Um dois… feijão com arroz!
Comer é uma necessidade do ser vivo, certo? Sim, isto é um fato inegável! Mas nós, os humanos, podemos ser divididos (na minha modesta opinião) em duas categorias: os que comem para viver… e os que vivem para comer! Se o humano em questão é um brasileiro, pode acrescentar aí um fator: comer passa a ser quase que um ritual sagrado em que o alimento torna-se, também, essencial para a alma.
Acho que a comida para o brasileiro tem uma conotação afetiva muito grande. Mais do que uma necessidade fisiológica, o alimento tem um papel fundamental para a paz de espírito. Acontece com todo mundo, mas para nós a alimentação está muito relacionada a uma questão de bem estar, de recompensa pelo esforço e atribulações da vida. E não há nada de mal nisso, quando os limites da saúde são respeitados.
Lógico que estou generalizando: nem todo brasileiro vai concordar comigo. O fato, porém, é que vejo uma diferença gritante no modo como encaramos uma refeição, quando comparados aos holandeses, por exemplo. Não vou citar outros povos, pois minha experiência no dia a dia vem daqui.
Não que os holandeses não apreciem uma boa comida ou que não se entreguem a uma refeição farta. Eles, certamente, curtem se reunir para jantar com amigos e familiares. Confraternizam-se, assim como nós, em volta da mesa. Porém, eles estão muito longe de ter aquele amor pela comida, típico dos brasileiros.
A diferença já começa no preparo: salvo em ocasiões especiais, o holandês perde muito pouco tempo na cozinha. Se o cardápio se encaixar em uma única panela e for preparado no período máximo de meia hora, a receita é aplaudida de pé. Além disso, essa dinâmica acontece uma única vez por dia: na hora do jantar. No almoço, sempre será algo leve, simples e muito rápido, de preferência à base de pães, seja no trabalho ou em casa.
Quando eu me mudei para cá, tentei adequar a rotina da minha família a esse padrão prático e coerente. Afinal, aqui quase todo mundo tem que dar conta de todas as tarefas domésticas sem ajuda externa. De minha parte, adesão total ao modo holandês. Meu marido, idem. Meus filhos, contudo, acostumados a duas refeições “quentes” por dia, torceram logo o nariz para um prato sem arroz e feijão. Passados sete anos, eles ainda mantêm o hábito antigo… E eu, a rotina insana de usar de três a quatro panelas diferentes para preparar uma única refeição!
E nós não somos os únicos nessa história. Muitos brasileiros com quem convivo e que moram fora há tantos anos ainda sentem uma necessidade gigantesca de manter o “nosso” cardápio. Não importa de que região do Brasil sejam provenientes, arroz, feijão, farofa e guaraná lideram os primeiros lugares na lista dos alimentos queridinhos. Noto um esforço coletivo em encontrar ingredientes brasileiros (ou seus substitutos), a alegria em compartilhar os “achados” e a euforia geral cada vez que um novo nicho gastronômico circula pelas redes sociais.
Por que isso acontece? Por que é tão difícil mudar o cardápio, quando há uma gama enorme de outras opções, tão boas quanto as antigas ou, muitas vezes, até melhores? Por que o apego a determinados fabricantes? Será mesmo uma questão de qualidade ou, simplesmente, de familiaridade?
Eu vejo por aqui uma infinidade de frutas deliciosas (e caríssimas no Brasil!) que, muitas vezes, não fazem parte da mesa do brasileiro, enquanto que um mamão Mimosa a cerca de €8,00 a unidade (mais do que 32 reais, em valores convertidos) é motivo de comemoração ao ser adquirido… Nunca entenderei, confesso!
Não estou dizendo que é certo ou errado continuar a consumir os produtos que conhecemos, mas acho importante poder a abrir a mente (e a boca) para novos sabores. Aproveitar a chance de estar em um lugar diferente para experimentar algo novo. Lógico que, de vez em quando, é gostoso encontrar pratos típicos de nossa culinária, mas no dia a dia, essa busca pode ser bem cansativa.
Claro que com a globalização, encontrar ingredientes originários de várias partes do mundo tornou-se muito mais simples e acessível. Além disso, muitos deles fazem parte de outras culturas e é apenas uma questão de reconhecê-los e adequá-los ao nosso paladar.
Aqui na Holanda existem lojas brasileiras que importam os produtos com as marcas consagradas no Brasil, como é o caso da Finalmente Brasil. Porém, muitos dos “nossos” ingredientes são facilmente encontrados em supermercados comuns ou em lojas turcas, mercadinhos orientais etc.
É muito improvável que alguém tenha que mudar os hábitos alimentares por completo. No início, pode haver alguma dificuldade em achar certos produtos mas, com o tempo, todo mundo que você conhece terá alguma dica a acrescentar para que você coma, se quiser, o mais próximo possível da sua zona de conforto.
Agora, passados todos esses anos, e após ter contato com pessoas de múltiplas nacionalidades, um traço nosso que muito me inquieta é a fartura em cada refeição. É impressionante a quantidade de pratos que surgem cada vez que há um encontro de brasileiras, por exemplo. São várias opções de pratos principais e de sobremesas em um único evento.
Naturalmente que é fascinante contemplar tamanha variedade e delicioso experimentar cada um dos pratos. O duro é lidar com a indigestão, depois! Outro traço bem nosso: o olho maior do que a barriga! Mas isso é assunto para um próximo post. Complexo demais para desenvolver em poucas linhas.
O fato é que assim somos: fartos, hospitaleiros, alegres. Gostamos de uma boa mesa e, principalmente, de uma ótima companhia para desfrutar de tudo isso. A vida tem muito mais sabor quando podemos associar os sentidos. Isso sabemos fazer muito bem; nossa comida é colorida, cheirosa, de paladar apurado e desfrutá-la em um ambiente festivo é o melhor dos mundos.
21 Comments
Nossa, pois meus hábitos alimentares mudaram completamente aqui na Holanda, a ultima vez que comi arroz com feijão foi há quase 2 anos atras no Brasil hahaha!
Oi, Vic! Obrigada por sua leitura e comentário. Eu também tento comer “à holandesa” o máximo possível… O difícil é convencer meu filho, que joga futebol e acha que só arroz e feijão dão “aquela sustância”…rs! Um abraço!
Oi, Vic! Obrigada pela leitura e por compartilhar conosco um pouquinho da sua rotina. É muito bom incorporar os hábitos do novo país. Faz com que a gente se sinta em casa. Grande abraço!
Aqui em casa o querido é Hungaro, então nem que quisessemos faria sentido seguir o cardapio Holandes, mas tb não tem essa de feijão com arroz todo dia não. Somos sim fãs dessa delicia Brasileira (e tantas outras), mas fato é que variamos bastante e se tiver arroz com feijão, bife e farofa duas vezes por mês é muito.
Morando em Den Haag consegui fazer uma boa lista de lojinhas onde encontrar produtos Brasileiros ou substitutos por preços excelentes e frutas sem duvida nenhum o Haagse Market é uma excelente saída pra quem não quer pagar 8 euros num mamão. =)
Oi, Ingrid!Muito obrigada pela leitura e por compartilhar conosco sua vivência (e dicas!) aqui na Holanda. Ótima observação: O Haagse Markt é uma excelente alternativa para encontrar produtos diversificados e mais baratos. Um grande abraço!
Regina
Engraçado a maneira como descreve os Brasileiros parece estar a falar de portugueses. . Realmente amamos uma boa comidinha. Eu pessoalmente tirando as panquecas na Holanda não conheço muitas iguarias.
Oi, Cecilia! Muito obrigada pela leitura e retorno. Realmente, somos muito parecidos com relação à uma boa comida. Sou neta de português e amiga de vários portugueses aqui na Holanda. Nós adoramos nos reunir em volta de uma boa mesa! Fazemos “intercâmbios gastronômicos” com frequência, alternando (com muito gosto!) bacalhau e churrasco, pastéis de Belém e brigadeiros… uma incursão sem fim ao mundo dos sabores!… Um grande abraço,
Regina
Parabéns pela abordagem cultural sobre os dois países. Esse tema pode ser ampliado para os países do Norte da Europa ( Alemanha, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Reino Unido e outros). Todos esses povos mencionados tem uma relação simples e menos afectiva com alimentação e entre eles mesmos ou sejam simplificam tudo e racionam as emoções, a comida, o tempo, e priorizam a Individualidade e percebe-se isso na relação Comida X Individuo ou seja um único prato para uma única pessoa.
Por isso entre outras coisas entende se porquê os holandeses são conhecidos como cautelosos ao gastar dinheiro e os brasileiros esbanjadores quando podem.
Oi, Leo! Muito obrigada pelo seu retorno e sugestão, que achei muito oportuna. Realmente, seria bem interessante ler a respeito da relação que diferentes povos têm com a comida. Colunistas desses países não faltam aqui no BPM e, certamente, elas têm muito a contar sobre o tema. Concordo com você: os holandeses são bem cautelosos ao planejar a compra e o preparo das refeições. Calculam o que será consumido, a fim de evitar desperdícios ou sobras. Para muitos, essa atitude às vezes é vista como avareza. Eu, particularmente, vejo como bom senso. Um grande abraço!
Regina
Olá Regina! Obrigado pelo seu excelente post. Quem já visitou a Holanda sabe muito bem da falta de uma comida tipicamente brasileira. Gostaria de dar uma sugestão: poderia dar informações sobre como funciona o transporte público? Quando fui pra Haia, cheguei a ter dificuldades para comprar bilhetes (tem maquinas que só recebem moedas, acredita?). Só quando voltei para o Brasil e fui me informar melhor, descobri que existe o OV-chipkaart anônimo (ideal para turistas, semelhante ao cartão Oyster, de Londres) e bilhetes para um dia inteiro. Se puder explicar como isso funciona, ficarei agradecido. Para quem pensa em visitar a Holanda, é importante saber disso. Muito obrigado! 🙂
Olá, Elias! Fico muito feliz que tenha gostado do post. Muito obrigada pela leitura e pela sugestão. Achei seu pedido uma excelente oportunidade de falar sobre o tema. Você tem razão: com o OV-chipkaart anônimo, a economia para andar em trams(bondes) e ônibus é considerável, pois só assim é possível pagar fracionado. Prepararei um post com todos os detalhes. Um grande abraço!
Surgiu outra dúvida em relação ao OV-chipkaart anônimo: quando eu não querer mais usar esse cartão e sobrar dinheiro nele, o que eu preciso fazer para resgatar o dinheiro que sobrou? O processo é semelhante com o “Oyster Card” de Londres? (Quando devolve o cartão Oyster, eles entregam em dinheiro o valor que sobrou do cartão e reembolsa o valor da taxa que eles cobram quando adquire o cartão).
Olá, Elias!Hoje o post sobre o tema foi publicado e espero que possa responder um as suas perguntas. Com relação à devolução do que sobrou no cartão, infelizmente e ao contrário do que acontece em Londres, não é possível aqui na Holanda. A sugestão que dou, então, é ir recarregando aos poucos e à medida em que for sendo necessário. Assim, o que sobrar no cartão não será tão impactante, com relação à economia de pagar fracionado. Um abraço,
Regina
Adoro a comida holandesa… Adoro pão com hagelslag (não sei como se escreve), koffe met melek en gebak (nao sei como se escreve)… e tudo aquilo do febo… hummm e o frikandel com grolshbier
Oi, Sander! Você sabe que, quando eu mudei para a Holanda, achei muito esquisito o hagelslag (vou traduzir para os outros leitores: granulado) sobre o pão. Agora, acho delicioso! É muito interessante ver os ingredientes sendo usados para outras finalidades… Koffie met melk en gebak (traduzindo para nossos amigos: café com leite e uma fatia de torta)… lekker (delícia)!!! O Febo é um capítulo à parte, né?! merece um post só para ele…Gostei da usa narrativa ao contrário… estando aí no Brasil e lembrando com saudade das coisas daqui. Certamente, uma ótima ideia para um tema futuro. Grande abraço!
Adorei o post e tirei algo de positivo de todos os comentários. De facto… Gostos não se discutem e cada cabeça, sua sentença!
Identifico-me muito com o que o Leo disse e concordo plenamente.
Como português, claro que tudo gira em torno duma boa mesa, mas nesta minha estadia pela Holanda tenho tentado ter mente aberta e experimentar novas combinações e iguarias…. Bem… No meu caso, conclui que sou um quadrado incurável 🙂
Tirando algumas sobremesas e bolos locais de que gosto muito ( a tarte de maçã com canela hmmm)…. Não troco nada disso por um simples churrasco brasileiro com arroz e feijão 🙂
Olá, João (xará do meu pai e do meu irmão)! Muito obrigada pela leitura e por compartilhar conosco sua experiência aqui na Holanda. Gosto muito de ler os comentários dos amigos portugueses. E eu concordo com você, apesar de achar que é ótimo ter a mente aberta e experimentar novos sabores e receitas (alguns dos quais, gosto muito!), um bom churrasco acompanhado de arroz e feijão, é imbativel. Dá água na boca só de pensar… Acompanhado de um bom doce português de sobremesa, melhor ainda! Grande abraço!
Regina, esse apego a que você faz menção remete à nossa infância. Na verdade, todos temos saudades de quando éramos criança. Essa saudade é, na maioria das vezes, desapercebida, está dentro de nós, mas não é sempre manifestada. Então, para nós brasileiros, há a mesa do almoço e do jantar, desde pequeninos tivemos oportunidade de encontrar família e amigos nesses dois momentos, de pausar negócios e atividades, desde pequeninos somos assim (um americano e europeu típico, só almoça de verdade se for para fazer negócios. Nós, brasileiros típicos, ao contrário, não vemos com bons olhos falar de negócios à mesa). Realmente, para mim, é muito mais do que só o alimento. Por isso que é tão difícil largarmos esse costume.
Olá, Francisco! Muito obrigada pela sua participação e comentário, muito comoventes. Fiquei muito emocionada com suas palavras. Realmente, grande parte de nosso apego à comida vem de boas lembranças da infância. Principalmente, quando não moramos mais perto dos nossos amigos e familiares e quando nossos pais já nos deixaram para sempre. Fico feliz em ver que meu post despertou esta reflexão e que você decidiu dividi-la conosco. Um grande abraço!
Regina, estou indo pra Utrecht final de março para um doutorado sanduíche e retorno ao Brasil final de agosto (5 meses). Sou daqueles que adora comer arroz e feijão no almoço e jantar sendo o almoço a refeição principal do dia. Sou de Minas Gerais e aí já viu né, mesa farta rsrsr. Li muitas coisas fantásticas sobre o a vida na Holanda que me deixa entusiasmado com a viagem, mas pelo seu post percebi que a adaptação à culinária holandesa talvez seja o meu maior desafio. Em uma viagem à Itália por 12 dias ano passado não tive dificuldades pois lá come-se muita massa e risotos, o que acaba sendo parecido com parte da culinária brasileira, mas agora será a primeira vez que ficarei um bom tempo longe de casa. Mas por outro lado gosto do turismo culinário e da oportunidade de experimentar comidas diferentes. Mas já sei que ficarei saudoso com o arroz e feijão brasileiro. Um abraço!
Oi, Adelylson! Muito obrigada pela leitura e pelo comentário. Eu lhe entendo perfeitamente! Meu filho mais novo é adepto do arroz e feijão, apesar de já morar há 9 anos fora do Brasil. Posso lhe dizer que a “dupla dinâmica” sempre esteve presente na nossa mesa… rs! Você não vai encontrar arroz e feijão nos restaurantes holandeses, mas achará uma boa oferta deles nos supermercados comuns (caso goste de cozinhar). Caso contrário, uma opção parecida é tentar a culinária mexicana. Hoje em dia, meu filho mora nos Estados Unidos e é assim que ele “quebra o galho”. Na Holanda, você encontrará muitas opções de culinária internacional. E muitas culturas orientais baseiam os pratos em arroz. Pode ser uma forma de você experimentar coisas novas e matar a saudade dos nossos ingredientes. Eu desejo muita sorte na nova etapa da sua vida. Utrecht é linda! Tenho certeza de que você vai gostar! Abraço!