Não é porque é árabe que é tudo igual. Os povos dos países considerados árabes têm uma história muito antiga anterior até mesmo a língua e a religião que possuem em comum, e, por conta dessa história, guardam diversas diferenças entre si.
O Qatar embora seja muito recente como país traz em sua história o traço da cultura Khaleeji que vem do povo beduíno e que é bem diferente da cultura síria e libanesa a que estamos familiarizados no Brasil.
A cultura Khaleeji encontrada principalmente nos estados árabes do Golfo Pérsico tem suas raízes no mar e apesar de seu núcleo ser essencialmente árabe, sofreu influência da Pérsia, sul da Ásia e Chifre da África devido a extensa troca comercial que existia na região.
Khaleej é a palavra árabe para golfo ( خليج ) que na cultura árabe também significa Golfo Arábico ou países do Golfo que são: Qatar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Kuwait, Omã e de alguma maneira o Yemen e o Iraque estão inclusos. O adjetivo da palavra é : Khaleej + i= Khaleeji sendo, portanto, o povo Khaleeji, a música Khaleeji etc. além disso i (ي) no final de um nome funciona como um pronome possessivo, Khaleeji também significa “Meu Golfo”. São duas palavras em uma só e pode ser escrita de outras maneiras já que no idioma árabe não existe regra para escrita, se escreve o que se ouve, principalmente se for no nosso alfabeto.
O povo beduíno, conhecido por sua natureza nômade, no século XX, depois do acordo secreto de Sykes Picot que dividiu a Ásia entre ingleses, franceses e russos, foi incentivado a trocar suas tendas por casas com água encanada providas pelo governo.
Hoje pessoas que pertenciam a uma mesma tribo estão vivendo em diferentes países o que contribuiu para que a cultura beduína permanecesse viva mesmo com a modernidade trazida pelo dinheiro do petróleo. Na região, os Khaleejis continuam praticando a falcoaria, acampamento no deserto (Com wi-fi por favor), criação de camelos, cabras e vacas. A palavra “beduíno”, atualmente, não é designada apenas para se referir ao homem que vive no deserto mas também para aquele que tem sua origem em uma tribo beduína ou pratica as suas tradições.
A comida tradicional é regada a arroz e frutos do mar, o frango e o cordeiro também aparecem vez ou outra. A carne de camelo é consumida apenas em grandes ocasiões e os doces de leite de camela(?) são considerados iguarias.
A língua oficial é o árabe, porém entre os naturais da região é falado o dialeto Khaleeji que para os meus ouvidos soou muito mais ríspido e forte do que o falado pelos libaneses, por exemplo. Ao que parece eles conseguem se entender entre si, quem não entende nada sou eu que depois de 2 anos e 5 meses vivendo aqui só aprendi a falar meia dúzia de palavras e a cantar parabéns para você hehehe.
Para embalar as festas tem música com muito tambor e oud, uma espécie de instrumento de corda. Não existem muitos cantores famosos de música Khaleeji, porém, os que tem são tratados como realeza em qualquer evento que comparecem. Fui a uma festa de dia das bruxas ano passado e lá estava o “Roberto Carlos qatari” fantasiado de militar com seu bigode imponente dando uma palhinha. O Kuwait foi o primeiro país a ter cantores Khaleejis gravando comercialmente, e, para quem ficou curioso, segue um vídeo do ferinha aqui do Qatar:
Não podemos deixar de falar das pérolas, elas são o tesouro do povo Khaleeji. O Qatar vivia da caça de pérolas até os anos 40 quando começou a exploração do petróleo na região. Quem vai ao Souq Waquif, mercado tradicional em Doha, vai encontrar diversas lojas especializadas em pérolas já que estas são as jóias preferidas das mulheres daqui (e minhas também) e quem tiver o olhar mais atento encontrará lojinhas com fotos antigas e, caso pergunte o próprio dono, senhorzinho simpático, este contará que aquele na foto é ele mesmo no tempo em que caçava pérolas e fará questão de te entreter com diversas anedotas. Esse é um passeio que recomendo demais a quem vem.
Vivendo aqui percebi que os outros árabes consideram os Khaleejis mimados por conta de todo o dinheiro que ganharam com o petróleo e são um pouco ressentidos com os mesmos porque estes não se envolvem nos conflitos da região ou se movem para ajudar seus irmãos árabes. É um assunto sempre delicado. O Qatar está repleto de libaneses, sírios, iranianos (que não são árabes e ficam muito ofendidos se são confundidos), egípcios, jordanianos, marroquinos e tunisinos tirando o seu sustento do ouro negro. Os países do golfo acabam sendo uma rota de fuga para os que vivem em região de conflito ou estão em busca de uma melhor qualidade de vida.
As cidades do Golfo tem emergido como novo centro cultural e econômico do mundo árabe já que devido a guerra que assola a região cidades como Beirute, Cairo, Damasco e Bagdá estão cada vez mais longe do que se espera de uma grande metrópole.
Depois da primavera árabe que destruiu o centro de Cairo, Doha assumiu o papel de capital diplomática do mundo árabe e, ao que parece, não quer perder o posto já que o governo tem se empenhado em estar cada vez mais em evidência para o mundo ocidental, mostrando tudo o que a cultura Khaleeji tem a oferecer.
8 Comments
Adorei o texto. Muito interessante ler sobre aspectos de uma cultura pouco conhecida e compreendida, ainda, pelo mundo ocidental. Grande abraço!
Obrigada pelo carinho! Beijo grande =*
Oi Thais,
Muito bacana seu texto. Diversidade cultural e sempre importante para abrir nossos horizontes. Abs. Cintia
Obrigada Cintia! Beijo grande!
Achei muito interessante nunca pensei que os paises do golfo fosse diferente dos demais paises arabes
Bom dia Thaís. Excelente texto. Parabéns pelo trabalho. Gostaria de entrar em contato para receber um possível suporte de vocês. Minha empresa está em negociação com países do Golfo, porém estamos com dificuldade de encontrar um tradutor para enviarmos o material comercial no dialeto Khaleeji. Conseguimos entrar em contato direto com vocês ?
Boa tarde Thais, tudo bem?
Estou procurando alguém que traduza textos do português para o Khaleeji. Teve contato com alguém que faça essa tarefa?
Muito obrigado.
Olá Rodrigo,
A Thais Cunha, infelizmente parou de colaborar conosco.
Obrigada,
Edição BPM