Política na Romênia e paralelos com o Brasil.
Escândalos envolvendo políticos, empresários e outros agentes públicos; promotores, juízes e policiais mais independentes e atuantes do que de costume; figurões até então intocáveis, presos; milhares nas ruas se manifestando.
Soa familiar? Sei bem, soa, sim, mas não é do Brasil que estou falando. Apesar da similaridade, tudo isso tem se passado aqui na Romênia, dando a impressão de que o tal espírito comum dos tempos, aquele que volta e meia passeia por momentos contemporâneos da história, tem dado suas voltas em países tão distantes e diversos quanto estes dois.
Mas, pera lá, tá faltando mais um “d” nesta definição: “distantes” e “diversos”, só que nem tão “distintos” assim. Explico.
A Romênia sofre do mesmo mal que padecemos: corrupção crônica, daquelas que emperra países, quebra empresas e projetos públicos, enriquece uma casta e empobrece a população, que continua a pagar seus tributos sem receber contrapartida relevante, seja em saúde, educação, infraestrutura, respeito…
Não é à toa que ambos figuram em baixas posições – o Brasil, 76º entre 168 países; a Romênia, 58º – no Índice de Percepção da Corrupção de 2015, divulgado anualmente pela ONG Transparency International. Em 2014, estávamos empatados no 69º lugar, junto com países como Bulgária, Grécia, Itália, Senegal e Suazilândia. Ou seja, de acordo com este medidor, os romenos melhoraram alguma coisa, enquanto nós regredimos.
Outra semelhança: o humor. As histórias envolvendo propinas são tão esdrúxulas e surreais que, segundo um grupo de publicitários, aperfeiçoaram-se ao ponto de se tornarem “obras de arte”, dado o tamanho da ousadia e criatividade. Para expô-las, criaram o Museu Digital da Corrupção, onde você encontra histórias de policiais subornados com peixes – sim, peixes!- e outras esquisitices do gênero.
Triste piada de uma realidade compartilhada, mas como não falta vontade para mudá-la, é justamente sobre esta tomada de consciência romena que venho contar.
Tal qual no Brasil – e partidarismos à parte, por favor e obrigada! – não dá para saber quem veio primeiro: se o incômodo popular com práticas corruptas fez acordar os quadros legais do país ou se o despertar destes, trazendo denúncias contundentes, fez nascer o desgosto popular; fato é que, em 2003, foi criada por iniciativa de promotores públicos, sob a tutela do Ministério da Justiça, uma agência especializada no combate a práticas corruptas, conhecida como Diretia Nationala Anticoruptie, ou DNA.
Com o passar do tempo, a DNA ganhou corpo e voz e, no último ano, comandada por uma nova leva de procuradores, ainda mais independentes e combativos do que seus quadros mais antigos, conseguiu a proeza de processar 24 prefeitos, 2 ex-ministros, 1 ex-primeiro-ministro e mais de mil agentes envolvidos em escândalos de corrupção, com taxa de condenação superior a 90%.
E como parece acontecer sempre que a nobreza política é tocada, os procuradores são constantemente atacados, tachados de seletivos, obsessivos e antiprofissionais, tendo as suas intenções questionadas todas as vezes que indiciam alguma figura importante. Seja como for, fica sempre a lição de que “contra fatos não há argumentos” e, por maior e mais poderosa que tenha sido a reclamação, cada acusação foi devidamente julgada por uma Justiça que, até agora, vem provando independência a eventuais conchavos políticos.
Mas, a história não pára por aqui, trazendo outra coincidência trágica com o nosso passado recente. Em outubro de 2015, durante um show de rock para um público muito maior do que o comportado, foi usado um artefato pirotécnico que incendiou o local, matando 32 pessoas e ferindo mais de 200. Como ocorrido com a Boate Kiss, não demorou muito para descobrirem que o espaço funcionava com alvarás irregulares, não atendendo aos requisitos mínimos de segurança.
O incidente foi o que faltava para tirar de casa um povo até então pouco afeito a movimentos de rua. Carregando slogans como “Corrupção Mata” e “Em 1989 lutamos por Liberdade e agora lutamos por Justiça”, milhares saíram às ruas exigindo o fim da corrupção, em todos os níveis – da que vende alvarás a que desvia dinheiro público – e a renúncia do então Primeiro-Ministro Victor Ponta, que fazia firulas no cargo, mesmo após ter sido indiciado por fraude, evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Eu sei. É muito déjà vu.
Mas acabam aqui as semelhanças: no dia seguinte ao primeiro protesto, Victor Ponta atendeu ao clamor das ruas e renunciou, levando com ele o seu gabinete. Foi, sim, uma vitória valiosa, talvez ainda pequena quando comparada com o que precisa ser feito, mas extremamente significativa para os romenos, demonstrando o poder que se tem, quando o correto é exigido.
Agora, tentando entender o que leva este espírito comum dos tempos a passear tanto pelo Brasil, quanto pela Romênia, não creio que a chave esteja em algum eventual aumento da corrupção. A explicação que vejo está, justamente, na resposta à questão levantada, com frequência, do: “mas, sempre existiu corrupção, por que a indignação só apareceu agora?”. Porque temos mais meios de saber e divulgar o que acontece, muito mais; mais independência e liberdade para isso também, – especialmente em países com passados diferentes, mas viés autoritário, como os dois citados -; porque se a corrupção sempre existiu e mesmo que ela não tenha aumentado, o que ainda não existia e, de fato, aumentou, foi a intolerância popular para com ela e seus agentes.
E é por isso que no Brasil ou na Romênia, o sussurro do espírito parece ser o mesmo: chega de fazer da corrupção sinônimo de política.
3 Comments
Precisas e preciosas observações de uma brasileira múltipla, coerente e com atento e isento olhar de repórter. Parabéns e um cheiro bem pernambucano do tio distante. Imensamente orgulhoso
Olá, gostei muito da pagina, quero dizer que eu amo muito a Romênia e meu sonho é ir p Bucareste queria saber como é a convivência aí? Ate pq sei q a economia n é MT boa é o q MD deixa triste……
.mas Deus vai ajudar o povo romeno………..obrigada!!!!
Oi Bárbara, a convivência com os romenos é tranquila e a economia da Romênia está aquecida, ao contrário do que muita gente julga saber, mas ainda existe muitos romenos que optam por imigrar para os demais países europeus, em busca de salários mais altos. Agora, em termos de mudar pra cá e conseguir um emprego, vai sempre depender do mercado, indústria ou profissão que trabalha. No mês de fevereiro, farei um post comentando sobre custo de vida em Bucareste e algumas observações locais, fruto da minha vivência, nesse quase um ano. Talvez seja interessante para você!Abraço e muito obrigada pela leitura e comentário.