Quando voltar pode não ser a melhor opção.
Morar fora do Brasil dói. Dói estar longe da família, dos amigos, da sua cultura, do seu idioma, do seu lugar comum. Mas sabe o que mais dói? Quando você põe os prós e contras na balança e, apesar dessa dor toda, começa a perceber que voltar talvez não seja, assim, a melhor opção…
Uma semana na Austrália e eu já sentia uma baita diferença com relação a alguns absurdos que vivemos no Brasil e, infelizmente, passamos a aceitar como “normais”: não se sentir seguro na rua é o principal deles. Quantas vezes eu ouvi o relato de algum amigo ou conhecido sobre um assalto sofrido e, automaticamente, pensei: “ah, mas fulano deu mole. Onde já se viu andar por tal lugar a tal hora com o celular na mão?”
Hoje vejo o quanto eu estava errada. O absurdo está em não ser possível andar onde quiser, a hora que quiser, com o objeto que quiser na mão, e não o contrário. Mas o dia-a-dia acaba nos acomodando, e o que deveria ser absurdo passa a ser normal.
A Austrália é um exemplo nesse sentido. Já conheci alguns outros países, como o Canadá, por exemplo, que é bastante seguro, mas igual a esse aqui, nunca tinha visto. Beira o inacreditável. Você pode andar tranquilamente pela rua, a probabilidade de algo te acontecer é bem pequena. E isto, te garanto, é algo com o qual você se acostuma fácil, fácil.
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Daí vem a situação econômica do país. Muitas vezes eu me assusto com a forma como o australiano encara o mercado de trabalho, como é simples para eles priorizarem a vida pessoal, pedirem demissão do emprego para viajar, faltarem o trabalho simplesmente para assistir a estreia da última temporada de Game of Thrones (o horário oficial de exibição aqui foi às 11h de segunda-feira, por conta do fuso-horário).
Isto sem contar na opção deles em não cursarem faculdade, não escolherem uma profissão tradicional, de simplesmente fazerem o que quiserem. Muitas vezes, me peguei julgando, criticando. Mas o ponto é: em uma cultura na qual você PODE fazer o que quiser, que trabalhando como faxineira ou como CEO, terá uma vida digna, uma economia em que a oferta de emprego é, em geral, maior que a demanda, se preocupar para quê? Ter medo do quê? Ficar desempregado não é o fim do mundo, logo você encontra um outro trabalho, se bobear, até melhor que o anterior. Se matar de trabalhar? Para quê? Viver é muito melhor.
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É então que o coração aperta, e já não fica assim tão fácil optar entre ir ou ficar. Imagina criar um filho num país desses? A gente até brinca que a criança tem que passar um tempo no Brasil para entender que a vida não é esse conto de fadas. Mas não deveria ser? A gente leva na brincadeira, faz piada do jeito “fora da realidade” do povo australiano, mas parando para pensar, a realidade que a gente vive no Brasil é que parece coisa de filme. Só que, infelizmente, um filme de guerra ou uma comédia de quinta categoria, se entrarmos no mérito da nossa política.
Assim, volto ao ponto inicial desse texto: dói deixar tudo para trás, mas dói mesmo ver o quanto poderíamos ser e o quão distantes estamos de chegar lá. Logo eu, que quanto mais viajo, mais amo meu país, chegar a uma conclusão dessas. Não é fácil não, viu?
Daí vem aquela velha máxima do imigrante: estando aqui, sempre vai faltar algo e, depois de morar fora, ao voltar para o Brasil, sempre vai faltar algo também… o importante é calibrar essas sensações e entender, a cada momento, qual falta te dói mais.
2 Comments
Como vc bem disse”viver é muito melhor”. E viver com essa liberdade é melhor ainda. Tudo na vida tem seu tempo e saber aproveitar bem o tempo presente é um verdadeiro presente. Como sempre lindo texto pra gente pensar.
Parabens!!!! Otimo texto!!