Sou imigrante, sim. Sou estrangeira, sou latino-americana, sou brasileira, sou mulher. Tantas características para definir uma pessoa quando somente uma deveria ter essa função: sou ser humano. Você é? Então somos iguais!
Neste texto não quero falar sobre as dificuldades naturais de adaptação em outro país, quero falar da falta de respeito e o menosprezo de muitas pessoas pelos estrangeiros. Um cenário que tem sido visível no Chile, país onde vivo. Esse “espetáculo” tem nome: xenofobia.
Me manifesto para que as pessoas cientes do tema possam seguir refletindo e, quem sabe, tomem uma posição coerente quando necessário. Me manifesto para que as pessoas que atuam nessa “encenação” possam começar a pôr a mão na consciência e fazer um esforço para mudar, porque sempre há tempo de “ser” humano. Me manifesto para que as pessoas que sejam alvo desse fenômeno possam perceber que há milhões de outras iguais que se importam com a dor alheia, não porque também sejam imigrantes, mas porque sabem que somos todos iguais.
A atual situação de imigração nos EUA e, principalmente, cenas comuns e correntes de xenofobia no Chile, tem me chocado muito ultimamente. Por que sou estrangeira? Sim, mas principalmente porque sou humana, e como tal, não devo aceitar tratamentos diferenciados por qualquer razão que seja e, com quem quer que seja. Por que fui vítima alguma vez? Não, porque não posso querer para o outro aquilo que não quero para mim. Simples!
Quando me refiro ao Chile, não quero dizer que o chileno é xenofóbico. Não há nenhum tipo de generalização no meu discurso. Digo que, com o aumento da vinda de estrangeiros a este país, algumas pessoas têm se rebelado contra os novos moradores, como fariam, certamente, contra qualquer outro grupo de minorias, que em seu conceito fosse inferior a eles. É notório, inclusive, que esse maltrato está direcionado a certas nacionalidades, o que me faz acreditar que quem ataca é, além de xenofóbico, classista. A mensagem que me passam é que o estrangeiro é ainda pior se ele não tiver dinheiro, se não vier de um país do primeiro mundo ou se vier de um país que os prejudicou de alguma forma no passado.
Não quero, nem devo generalizar uma característica, até porque realmente acredito que tudo que é negativo não é preponderante em nenhum contexto social, mas ele se sobressai e chama mais a atenção, porque tudo que é aberrante tem mais peso diante dos olhos, na nossa consciência e na nossa alma. O que é positivo não dá ibope, não vende, não dá lucro. Tenho certeza que há muito mais pessoas “normais” ao meu redor do que “seres humaninhos” desprezíveis. Ainda sou otimista.
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Por que os estrangeiros não são nada bem-vindos por muitos chilenos? As duas justificativas mais comuns dadas por eles são:
• Eles vêm “roubar” os empregos da população chilena
• Trazem a delinquência para o país
A primeira, é dita claramente neste vídeo que se tornou viral por aqui no último mês. Nele, dois chilenos insultam duas atendentes, uma venezuelana e outra brasileira, em uma farmácia. Não são ofendidas por mau atendimento, o que tampouco justificaria. São agredidas verbalmente porque são estrangeiras.
Vamos refletir? Como você reagiria se fosse a vítima em uma situação dessas? O que você faria se presenciasse uma cena semelhante? Teria posturas diferentes? Acho que essas são perguntas que deveríamos fazer a nós mesmos desde o primeiro dia em que pisamos em terras estrangeiras, desenvolvidas ou não. Geralmente não as fazemos porque simplesmente não pensamos que nossa origem possa ser causa de qualquer tipo de constrangimento. Claro! Não deveria ser!
Como eu já disse, e reitero, isso não se aplica à maioria da população, inclusive muitas pessoas públicas têm se posicionado contra tamanha insanidade,como foi o caso do jornalista Daniel Matamal que trabalha na CNN Chile. Ele demonstrou com números fornecidos pela Defensoria que a segunda justificativa é infundada. Existem delinquentes imigrantes? Claro que existem. Assim como existem os locais, que são a maioria. Existem imigrantes idôneos e trabalhadores? Sim, e são a maioria. As pessoas são legais, são chatas, são bandidas, são trabalhadoras, são honestas ou desonestas porque são seres humanos, não porque são imigrantes. O professor e filósofo Leandro Karnal diz que (em outro contexto, mas que serve perfeitamente para esse) “ladrão é ladrão independente da hermenêutica do sujeito”.
Desde a minha experiência pessoal e profissional, testemunho que os estrangeiros não vêm para roubar trabalho ou serem delinquentes. O que mais vejo são haitianos no ônibus, às 7 horas da manhã, indo trabalhar nas construções civis dos bairros chiques. Nesse mesmo horário, nesse mesmo ônibus, várias peruanas indo cuidar de crianças e limpar casas alheias. Trabalhos que, diga-se de passagem, são rejeitados pelos chilenos. Isso é delinquência? Presencio essa realidade porque também estou nesse ônibus indo dar minhas aulas particulares. E o que sou? Estrangeira!
Tenho muitos alunos que vêm de outros países muito bem preparados para assumir diversos cargos. Por que os assumem? Não sei. Talvez porque não haja chilenos para tal. Talvez porque algumas empresas tenham uma visão muito mais aberta e enxerguem a necessidade real de fazerem parte de um mundo globalizado. É roubo quando te oferecem algo e você aceita?
Vamos refletir mais um pouquinho. Como um latino-americano pode se sentir melhor que o outro quando todos fazem parte do mesmo “terceiro mundo”, onde a desigualdade impera e a corrupção governa desde sempre?
Para reforçar estes minutos de leitura reflexiva, quero mostrar-lhes um trecho da música América de Amor da Daniela Mercury, cuja letra completa deveria ser um hino de união entre os povos.
Candomblés e tangos
Sambas e merengues
Somos todos hermanos
Una sola família, una isla solar
Amorosa e brilhante
Paraíso de los imigrantes
Como imigrante que sou em um país de hablahispana, escolhi a música Latino América da banda porto-riquenha Calle 13 que, em sua gravação original, tem a participação da nossa brasileira Maria Rita, mas compartilho uma que foi feita no festival de Viña del Mar de 2011, juntamente com o grupo chileno Inti-Illimani e da cantora, também chilena, Camila Moreno.
É isso, amados semelhantes imigrantes (ou não)! Se não temos a oportunidade de agir diretamente, ao sermos vítimas de um ato de xenofobia ou presenciá-lo, façamos nossa parte falando sobre o tema, seja em forma de arte através de uma música, seja expressando-nos em um texto como este. O mundo vive uma crise moral que nos deixa, pessoas “normais” (outra classificação tristemente desnecessária), numa posição na qual ou fazemos algo, embora pareça pouco, ou o “eu sou melhor do que você” se tornará o hino mundial. Sejamos “Danielas Mercurys” e “Calles Treces”. Cantemos ao mundo que “sou imigrante, ser humano igual a você”.
2 Comments
Adorei o seu depoimento depoimento!!
Eu parabenizo voce pelo texto que me ajudou muito a preparar licao!
abc desde Argentina