Dezembro é meu mês favorito por muitos motivos: verão, férias, Natal, aniversário e ano novo. No meu primeiro ano vivendo no Qatar descobri que tudo isso, exceto pelo meu aniversário, tinha sido tirado de mim. Pensei que morreria de tanta tristeza.
Agora, no meu segundo ano depois da troca de bairro, cidade, país e hemisfério, já estou encarando a situação com outros olhos, olhos mais complacentes, digamos assim.
O verão não é mais a minha estação do ano favorita já que aqui ele é de matar. O inverno, por outro lado, conquistou o meu coração. É a única época do ano em que podemos aproveitar os espaços abertos sem desconforto.
Passear no parque, fazer piquenique na praia e até mesmo ir ao deserto se tornam um prazer em dezembro. Ano passado acampamos no meio do nada e foi maravilhoso. A época de férias aqui é entre os meses de maio e agosto (durante o verão) e eu já tirei as minhas, então, não tenho mais do que reclamar, bola pra frente que atrás vem gente!
Quando falamos sobre o Natal é que a coisa complica. O Qatar é um país muçulmano, por isso, aqui não tem musiquinha de loja de departamento anunciando que o Natal está chegando e nem shopping enfeitado. Não é feriado para a maioria das pessoas. Algumas empresas estrangeiras, no entanto, dão o dia 25 de dezembro de folga para os funcionários.
Algumas lojas até vendem enfeites, porém a palavra “Christmas” está vetada assim como qualquer menção a Jesus. Ano passado vi presépios à venda em um supermercado num dia. Quando voltei no outro para comprar, eles já haviam sido recolhidos pelos fiscais do governo.
As igrejas têm autorização para celebrar o Natal em suas dependências, inclusive é a época em que a “Church City” fica mais povoada. Para quem procura, há celebração católica, protestante, anglicana, cristã ortodoxa grega, cristã ortodoxa síria, cristã copta e cristãos indianos.
Sem todos os estímulos é bem difícil lembrar que estamos nesta época. Ano passado me lembrei bem próximo do dia e acabamos fazendo um Natal árabe com kafta, shawarma e kibe para a ceia. Tentei achar peru ou bacalhau para vender, mas não consegui. Quando acontece de ter no mercado acaba em um segundo, é artigo de luxo.
Minha mãe não poderia ter escolhido data melhor para eu nascer: 29 de dezembro, entre o Natal e a virada de ano; todos felizes, celebrando, deve ser por isso que eu também não abro mão de uma festa.
Eu senti muito a ausência dos meus amigos de sempre, da minha família e dos nossos rituais (parabéns à meia noite e bolinho de manhã) mas nada que amigos muito carinhosos e um marido maravilhoso não pudessem resolver. Quando eu achei que não ia ter nada, armaram uma festa surpresa para mim! Fiquei muito emocionada.
Quando uma porta se fecha a vida te abre outra, este ditado não poderia estar mais certo. Ser expatriado tem seus prós e contras mas nós, seres humanos, só conseguimos chegar vivos até aqui porque sabemos nos adaptar às mudanças e com a ajudinha de outros na mesma situação, tudo fica mais fácil.
Estourar o espumante enquanto assiste aos fogos na praia agora é coisa do passado. O máximo de fogos que se consegue ver aqui na virada do ano é pela televisão, se estiver sintonizada na Globo para o show da virada, 5 horas depois da virada por aqui.
Pois é, nada de festa de réveillon…
Alguns hotéis oferecem jantares na noite da virada, assim como festas em boates, mas isso nunca foi minha praia no Brasil e não vai passar a ser aqui.
O motivo pelo qual no Qatar não se comemora a virada do ano é porque, mais uma vez, por serem muçulmanos, eles seguem o calendário hijri, diferente do nosso por ser lunar. Eles já comemoraram, não com tanto entusiasmo quanto nós, a entrada do ano de 1437 à meia noite do dia 14 de outubro.
Conversando com alguns árabes eles me disseram que não veem razão para comemorar, que é só um dia depois do outro e é por isso que não fazem alarde nem festa. A verdade é que cada um dá o significado que quiser para a data; para mim é um dia feliz que me lembra que tenho a chance de fazer tudo diferente, de tentar de novo, de ser melhor, é para respirar fundo, pegar fôlego para os desafios que estão no futuro.
Ano passado eu tive um ano novo “à la grega”. Viramos o ano com uns amigos gregos; teve dança, bolo da sorte, comida à vontade, bem parecido com a nossa ceia. À meia noite, muitos abraços, choro e felicitações, bem como na nossa virada de ano na praia. Fiz questão de ligar para os meus pais e irmã e avisar, já que estou adiantada 5 horas, que o mundo não havia acabado. Desde a profecia de Nostradamus e dos Maias todo mundo fica meio ressabiado, hahaha!
A ansiedade é diferente mas ainda está aqui, afinal as experiências vividas também são diferentes e o meu objetivo é lembrar de cada detalhe para, um dia, sentar com meus filhos, netos e tataranetos ao redor de uma mesa de Natal e contar sobre as minhas aventuras no deserto.