Quem são elas, as panamenhas.
Conhecer o contexto histórico, social e econômico, além de entender o que pensa e como vivem os locais é um passo importantíssimo nesta jornada que se é mudar de país. Muitas vezes, ao chegarmos sozinhas num lugar de costumes e língua diferentes, criarmos e mantermos uma rede de compatriotas é reconfortante e necessário. Por outro lado, acredito que quem viva apenas em uma bolha junto a expatriados da mesma nacionalidade, sem contato com a realidade local, perde bastante das descobertas de se viver no exterior. Desde que chegamos aqui venho tentando ao máximo compreender quem são e o que pensam e, principalmente, quem são elas, as panamenhas.
Orgulhosas de conciliar trabalho e família
É sabido que as mulheres latino-americanas têm muitos pontos em comum, seja de que classe social façam parte. E que somos guerreiras e não fugimos da luta, seja a de casa ou a do trabalho. Como as brasileiras, muitas das panamenhas acumulam as funções de profissional, mãe e esposa. E elas se orgulham muitíssimo disso, feito que me chamou a atenção por sua interpretação: entre as que aqui conheci, quem opta por ser mãe em tempo integral não é tão bem vista (tanto por mulheres quanto por homens) como a que tem filhos e trabalha, mesmo que não seja em um alto cargo executivo. As mães empreendedoras são admiradas e respeitadas.
Por outro lado, representantes do sexo feminino que decidem não ter filhos são consideradas estranhas e “fora da curva”. Este último ponto merece um post em separado, pois é bastante forte a cobrança sobre esse aspecto da vida feminina não apenas entre as locais, como também no meio das estrangeiras e expatriadas de várias origens (brasileiras também).
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A sociedade panamenha é conservadora de uma forma bastante peculiar quanto aos papéis masculinos e femininos. Poucos homens chegam a proibir suas esposas de seguirem trabalhando depois do casamento ou do nascimento das crianças, como acontece algumas vezes em países mais machistas, como a Índia. No entanto, é esperado que as donas de casa gerem renda, eduquem filhos e tratem muitíssimo bem os seus maridos, numa versão um pouco mais light do machismo nosso de todo dia.
Tanto que conheci panamenhas que, além de cuidarem de dois ou três filhos, atuam como freelancers ou têm seus pequenos negócios não para realizarem-se em algo que gostem ou ser independentes financeiramente. Muitas o fazem apenas para fugir de julgamentos por parte do marido, da família dele ou, pior ainda, de outras mulheres. Sororidade é um termo que ainda está em desenvolvimento na sociedade panamenha, na qual a competição entre elas parece ser forte.
Também como em outros países latinos, é grande o número de famílias com líderes mulheres, principalmente entre as classes mais baixas. Segundo pesquisa de 2016 da Controlaloría General de Panamá, uma espécie de Censo local, há no país mais de 358 mil mães, avós ou tias cujas rendas são as maiores ou as únicas em seus lares. Esse número representa quase 1/3 da população do país, e é menos expressivo entre comunidades indígenas, consideradas as mais vulneráveis socialmente.
Ainda quanto às comunidades mais pobres, é grande o número de meninas que engravidam nos primeiros anos da adolescência. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a América Central e o Caribe compõem a segunda região com números mais alarmantes neste aspecto, com 66,1 nascimentos para cada 1 mil meninas entre 15 e 19 anos, ficando atrás apenas da África Sub-sahariana. Entre as jovens, grande parte depende da ajuda da família para criar os bebês, já que os pais deles, tão jovens quanto as mães, raramente possuem estrutura emocional ou financeira para assumir sua criação. Em casos extremos e não raro traumáticos, decide-se pela entrega da criança à adoção.
A explicação para a persistência deste problema alarmante é o conservadorismo da maior parte da população panamenha, de todos os estratos sociais. Nem mesmo um apelo formal da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2017 foi suficiente para que a nação tomasse medidas quanto ao fato. A verdade é que poucos pais e mães panamenhos se atrevem a conversar sobre sexo e métodos anticoncepcionais em casa.
Ignorando a ONU, o tema-tabu tem ganho contornos ainda mais difíceis e obscuros, com a rotunda rejeição de um projeto de lei que tramita no congresso panamenho, estipulando o ensino de educação sexual nas escolas públicas e privadas. Tentando eclipsar a existência desta questão, os pais têm reforçado sua recusa em conscientizar seus filhos, por meio de manifestações e abaixo-assinados, além do amplo uso da mídia em prol da sua contra-causa. Infelizmente, a falta de informação tanto em casa quanto na escola continuará roubando a juventude e as oportunidades de muitos jovens do Panamá.
Mulheres na política, ainda um esboço
A presença da mulher panamenha na política é tão pequena quanto a de outros países da região, mesmo levando-se em conta o tamanho da população do país, que é de quase 4 milhões de habitantes. Uma boa notícia é que Isabel Saint Malo acumula os cargos de vice-presidente e chanceler, o que já pode ser considerado um grande avanço num panorama claramente sexista.
O sistema político panamenho é unicameral, ou seja, não existem senadores e deputados com funções e obrigações diferentes, como em outros países da região. O número de deputadas locais é de 13, de um total de 71 congressistas (18,5%), tão baixo quanto o da Guatemala (29 de 158, também cerca de 18%), mas bem menos significativo que outro vizinho, a Costa Rica ( 22 de 57, ou seja, 38,5% de deputadas mulheres), país considerado exemplo na equidade entre os sexos na área.
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Na comparação com o Brasil, país de dimensões e desigualdades continentais, existem atualmente 13 senadoras (16% dos 81 eleitos) e 53 deputadas (tristíssimos 10,3% de 513), de acordo com os sites da Câmara e do Senado. Tão baixa quanto a nossa, a proporção panamenha nos recorda que passou da hora de lugar de mulher também ser na política.
Importante lembrar que a maior parte das congressistas panamenhas não estão engajadas em propostas e pautas caras à vida de suas pares, como a extensão do período de licença-maternidade, que aqui atualmente é de até 5 meses. A legalização do aborto irrestrito (que como no Brasil é apenas permitido em casos de violação, ou quando coloca em risco a vida da mãe ou do bebê) é amplamente rechaçada. Propostas de lei que protejam as mulheres contra a violência e o feminicídio, ou que determinem a equidade de salários e postos entre homens e mulheres também não vêm sendo defendidas com o carinho que merecem. Infelizmente a maior parte das deputadas andam pelo caminho de seus colegas masculinos, e seguem praticamente mudas as vozes dissonantes que se aventuram a sugerir novos caminhos.
Vaidade, produto latino-americano
Vaidade é um mercado gigantesco em todo o mundo, como bem sabemos. Na América Latina Brasil, México, Colômbia e Argentina lideram entre as consumidoras de produtos e serviços de beleza. Graças ao crescimento do poder aquisitivo da população devido à dolarização de sua economia, no Panamá isso não é diferente. A quantidade de salões de especializados é gigantesca e há opções para todos os bolsos.
É muito comum que as mulheres deem uma passada no “instituto de beleza” (como diria a minha amada avó) pelo menos uma vez por semana, seja para fazer as unhas, tratamentos capilares ou depilação. Conheci panamenhas que fazem escova profissional (conhecidas localmente como “blower”, em bom “spanglish”) em suas longas madeixas todos os dias, o que achei um tanto diferente da minha realidade de mulher vaidosa pero no mucho.
Mesmo com calor e umidade durante todo o ano, a preferência por maquiagem completa domina. Poucas optam pelo nude “Meghan Markle no dia do ‘Casamento Real'” no dia a dia e, muito menos, em dias de festa. Recentemente, muitas panamenhas aderiram à moda das sobrancelhas desenhadas e micropigmentadas, além do implante de cílios. E não se engane com o clima caloroso, praiano e relaxado, que pede moda mais casual: a maior parte das panamenhas está sempre super arrumadas, com saltos altíssimos, vestidos (a preferencia geral é por modelos mais curtos e ajustados, que valorizam as curvas), e adora joias ou bijuterias.
E essas “regrinhas” se aplicam a qualquer ambiente. Uma vez fui ao lançamento de um livro usando saia longa, camiseta, tênis e maquiagem próxima de zero (o que eu usaria em uma ocasião semelhante, em um dia de 30 graus em São Paulo). Resultado: fui fuzilada com olhares de julgamento. Apesar de me sentir um pouco constrangida, achei engraçado. Ah, essas diferenças culturais…
Outro ponto que une a América Latina é a busca pela cirurgia plástica. Ainda que não existam números oficiais disponíveis por parte do Ministério de Saúde (Minsa) panamenho, dados informais apontam que cada vez mais mulheres (e homens também, vejam só) buscam por aumentos de mamas, lipoaspiração, redesenho de nádegas e rinoplastia. Muita gente recorre a cirurgiões colombianos ou norte-americanos para este tipo de procedimento, já que no país são poucos os especialistas credenciados para realizá-los.
As panamenhas também estão entre as maiores usuárias de botox nas Américas, região na qual, de acordo com uma matéria recente do site da BBC inglesa, este procedimento é um dos mais tratamentos mais baratos do mundo. Para terminar, quem opta por fazer todos estes procedimentos no Panamá tem a possibilidade de financiá-lo em até 48 meses, ou melhor, 4 anos. Facilidade que, mais uma vez, reduz ainda mais a distância entre o Panamá e o Brasil.