Olá queridas e queridos,
A primavera chega com força na Dinamarca, explodindo nas mais sutis nuances de uma miríade de cores que embriagam os olhos e a alma. Cerejeiras, magnólias e lírios-da-primavera desabrocham por todos os cantos, compondo paisagens que resplandecem ao sol, e que depois do longo inverno nos levam a recobrar as forças e os ânimos, fazendo-nos postergar por mais um ano aquele projeto de largar tudo e abrir um bar na praia em Santa Catarina.
Contudo, apesar dessa convulsão de cores, percebi que algo faltava na estação das flores aqui, e me dei conta de que a exuberância visual retratada no Instagram de todos os habitantes de Copenhague e arredores não é acompanhada de seu correlativo olfativo. Creiam-me, a primavera aqui não tem cheiro de flor, e isso me fez pensar que, na verdade, a Dinamarca é um país que literalmente não fede nem cheira!
Sim, caros leitores e leitoras! A Dinamarca é desprovida de toda a gama olfativa à qual somos expostos em outros lugares, e demorei para me dar conta da extensão desta situação.
Quando fecho meus olhos e penso no Brasil, lembro-me do cheiro do carro do meu tio, sempre impecavelmente limpo, ao me buscar no aeroporto. Também lembro do perfume italiano do qual ele tanto gosta. Lembro do cheiro naturalmente adocicado da minha mãe, e das fragrâncias cítricas que ela prefere. Lembro de sentar na varanda da casa dela e sentir cheiro de grama fresca, cheiro de mangas maduras no pé, cheiro de entardecer na região das Missões.
Lembro da sensação de conforto que tenho ao ir para meu quarto no Brasil e me aconchegar em cobertas com cheiro de amaciante. E, acima de tudo, lembro do cheiro da chuva nos dias de verão. Esse sempre foi meu cheiro favorito, uma mistura de água, grama, terra vermelha e flor, acompanhado do som das gotas batendo nos telhados, nas calçadas e nas folhas, deixando tudo com perfume de frescor, de renovação, de vida. Se para muitos chuva é tédio, para mim chuva sempre foi fascínio, e muito disso se deve ao cheiro.
Existem também memórias olfativas não tão agradáveis ligadas à minha vida no Brasil, como o odor azedo de sacos de lixo nas ruas, ou o pútrido cheiro que acompanha o Arroio Dilúvio em Porto Alegre. Também já fiz uma viagem em um ônibus por seis horas ao lado de uma senhora que devia ter se afogado no frasco do mais doce perfume à venda no mercado, chegando em casa com uma dor de cabeça que durou o triplo do tempo da viagem para passar.
Já aqui na Dinamarca a maioria dos produtos de limpeza ou higiene não contém perfume, ou contém apenas sutis notas que minhas narinas latinas não conseguem perceber. Muitas marcas de sabão em pó e amaciante não têm cheiro, nem xampus ou sabonetes. Sabe cheiro de bebê? Ah, meus caros e caras, tenham muito cuidado ao cheirar um bebê aqui nesta terra onde talco Johnson’s não tem vez! Aliás, perfumar os rebentos pode lhe render olhares e comentários de repreensão, e há recomendações explícitas de não dar muitos banhos em recém nascidos para não causar problemas de pele.
Adultos também usam fragrâncias discretas, ou simplesmente não usam perfumes… Nem desodorantes algumas vezes, e aí, sim, sentimos um cheiro não muito agradável, que eu particularmente identifiquei como “casaco europeu em transporte público no final do inverno”. Muitos dinamarqueses acham invasivo usar perfumes fortes, mesmo em produtos de higiene, pois, segundo eles, “ninguém é obrigado a cheirar o seu perfume”… Eu até entendo, mas aí somos obrigados a cheirar aquela axila suada no trem, o que me parece um mau negócio. Enfim, por aqui, não costuma pegar bem se perfumar muito, e a tendência se espalhou do corpo para a casa, fazendo meus olhos marejarem de saudades ao lembrar do cheiro de amaciante Comfort azul.
Passando da esfera privada para a pública, existe um ponto positivo na falta de certos aromas, e aí bato palmas para o eficiente sistema de limpeza urbana da Dinamarca, cujas ruas são em sua maioria lugares agradáveis, sem sacos de lixo nas soleiras das portas. Contudo, os diminutos espaços de verde têm seu já fraco aroma dissipado pela urbanização, pelo concreto e pelo asfalto, e o padrão de urbanização daqui também contempla poucas árvores nas ruas, e árvores frutíferas, mesmo em parques, são raridades. Além disso, o clima extremamente frio e seco acaba restringindo a dissipação de odores, bons ou ruins. Nem as padarias aqui têm cheiro de pão saindo do forno, quentinho, e talvez as únicas lufadas gastronômicas venham das cozinhas de certas pizzarias italianas de forno a lenha por essas bandas.
Cheguei a pensar que este panorama de privação olfativa era exclusivo da cidade grande, mas minhas excursões ao interior da Dinamarca não revelaram nada diferente, à exceção do cheiro de mar, mais presente na costa, e embora diferente do nosso mar brasileiro, o mar dinamarquês também se impõe poderoso em nossas narinas, cheio de sal e de histórias de tempos imemoriais. Deve ser por isso que contemplar o mar passou a ser um dos meus momentos favoritos aqui, em especial nas raras ocasiões em que os nada gentis ventos dinamarqueses abrandam, possibilitando que eu não engula 3 quilos de areia a cada visita à praia.
Apesar desta falta de cheiros, e especialmente dos cheiros que nos são familiares, a vida na Dinamarca pode também adquirir novas nuances sensoriais. Talvez caiba a cada um de nós preencher este ambiente com os nossos cheiros: cheiro de pão-de-queijo saindo quentinho, cheiro de bolo de fubá, cheiro de creme Nívea, cheiro de óleo de côco em corpo bronzeado, cheiro de flor, cheiro de festa, cheiro de aconchego, de amizade, de companheirismo e conversa, cheiro de chá de capim-cidreira com bate-papo, ou cheiro de churrasco com risadas, cheiro de caipirinha no verão, e de quentão no inverno. Cheiro de saudade, mas também cheiro de recomeço.
Eu seguirei descobrindo novos sentidos por aqui, mas confesso para vocês que às vezes ainda sonho acordada com o cheiro de chuva no fim da tarde nas Missões. Espero que alguém consiga engarrafá-lo um dia.
Beijos e até a próxima!
26 Comments
E eu me pergunto o que vc faz aqui??? Volta para a terra cheirosa,não entendo porque das críticas, e continua vivendo os horrores!!! Lamentável!
Olá Marina,
Obrigada pelo seu comentário.
Percebo que você não entendeu o propósito do texto, que é apenas uma reflexão sobre a forma como eu percebo o país, e ele não é uma crítica, pois em momento algum eu digo que algo é objetivamente melhor ou pior, mas apenas que esta é a minha experiência. E mesmo que fosse crítica, imagino que as pessoas tenham o direito de expressar suas opiniões sem que tenham que se mudar, especialmente quando elas falam, no fundo, em saudade de casa. Imagina se toda vez que alguém dissesse que não gosta de algo na Dinamarca alguém respondesse “então se mude”. É meio drástico, não? Espero que ninguém jamais lhe faça tal intimação, caso um dia você decida expressar sua opinião de forma livre e respeitosa.
Abraços
Que texto lindo e inspirador! Parabéns garota! Obrigada pela leitura tão excitante!
Oi Camila!
Quantos cheirosos gostosos mencionados! Senti aqui! Rsrs
Interessantes considerações. Afinal, cheiro também é parte do Hygge, não é?!
Cheiros… como fazem parte da nossa vida….
Agora tô imaginando como é não tê-los tão notoriamente assim aí como é aqui.
Obs: Comfort podia ler esse post e te mandar um kitzinho bem cheirosinho, hein?! Rsrs
Abraços!
Camila vicenci witt eu amei essa matéria sobre a dinamarca.te juro que me sentir lendo um livro ameeeeiiii espero ter uma grana ao menos para ir com meus dois filhos para a dinamarca.bjs
Oi Camila, me diverti muito com seu texto. Lindo!
E acho que sofreria muito na Dinamarca, sou muito olfativa, quase um cão de caça.
Sobre os bebês e os casacos, aqui na Bélgica é igual kkkkk. Você pega um bebê no colo desesperada para sentir aquele cheirinho e… Nada! Kkkkk
Ótimo texto, parabéns!!!
Eu adorei seu texto! Moro na Alemanha e sei muito bem do que está falando. Como faz falta tudo isso! Especialmente a gentileza e alegria do povo brasileiro, que pode ser o mais miserável, mas sempre te trata bem e está feliz.
Felicidades à você!!
Abraços
Olá Flavia, tudo bem?
Somos “vizinhas” então! Fico feliz que você tenha se identificado com a mensagem do texto, e eu me identifico com essa saudade da gentileza brasileira 🙂 Beijos
Belo texto, parabéns!
Muito obrigada pelo seu comentário, Anália 🙂
Oláa Camila,
Tudo bem? Moro na Dinamarca háa 2 anos. Adorei o seu texto, totalmente entendo o seu ponto de vista e assim como você, adoro refletir sobre essa grande diferençaa entre aqui e láa – nossa páatria amada rs. No meu caso, sinto falta do cheiro de pãao de queijo saindo do forno de manhã cedinho, do cheiro do cafée sendo tostaado, da fáabrica de biscoito perto da minha casa que todo dia no final da tarde exalava cheio de bolacha pelo bairro todo, etc Nãao sei se vocêe jáa visitou a Jutlândia, maaas aquii o cheiro de chuva, grama molhada, das flores da primaveraa, do maar que o vento traaz até e a minha janela, estãao presentes no meu dia-a-dia 🙂 Você é muiito bem vinda por aquii, se quiser explorar esse lado da Dinamarca um dia desses!
Oi Milena,
Eu estou muito curiosa para conhecer a Jutlândia! A Cris, que também escreve para o BPM, me falou a mesma coisa. Espero poder visitá-las em breve e experimentar todos os aromas dessa região 🙂 Que lugares você recomenda? Beijos
Muito interessante sua percepção dos aromas do país que você vive. Os cheiros criam memórias boas ou ruins. Precisa de sensiblidade para tornar um aspecto tão pouco aparente em algo tão interessante.
Abraços,
Oi Priscila! Muito obrigada pelo seu comentário! Espero que continuemos construindo belas memórias! Beijos
Gostei muito de seu texto Camila e me identifiquei muito com os cheirinhos das coisas gostosas que dissestes do do Brasil, inclusive as fedorentas kkk. Adorei como usastes o humor para ajudar a compreensão das sensações olfativas. Muito bom!
Oi Maycon,
Muito obrigada! Espero que o texto tenha sido uma boa experiência olfativa – e em certos casos, o único remédio é rir, não é mesmo? Beijos
Ah e sim, o cheirinho do Confot Azul ainda continua tão bom quanto antes.
Olá Camila,
Adorei o seu texto e gostaria de tirar uma dúvida com você!
Vi que você colocou sobre Porto Alegre e acredito que conheça um pouco do frio daqui, que quando faz os dias tensos de frio e chuvas (que estão há mais de uma semana aqui) sinto cheiro de mofo, devido a umidade!
Você colocaste que o clima é extremamente frio e seco, como fica no inverno aí?
Também é seco?? Tem umidade??
Abraços,
Ynajara
Oi Ynajara!Que bom que você gostou do texto 🙂
Eu sofria muito com a umidade em POA: nenhuma roupa secava, e o cheiro de mofo inundava a casa. Eu tinha uma rotina de lavar paredes com Q-boa pra tirar o mofo, e depois ligava o ventilador para secar. Era sempre um desafio! Aqui é bem mais frio, e bem mais escuro. Além disso, o vento é cruel, e faz nosso Minuano parecer um assopro. Contudo, há aquecimento central por todas as partes: em casa, no transporte público, nas lojas e no escritório, e assim ao menos ficamos “confortáveis” quando estamos em ambientes fechados. Pode estar nevando lá fora, mas em casa eu vou estar com um moletom levinho, porque há isolamento nas janelas e o aquecimento funciona. Já em POA, eu vivia colada na estufinha elétrica.
A gente percebe o tempo seco na pele, que fica super desidratada – e haja creme hidratante!
A chuva costuma dar as caras em abril e em outubro/novembro, e aí, em alguns casos, chega a inundar, porque o volume é parecido com o de POA, mas pra teres uma ideia, eu raramente uso guarda-chuva, porque aquela chuva que a gente conhece tão bem só “ataca” nesses períodos (no resto do ano, algumas “chuvinhas” menores, e um ou outro dia de tempestade).
Espero que você possa visitar a Dinamarca um dia! Beijos!
Aiiii guria, que legal!!
Estava vendo agora a tua “sinopse”, hehehe e vi que és gaucha, sou nova aqui nesse site e estou amando todas as dicas!!
Amei seus detalhes, realmente é bem isso, sofremos muito com a umidade!!
Estou planejando uma viagem para os países nórdicos e fiquei curiosa com esse assunto!!
Obrigada pela atenção!!
Beijos!
Muito bom, Parabéns!!
Traduziu o que sinto aqui…
Obrigada, Priscila!
Fiquei encantado com a sensibilidade de sua descrição de uma coisa que, às vezes, nos parece tão sem importância. Me lembrou tanto o saudoso Rubem Alves e a emoção própria de nos apresentar a tais sensações. E estando com esse sentimento, deparei-me com o comentário da sra. Marina Raeder que, parece-me, mora aí, na Dinamarca, mas guardou o ódio visceral contra todos que pensam ou expõe suas ideias diferente, coisa nefasta que impera em nosso pobre país na atualidade. Adorei sua resposta inteligente e pacificadora. Parabéns. Sucesso pra você.
Olá Francisco,
Nossa, fiquei encantada com seu comentário, especialmente porque também admiro Rubem Alves.
Infelizmente, não podemos agradar a todos, e isso é também um aprendizado 🙂
Adorei comentário dos casacos de inverno. Hahhaha minhas amigas brasileiras ficam passadas qdo falo q o europeu não é mto de banho e desodorante e q povo fede com esses casacos no transporte publico hahahhaa
Oie, cadê você que sumiu!? Saudades dos seus post cheio de humor!