Reinventando-se profissionalmente após os 40.
Trocar de profissão ao mudar de país até que é algo bem comum. Aqui na Austrália isto acontece bastante no caso dos estudantes que, com visto restrito de trabalho por somente 20 horas semanais e sem inglês fluente, se aventuram nas obras, nos cafés, nos restaurantes e nas faxinas. Por exemplo, tenho uma amiga jornalista, a Flávia, que está fazendo faculdade de Enfermagem; a Melissa, que era Terapeuta Ocupacional no Brasil, fez cursos para trabalhar em Childcare (Jardim de Infância) e construiu uma carreira sólida nesta área.
Na minha primeira experiência morando na Austrália eu não passei por isso, pois vim para cá transferida do escritório do Yahoo! Brasil para o de Sydney, para fazer a mesma coisa. Desta vez o cenário é outro. Enquanto organizava os detalhes da mudança, mandei muitos CVs para vagas daqui. Até que consegui algumas entrevistas. Chegar aqui com emprego garantido era o meu objetivo. Avancei bastante num processo de seleção para uma vaga em Sydney, mas na última etapa eu não passei. Numa outra entrevista, para uma agência digital na Gold Coast, ficou claro que eu tinha praticamente o dobro de anos de experiência da entrevistadora. E chegou num ponto em que, enquanto mandava CVs e aguardava respostas, eu estava gastando todas as economias para o recomeço aqui, só com as contas básicas no Brasil.
Então, um belo dia demos um basta, definimos uma data e compramos as passagens, mesmo sem termos emprego definido. No dia 28 de junho de 2016, um dia após o aniversário da minha mãe, embarquei com meus dois filhos, marido e 10 malas grandes (fora as bagagens de mão) rumo a Brisbane. Todos os meus contatos profissionais estavam em Sydney, bem como todas as empresas de internet que poderiam querer me contratar.
Pode parecer uma loucura completa, mas não foi. Eu já dominava muito bem o inglês e já tinha tido experiência de trabalho no país por 4 anos (experiência local aqui é super valorizada). Tenho visto de residência permanente, o que me garante poder trabalhar em qualquer lugar. Na Austrália, teríamos escola e saúde públicas de qualidade, além de acesso aos programas de capacitação do governo para entrarmos no mercado de trabalho.
Os sites de emprego daqui são muito superiores aos do Brasil em termos de usabilidade e eles têm o foco no candidato e não na empresa recrutadora (Seek.com.au / CareerOne / Adzuna / Linkedin). Existem também muitas agências de recrutamento especializadas que postam vagas nos sites acima e, após uma primeira peneira, te encaminham para entrevistas com seus clientes. Comecei mandando para vagas relacionadas ao que eu sempre fiz: gerenciamento de projetos e produtos digitais. No dia seguinte, já tinham dois recrutadores me ligando. Na semana seguinte já havia feito duas entrevistas. Uma não deu certo e a outra demorou três semanas para sair o resultado. Não passei, mas foi por bem pouco. Haviam gostado muito de mim, porém o candidato escolhido tinha experiência no concorrente deles. Continuei mandando CVs dentro da minha área, falei com outras tantas agências, fiz um trial numa agência que não deu certo e depois as entrevistas minguaram. Então, comecei a mandar para vagas em lojas, supermercados, correios, etc. Falei com todo mundo que eu conhecia aqui, mas nada se concretizava.
Um dia postei num grupo do Facebook que estava desesperada atrás de uma oportunidade de trabalho. Uma amiga que eu havia conhecido há poucas semanas, a Rosana, me contou sobre um curso que podemos fazer para trabalhar em escolas como ajudante do professor, ou Teacher Aide. Ela havia acabado de iniciar e estava adorando.
Eu desde SEMPRE amei trabalhar com crianças. Meu primeiro trabalho na vida foi como ajudante de professora de ballet em um jardim de infância em Curitiba. Muitos anos depois, quando já estava trabalhando, fiz trabalho voluntário na brinquedoteca da unidade de atendimento do Hospital Albert Einstein em Paraisópolis durante 1 ano – eu ficava brincando e cuidando das crianças enquanto suas mães eram atendidas. Matriculei-me no dia seguinte. Foram três meses de aulas que passaram voando. Ainda tenho três trabalhos para entregar. E tenho também que completar 100 horas de estágio não remunerado. Já fiz 50 horas. Consegui fazer o estágio na escola da minha filha.
Estou ajudando a professora do Prep (antes do primeiro ano do fundamental), trabalhando com crianças de 5 para 6 anos. Elas estão iniciando a alfabetização. Eu geralmente ajudo as crianças que precisam de suporte individual para completar as atividades propostas. Estou simplesmente amando fazer isso, é muito gratificante. Elas são muito carinhosas e sinceras.
No meu primeiro dia, um menino me disse: “Você fala esquisito.” Expliquei que era porque eu vinha de outro país e falava outra língua. Agora já acostumaram com o meu sotaque e ninguém comenta mais nada. Uma aluna me contou toda feliz que descobriu onde fica o Brasil porque tem um mapa mundi em casa, então ela foi procurar para ver de onde eu vinha.
Enquanto ainda tinha as aulas do curso de Education Support Worker, uma outra amiga que conheci aqui, a Sandrina, me mandou um link de um trabalho casual (somente alguns dias na semana) e que não exigia experiência alguma: a vaga era para ser demonstradora de produtos em supermercados e lojas (o nome pomposo da função é Brand Ambassador). Desta vez resolvi colocar uma foto 3×4 no meu CV e remover tudo que não fosse essencial. Deixei somente uma breve descrição e um resultado para cada função que já tive. Removi meu MBA. Inverti a ordem e coloquei as experiências mais relevantes a este trabalho na frente, mesmo elas não sendo as mais recentes. Deu resultado e me chamaram para a entrevista.
Nesta entrevista, fiz diferente. Esforcei-me realmente para quebrar o gelo com o entrevistador e fazer conexões com ele, além de demonstrar muito interesse por este trabalho. Ele era holandês, mas antes de saber disso, perguntei se o sotaque dele era alemão. Contei sobre o meu amigo e padrinho de casamento Leandro que morou lá por 7 anos e amou tudo, menos o frio 10 meses no ano; contei que era de família italiana, fiz piada com o meu sotaque brasileiro, falamos do calor derretedor que estava fazendo na cidade… E não é que deu certo? Me ligaram no mesmo dia com a resposta positiva. Já estou trabalhando com eles há 3 meses. Já fiz campanhas de queijos finos, blueberries (mirtilos) e também para uma marca mundial de eletrodomésticos.
Trabalho em lugares diferentes, dirijo pela cidade inteira, num raio de 30 km, que eu estipulei. Converso com pessoas incríveis e na próxima semana começo uma outra campanha, para uma empresa de telefonia. Como nem tudo é perfeito, trabalho muitas vezes nos finais de semana e tenho que usar roupa preta neste calor! Por outro lado, ganho mais quando trabalho aos sábados e domingos, e tenho a semana livre para o meu estágio na escola e para as crianças. Idade também não é problema. Minha colega, que foi eleita “demonstrator of the year” em 2016, tem 62 anos. Soube de uma outra senhora, que ainda não conheci, mas que pelo jeito é bem animada, que tem 70 anos e trabalha com eles.
Minha dica para quem está enfrentando uma crise profissional, seja no Brasil ou em outro país, é: mexa-se, porque quem fica parado é poste. Tive de me mudar para o outro lado do mundo para descobrir que posso me realizar profissionalmente fazendo algo diferente do que sempre fiz. Descobri que existe realização profissional além do mundo corporativo, e que se você focar no que você faz de melhor, as coisas vão fluir e acontecer. Descobri também que orgulho, ego e vitimismo não enchem a barriga de ninguém.
11 Comments
Tasla, que texto incrível! Uma injeção de animo pra quem esta se mudando daqui 65 dias como eu hahaha.
Tudo de bom pra vc!
Oi Julia, muito obrigada! Venha mesmo, mudar é bom. Bjs
Muito bom o artigo, espero que sirva de inspiração para pessoas que estão passando pela mesma dificuldade.
Trabalho com design gráfico e websites e realmente estou aberto e disposto aos novos desafios, assim como a Tasla, não vejo vergonha alguma em fazer um downgrade na carreira ou até mesmo mudar de profissão.
Excelente.
Obrigada Ricardo. 😉 Como disse uma amiga psicóloga e que me ajudou muito neste processo: “o essencial é simples”.
Péra que tô famosa. Haha! Agora é sério, adorei o texto e a coragem de pensar fora da caixinha, tentando fazer do limão uma limonada. A vida é assim mesmo, cheia de mudanças e só quem decide vivê-la intensamente sabe disso. Nas últimas duas semanas fiz meu estágio no hospital. Foi a experiência mais intensa da minha vida: ri, chorei, levei alguns sustos, me surpreendi, aprendi muito. Sinto que avancei de alguma maneira que não sei explicar. Apesar de mudar de Letras para Saúde, uma pessoa muito experiente na área me disse que tenho o dom para a coisa e que vou ser uma “wonderful nurse”. Saí de lá com nota máxima em todos os quesitos e com um sentimento que uma das mais importantes missões da minha vida só está começando, aos 37, na Austrália, onde tudo me dirigiu para onde estou hoje. Acaso não existe Tasla, nosso papai lá de cima não descansa e nos guia para seja lá onde esteja nossa missão no mundo. Provavelmente com este post você colocou esperança em vários corações desanimados que talvez ainda não entendam que estar com 40 não é impedimento para recomeçar. Beijos mil.
Que legal Flávia! Tb tenho certeza de que vc será uma excelente enfermeira. Sucesso!!!
Seu post aliado ao comentario da Flavia me encheram de ânimo e coragem para seguir meus desejos e recomeçar aos 40, longe do meu país natal!
Oi Adriana, que bom! É por isso que amo escrever neste blog, pois sei que os textos “abrem a cabeça” de muita gente. A gente pensa que só nós passamos por isso ou aquilo e lendo as história vemos que é bem mais comnum do que imaginamos. Eu não me sentia apta a me reinventar no Brasil, mas aqui tudo fluiu e foi acontecendo. Ainda estou no processo, na caminhada. Amanhã vou trabalhar na escola, com as crianças. Amo de paixão, é uma coisa muito gratificante saber que fazemos a diferença no aprendizado e formação deles. E eu descobri que preciso sentir esse tipo de sentimento pra minha sanidade emocional. Boa sorte com tudo! 🙂
Parabéns pelo texto. Me identifiquei muito. Tenho 35 anos e uma filha. Sou jornalista no Brasil,trabalhei em agência de intercâmbio,escolas de inglês e de cursos técnicos na area de administração e hoje estou estudando para trabalhar em childcare também. Acho que a capacidade do brasileiro de se adaptar e correr atrás das coisas faz muita diferença quando se mora fora. E a Australia,como você mesmo pode vivenciar,te da muitas oportunidades de emprego. basta querer,estudar e correr atrás. Obrigado pela sua inspiração.
Oi Mirella, excelente sua decisão de ir para uma área de alta demanda, onde você pode trabalhar em qualquer cidade que queira. Minha amiga Melissa, a que eu menciono no texto, está se mudando pra Brisbane, chega amanhã… Acho dificil ser jornalista em um país onde não somos native speakers. O mesmo vale para Marketing, se te pedirem para escrever conteúdo de Marketing, como aconteceu comigo num trial que eu fui fazer aqui em Brisbane e que por razões óbvias não deu certo. Empregos parecidos com os que eu tive no passado não consegui aqui (ainda), mas estou bem feliz e realizada com o caminho que estou trilhando. E se eu puder ajudar/incentivar mais pessoas a saírem do baixo astral e procurarem alternativas profissionais, então estarei mais realizada ainda! Um abraço e muito sucesso para vc!
Que texto delicioso de ler! 🙂