, é que somos “forçados”, levados a dividir e compartilhar essas experiências com outras pessoas, os amigos que ganhamos de presente e embrulhado com fita quando estamos longe da família. E, escrevi forçados entre aspas, é porque tenho a impressão de que, quando vivemos longe da família, justamente por não termos pais, irmãos e etc por perto, acabamos por criar vínculos mais fortes com nossos amigos, do que faríamos se estivéssemos cercados pela família. É claro que cabe exceção a isso que falei, mas justamente pelo fato de que são eles que ocuparão os lugares (teoricamente) destinados à família, eles se tornam nossa família. Uma família escohida, que também nos escolhe. Sabe aquele ditado de que amigos são família que você escolhe? Pura verdade. Morando longe então, nem se fala!
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Quando temos uma emergência, é para eles que ligamos, com quem deixamos nossos filhos, que nos acodem na febre ou mal-estar da madrugada, que nos visitam no hospital. São eles que nos emprestam o carro, nos dão uma carona, pegam os pequenos na escola, nos levam ou emprestam algo de que estamos precisando, ainda que seja apenas um pedaço de bolo recém-saído do forno. São eles também que estão ali ao nosso lado batendo palmas e cantando parabéns nos nossos aniversários, que vem à nossa casa pra um almoço de domingo, que nos recebem quando não temos programa nem companhia em um feriado qualquer, que comemoram conosco nossas conquistas, e choram as nossas perdas. E quando menos esperamos, eles já são parte da nossa casa, com alguns até compartilhamos a casa, da nossa vida, gente que aumenta nossa lista de contatos do celular, nossa lista de aniversários e, mais que isso, a lista das pessoas que mais amamos e queremos ter por perto. Se tornam nossos irmãos, pais e sobrinhos, tios, avós e primos dos nossos filhos. Vivi isso na minha infância, com meus pais, e agora, vejo a história se repetir na minha casa, com meus filhos.
E, como falei, essa é uma das maiores riquezas que o morar longe me deu de presente durante toda a vida. Amigos, amigos, amigos. Muitos. Muito queridos, muito especiais. Gente que, talvez, não teria tido o privilégio e prazer de conhecer tão de perto, se estivesse em meu lugar de conforto. Gente que deixou e deixa marcas de muito amor e cuidado na minha vida, na minha família, no meu lar. Que nos acolhe, que nos ajuda, que nos socorre em muitos momentos. Que ri, que chora com a gente, que chega na nossa casa sem avisar, quando tudo está de pernas pro ar, que senta e come com a gente, que nos conhece sem filtro. Nosso esforço é retribuir tudo isso fazendo o mesmo por eles, tão caros e queridos amigos.
E quando se está em outro país, esses amigos podem ser (i) brasileiros, com quem podemos falar nosso idioma e “chorar” sobre as saudades da terrinha que temos em comum, e que naturalmente nos fazem sentir mais “em casa”. E parece que, inconscientemente talvez, arrumamos um meio de ir nos encontrando e agrupando, e por vezes ter aqueles encontros só com eles, os brasileiros, como uma forma de reafirmar nossa identidade pátria. Podem ser (ii) outros estrangeiros, que também estão ali sós, longe dos seus, e vamos nos consolando e apoiando naquilo que temos em comum, dentre tantas outras coisas que vamos descobrindo: somos estrangeiros e estamos longe de casa. E, por fim, (iii) os locais, aqueles que nos recebem de braços abertos em seu país, nos acolhem, e aos poucos, vão nos mostrando toda a riqueza (sempre existe) daquele povo do qual passamos a fazer parte, nos fazendo conhecer sua cultura, seus hábitos, suas grandes virtudes e seus maiores defeitos. E, com eles, vamos “virando” um pouco do que eles são.
Saiu recentemente um texto da nossa querida colunista no México, Roberta Mellis, Mudar de país traz saudades, e anjos, que é maravilhoso e muito verdadeiro, e tem muito a ver com a percepção que externo aqui. Por isso gostaria de destacar uma frase que gostei muito: “Então, a cada país, minha família aumenta, tenho mais gente para sentir saudade, para lembrar durante o dia, para enviar mensagens, para visitar. Tenho mais fadas e anjos para agradecer e muita gente nova e boa para amar.”
É exatamente este o sentimento. Mais gente boa, mais gente querida. E nosso coração vai crescendo e arrumando espaço pra todos eles. E nossa vida e nós mesmos vamos ficando muito mais ricos, de gente, de histórias, de trocas, de exemplos, de pessoas que nos inspiram. E vamos ganhando um pouco de cada um, e deixando um pouco de nós[1]. Riqueza que dinheiro não compra, e eu, creio que você também, tão pouco a venderia! Até a próxima.
[1]Saint-Exupéry, Antoine de. O pequeno príncipe. “[…] Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo.”