Eu adoro escrever e dar dicas pra quem vem visitar ou morar em Barcelona, mas hoje meu post é um pouco diferente. Vou falar de um tema com o qual estou 101% envolvida e uma forte razão para que eu siga morando neste lado do oceano: O Português como língua de herança. Como o nome diz, é aquela transmitida pela família aos descendentes que vivem em um país onde se fala um idioma diferente. No nosso caso, é o ensino do português e da cultura brasileira aos filhos de brasileiros que vivem fora do Brasil.
O ensino da língua de herança é um fenômeno iniciado no Canadá e que foi se expandindo por diferentes países, resultado dos fluxos migratórios que existem desde sempre. No caso do Português, nossa história ainda é recente, já que a emigração brasileira se intensificou na década de 80, mas agora, pouco mais de 30 anos depois, o português como língua de herança já é um movimento expressivo.
Parece óbvio que, se falarmos com nosso filho em português, ele irá se comunicar naturalmente nesse idioma. Mas não é. Lembrando que vivendo fora do Brasil, o idioma de uso social é outro, e que esse filho irá crescer e se relacionar com outras crianças que falam o idioma local, pouco a pouco vamos percebendo que o nosso tão amado português vai perdendo o protagonismo que tem em casa. E, de repente, aquele personagem que faz parte da nossa história, aquela música que sabemos de cór, aquelas brincadeiras tão legais que são transmitidas naturalmente na escola, não terão o mesmo significado para o seu filho; pois embora ele tenha um lado brasileiro, está crescendo em outro lugar.
Dramas à parte e sem generalizar, foram esses questionamentos que fizeram com que muitos pais e mães se organizassem em iniciativas onde seus filhos pudessem conviver em português com “pessoas do seu tamanho”, cantando, brincando, festejando e aprendendo essa língua e cultura através de uma mediação pedagógica.
A participação das famílias é fundamental, já que é através do pai e/ou mãe brasileira que irá se desenvolver o sentimento de pertencimento à língua e à cultura do Brasil. As aulas, encontros e festas organizadas por esses projetos fomentam este vínculo, mas é a família quem realmente preserva esse laço.
Na Espanha, terceiro país europeu que recebe brasileiros, atrás somente do Reino Unido e Portugal, segundo o Ministério das Relações Exteriores, este movimento formal começou no ano de 2007, com o Projeto Brincar.es, na capital Madrid. Em 2010, foi fundada a Associação de Pais de Brasileirinhos na Catalunha, em Barcelona, associação da qual sou professora desde 2012 e agora em 2015, três novos projetos estão nascendo: Brasileirinhos em Málaga, Brasileirinhos em Burgos e Brasileirinhos em Granada.
No nosso caso da Espanha, entender e até falar o português não é difícil, já que português e espanhol são língua similares e fáceis de aprender em um primeiro momento. Nosso maior desafio como professores é evitar a mistura, o famoso “portunhol”, além, é claro, de transmitir aspectos da cultura brasileira que não são vividos na Espanha.
Como professora (ainda não sou mãe), posso dizer que dar aula de língua de herança é diferente de tudo que já fizemos no Brasil. O contexto linguístico e cultural é outro, a diversidade imensa e por serem projetos não governamentais, na maioria das vezes organizados pelos pais, as aulas são semanais e divididas em poucos grupos, o que ressalta ainda mais a heterogeneidade, tanto com relação à idade biológica, quanto aos conhecimentos da língua e vínculo com a cultura.
Na verdade ensinamos a língua por meio da cultura, e cada aluno “aprende”, se apropria do que mais lhe interessa, do que mais sente que é importante para ele. Alguns falam português, outros só entendem, outros misturam, outros leem, escrevem, ou somente são apaixonados pelo futebol do Brasil, as cirandas de roda ou a Turma da Mônica.
Como eu disse, é um campo relativamente novo e as questões pedagógicas relacionadas a currículo, metodologia e avaliação ainda estão em construção. Vamos experimentando e, pouco a pouco, descobrindo mais sobre esse universo.
No fundo, o que realmente importa é que eles estejam conectados com este mundo. Ter acesso à sua língua e cultura de herança é um direito da criança: De conhecer sua história, de valorizar sua origem diversa e de também poder utilizar essa língua em um futuro, pessoal e profissionalmente. Por mais inquietante que seja, a causa vale muito a pena.
Para aqueles que não sabem por onde começar e gostariam de encontrar uma iniciativa, o site Brasileirinhos no Mundo tem uma lista das iniciativas voltadas ao ensino do Português como língua de herança em todo o mundo. O Elo Europeu de Educadores de POLH também divulga notícias, eventos e material sobre o Português como língua de herança, e deixo aqui também outros links super interessantes relacionados com esse tema:
- ABRIR na Inglaterra
- Brasil em Mente nos EUA
- Lista de Associações
- Elo Europeu de Educadores
Independente de tudo isso, fale em Português com seu filho. Ele merece.
4 Comments
Juliana, parabéns!
Vc conseguiu escrever de maneira clara as nossa vivências como promotoras da Língua de Herança!
Obrigada Magaly!!
Que bom, fico feliz! Beijo pra ti!
Olá Juliana, amei suas materias sobre Barcelona. Estou de mudança para lá com minha família. Gostaria de saber um pouco mais.
Olá Julliana,
A Juliana Azevedo Gomes parou de colaborar conosco, mas temos outras colunistas na Espanha.
Você pode entrar em contato com elas deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM